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Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações”

– Epicuro, Carta sobre a Felicidade (a Meneceu)

A filosofia de Epicuro funda-se em sua física. Seu materialismo é radical, até os deuses indolentes estão no plano material. Existem apenas “corpos, uns são compostos, outros são elementos que servem para fazer os compostos” (Epicuro – Carta a Heródoto). São estes átomos “indivisíveis e imutáveis” que constituem o mundo. Em movimento perpétuo, eles promovem novos arranjos na medida em que se chocam entre si. O encontro fortuito destes elementos produz a realidade, mas o mesmo movimento desfaz e transforma o estado de coisas. É clara a influência de Demócrito e Leucipo, mas infundada a acusação de que Epicuro apenas os copiou.

Não há moral que transcenda as sensações. Todo bem e mal está no corpo, no movimento incessante de seus elementos e, portanto, nos bons e maus encontros que este movimento proporciona. A morte é tão somente o desligamento do corpo, não no sentido de uma separação entre corpo e alma, pois não há aqui esta separação. A alma é para o corpo como uma sede de sensibilidade, nada mais. Epicuro despreza os além-mundos religiosos, não há, pois, uma recompensa após a morte, tampouco uma punição.

Não existe nada de terrível na vida para quem está convencido que não há nada de terrível em deixar de viver”

– Epicuro, Carta sobre a Felicidade (a Meneceu)

A perspectiva materialista implica na efemeridade do presente: o que foi já não é e o que será ainda não é. A morte, portanto, não existe na vida. “Quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos”. Ou seja, o que nos aflige não é a morte, mas o medo dela! Isso porque só o pensamento da morte existe em nós! Desta forma, Epicuro parece estar querendo nos dizer, “ter que morrer coloca mais problemas do que propriamente morrer”.

Bem viver supõe ignorar as pulsões de morte, requer que coloquemos em seu lugar uma celebração intensa da vida. “Nem desdenhar a vida, nem temer deixar de viver”, eis uma boa prática. Sobretudo, deixar de amaldiçoar a vida pelo fato dela ser um movimento com começo, meio e fim. Devemos nos preocupar em colher os frutos de um tempo bem vivido, ainda que breve.

Eis como Epicuro celebra a vida, com a morte da morte, não há motivos para pensar nela, a menos que seja da maneira estoica, como um meio de fortificar a vida. Epicuro erige uma filosofia materialista e hedonista onde a morte não tem lugar. Precisamos então matar a morte!

Texto da Série:

Tetrapharmakon

Rafael Lauro

Autor Rafael Lauro

Um dos criadores do site Razão Inadequada e do podcast Imposturas Filosóficas, onde se produz conteúdo gratuito e independente sobre filosofia desde 2012. É natural de São Paulo e mora na capital. Estudou música na Faculdade Santa Marcelina e filosofia na Universidade de São Paulo. Atualmente, dedica-se à escrita de textos e aulas didáticas sobre filósofos diversos - como Espinosa, Nietzsche, Foucault, Epicuro, Hume, Montaigne, entre outros - e também à escrita de seu primeiro livro autoral sobre a Anarquia Relacional, uma perspectiva filosófica sobre os amores múltiplos e coexistentes.

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Ormando (Zion)
Ormando (Zion)
7 anos atrás

Ótimo texto Rafael Lauro, este portal “Razão Inadequada” é uma fonte preciosa de contato e descoberta desta liberdade apontada por autores como Epicuro, Deleuze, e os demais. Um oásis no deserto da ignorância e da burrice aceita pela medo e pela vontade de pertencer ao rebanho dos corpos vivos movidos por mentes mortas (ou para ser mais sutil, mentes dormentes). Gracias!