Skip to main content
CarrinhoClose Cart

2 horas da manhã e um frio de doer os ossos. Deito na cama e rapidamente me enfio debaixo das cobertas. Piorou! Os lençóis, gelados como a neve, fazem meu corpo estremecer. Encolho-me. Imóvel, sinto o calor chegar. Os músculos começam a relaxar, um sorriso se esboça. Aliviado, arrisco sair da posição fetal à qual eu tinha me recolhido. Estico lentamente as pernas, como continua frio lá embaixo! Forço-me a ocupar todo o espaço da cama. O calor se dilui por debaixo das cobertas e depois volta a se intensificar. Estabelece-se o equilíbrio, corpo quente e confortável, que alegria! Como gosto de todo este processo.

Penso: eu estava com frio, eu desejava o cobertor! Lembro-me dos momentos de angústia em que algo parecia faltar. Precisei satisfazer meu desejo com um caloroso edredom. Certo? Errado! As cobertas, como a experiência mostrou, não produzem calor nenhum. O que meu corpo queria então? Por que assumi como o objeto do meu desejo um amontoado de panos grossos?

Meu corpo, tal qual máquina, está disposto sempre à produzir. Dispus-me então a criar um novo arranjo, busquei uma associação para potencializar as minhas próprias capacidades. Minha vontade era de potência. Através do encontro com o objeto, investi na minha capacidade de gerar calor e, de fato, o calor transbordou-me.

Não há falta nem objeto do desejo, pois não é possível preencher o espaço que não está vazio. O corpo tem plena capacidade de produzir aquilo que lhe falta, contanto que não lhe inventem demandas ideais. Ao tomar o desejo por falta, distanciamos nosso corpo daquilo que ele pode, de sua potência. Não nos falta nada. Nosso desejo é movimento, é o andar por um caminho permeado de encontros, agenciamentos e arranjos. Eu poderia ter feito uma fogueira e tomado uma generosa dose de conhaque ou quem sabe poderia ter encontrado outro corpo para produzir o calor junto ao meu. São sempre belas as possibilidades de se potencializar.

Rafael Lauro

Autor Rafael Lauro

Um dos criadores do site Razão Inadequada e do podcast Imposturas Filosóficas, onde se produz conteúdo gratuito e independente sobre filosofia desde 2012. É natural de São Paulo e mora na capital. Estudou música na Faculdade Santa Marcelina e filosofia na Universidade de São Paulo. Atualmente, dedica-se à escrita de textos e aulas didáticas sobre filósofos diversos - como Espinosa, Nietzsche, Foucault, Epicuro, Hume, Montaigne, entre outros - e também à escrita de seu primeiro livro autoral sobre a Anarquia Relacional, uma perspectiva filosófica sobre os amores múltiplos e coexistentes.

Mais textos de Rafael Lauro
Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
Milena Klinke
Milena Klinke
10 anos atrás

Texto humanamente pleno! Aqueceu a noite 😉

Rafael Trindade
Reply to  Milena Klinke
10 anos atrás

Concordo em gênero, número e (poucos) graus.

Thallyesle Almeida
Thallyesle Almeida
Reply to  Rafael Lauro
10 anos atrás

Mais que belo texto, adorei a comparação, á muitas maneiras, mais ler, escutar, a de outro ser, é sempre mais prazeroso!

Guilherme Cesar Meneguci
9 anos atrás

Poderia ter confundido com autoajuda se não me lembrasse da psicologia e Nieztsche

Ethel
Ethel
9 anos atrás

Boa noite! Venho acompanhando o site e curto muito o trabalho de vcs!
Sou uma iniciante na filosofia e comecei por Spinoza e Nietzsche e confesso que estou encantada!… Parabenizo Rafael pelo belo texto! Bom descanso quentinho para tds! 😉