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Uma boa melodia é fundamental para uma boa música. A uva está para o vinho assim como a melodia está para a música, digamos que os outros elementos, não menos importantes, são o tempero ou a vestimenta. Claro que quando falamos de música todos os fatores são importantes. Não podemos ignorar harmonia e arranjo, nem qualquer outro aspecto musical, pois estes constituem, a estrutura básica da composição, entretanto a melodia, na maioria dos casos, é o primeiro plano, é a linha a ser seguida.

“A melodia tem uma ligação significante e intencional do começo ao fim […] é um pensamento do começo ao fim” Arthur Schopenhauer

Há algumas melodias que parecem guiar a escuta, parecem encantar nossos ouvidos. A música que escolhemos para compartilhar com vocês hoje tem uma das melodias mais bonitas que já ouvi. Me arrepia dos pés à cabeça.

Viva Júlia

Composição: Tiago Costa

Teco Cardoso – Saxofone Alto
Léa Freire – Flauta
Mônica Salmaso – Voz
Tiago Costa – Piano
Fernando Demarco – Contrabaixo Acústico
Edu Ribeiro – Bateira
Album: Quinteto Vento em Madeira
Gravadora: Maritaca
Produção: Teco Cardoso
Direção Geral: Léa Freire

 

O quinteto Vento em Madeira é um grupo que foi originalmente montado para rearranjar as músicas do álbum Cartas Brasileiras, da flautista Léa Freire, para um grupo menor, mas tamanha a identificação que se deu entre os músicos, nasceu um projeto belíssimo que pretende “transformar vento em madeira” segundo as palavras da compositora.

“Equilíbrio entre rigor e liberdade, memória e novidade, meticuloso tratamento das formas, respeito às linguagens, tratamento composicional dos improvisos e manutenção da conversa entre os músicos e entre músico e ouvinte foram nossas premissas.”

Pensemos então sobre a música, que foi inspirada na filha do compositor, segundo algumas dessas importantes premissas:

Quanto a forma – caráter essencial para que a relação entre memória e novidade não fique desgastada – temos uma melodia com duas partes – costumamos chamá-las de ‘A’, ‘B’ e, conforme a necessidade, ‘C’, ‘D’ etc. – que são expostas no começo da música, intermediadas por uma seção de improvisos e reexposta no fim da música. O fator que mais contribui para que a melodia não se desgaste com a repetição é a variação. Esta pode ser feita de inúmeras maneiras, nesta versão é interessante reparar que em cada uma das partes há uma combinação diferente dos timbres. Por exemplo: No primeiro A da exposição, quem faz a melodia é a flauta em conjunto com o piano. No segundo, é o sax com a voz e no B são a flauta, o sax e a voz juntos. Esse tipo de manipulação do material musical acaba criando mais interesse para a música e é indispensável em se tratando de um discurso longo.

Depois da exposição do tema, temos o desenvolvimento do mesmo através dos improvisos. É interessante reparar que a harmonia do A e do B se mantém semelhantes e os músicos passam a tocar sobre elas de maneira livre, criando melodias espontaneamente. Começa com a flauta, repare na maneira de acompanhar, como o trio envolve e interage com o solista sem se sobrepor a ele. Em seguida há o improviso do piano, onde aparece um acompanhamento escrito para a voz, flauta e sax que cria um timbre excepcional e uma sensação de bidimensionalidade na escuta. Antes de retornar ao tema, acontece uma “conversa entre sax e bateria”, de maneira livre, sobre uma base estática, um ostinato1 do piano onde é usado um  famoso recurso muito interessante: o ostinato sendo subvertido pelo baixo, que anda em alguns momentos e, neste caminhar, vai transformando as relações harmônicas.

Não podemos deixar de chamar atenção para o que considero o ‘ápice’ da música: Há uma suspensão da melodia no fim do B  que nos faz prender a respiração. É de uma delicadeza e de uma beleza realmente sem medida. (Todos os momentos comentados no texto estão destacados no aplicativo do soundcloud. Para vê-los é só passar o mouse pelas pequenas fotos no rodapé do aplicativo)

Gostaria de pedir ao leitor, que reserve um tempo e um lugar apropriados para a escuta. Tenho certeza que a experiência musical se tornará cada vez melhor.

 “A música, em essência, é uma conversa trazida em ondas sonoras, é uma troca de vibrações assopradas em nosso ouvido, é vida transmitida de pessoa para pessoa” Léa Freire no encarte do álbum Vento em Madeira

1 – “Um ostinato é um motivo ou frase musical que é persistentemente repetido numa mesma altura. A ideia repetida pode ser um padrão rítmico, parte de uma melodia ou uma melodia completa.”  Kamien, Roger (2003). Music: An Appreciation.

Rafael Lauro

Autor Rafael Lauro

Um dos criadores do site Razão Inadequada e do podcast Imposturas Filosóficas, onde se produz conteúdo gratuito e independente sobre filosofia desde 2012. É natural de São Paulo e mora na capital. Estudou música na Faculdade Santa Marcelina e filosofia na Universidade de São Paulo. Atualmente, dedica-se à escrita de textos e aulas didáticas sobre filósofos diversos - como Espinosa, Nietzsche, Foucault, Epicuro, Hume, Montaigne, entre outros - e também à escrita de seu primeiro livro autoral sobre a Anarquia Relacional, uma perspectiva filosófica sobre os amores múltiplos e coexistentes.

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