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Transformar imagens em palavras, gestos em signos, eis o desafio do crítico de cinema. Um desafio que se torna gigante quando se trata de um filme tão orgânico quanto Tomboy.  Trata-se de um filme francês, lançado em 2011, texto de Celine Sciamma e dirigido por ela mesma (Clique aqui para ver o trailer).

Laura (Zoe Héran), uma menina de aproximadamente 10 anos, se muda com os pais para um novo lugar, um apartamento no interior da França. Nesta nova vizinhança ela conhece Lisa, que tem  a mesma idade que ela, porém, no primeiro contato entre elas, Lisa a confunde com um menino. Laura então aceita essa nova posição e se apresenta como Mickäel. A partir daí, a história segue pela perspectiva dela em torno de uma nova relação com a infância: a possibilidade de ser um menino.

O filme aborda diversas situações desta nova realidade do personagem: a relação com a irmã mais nova, a relação afetiva com Lisa, a relação social com os outros meninos do condomínio, a relação com seu próprio corpo e a relação com os pais. Todas as situações criadas com uma incrível legitimidade, pois as crianças não deixam de ser crianças. Não há neste filme aquele problema recorrente de crianças sendo adultos ou “atuando” sua própria infância. Ao contrário, parece que a diretora apenas “captou” cenas de uma infância existente, possível.

tomboy

Pela sua simplicidade, a fotografia, a música, os ambientes trabalham pela construção desta realidade palpável.  Poucos diálogos, muitos pensamentos. Poucas palavras, mas todas elas com uma razão sincera de ser, sem peso, sem importância. As cenas se justificam mais pelos atos do que pelas palavras, constrói-se assim um personagem com uma identidade corporal distinta, um questionamento aos padrões estabelecidos de comportamento.

Há espaço entre cena, lugares de reflexão e proposições subjetivas. Um filme que não se preocupa em justificar e mostra a relação desta criança e sua criatividade enquanto apropriação de seu gênero, que em determinado momento aparece como possibilidade de trazer o lúdico para o relacionamento interpessoal. Um filme que se deixa aberto para interpretações, que não tem a preocupação de responder determinadas questões, mas sim de causar determinadas perguntas. “Por que não?”, talvez a pergunta fundamental.

Comovente do começo ao fim, o filme traz um dos lados mais belos da infância: a capacidade de criar novas possibilidades de vivência a todo instante, de subverter valores dados, de tornar lúdico, de dar asas, aliás, gosto desta expressão, dar asas, a capacidade de transformar a bigorna na mais leve das penas.

Rafael Lauro

Autor Rafael Lauro

Um dos criadores do site Razão Inadequada e do podcast Imposturas Filosóficas, onde se produz conteúdo gratuito e independente sobre filosofia desde 2012. É natural de São Paulo e mora na capital. Estudou música na Faculdade Santa Marcelina e filosofia na Universidade de São Paulo. Atualmente, dedica-se à escrita de textos e aulas didáticas sobre filósofos diversos - como Espinosa, Nietzsche, Foucault, Epicuro, Hume, Montaigne, entre outros - e também à escrita de seu primeiro livro autoral sobre a Anarquia Relacional, uma perspectiva filosófica sobre os amores múltiplos e coexistentes.

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Milena Klinke
Milena Klinke
11 anos atrás

Esse texto me traz exatamente a mesma leveza que o filme. Um filme bonito,simples e emocionante, mexe com a gente de uma forma sutil, porém profunda! Um dos meus preferido! 😉 Ótimas observações, excelentes apontamentos, texto bom de ler, filme bom de ver! Legalll!!!

Vanessa Aquino
Vanessa Aquino
3 anos atrás

Que interessante! Seu texto me deixou curiosa, vou procurar o filme.
Obrigada!