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Não vivemos num mundo destruído, vivemos num mundo transtornado. Tudo racha e estala como no equipamento de um veleiro destroçado”

– Kafka

Nosso mundo está rachado! Direita, esquerda; azuis, vermelhos; santos, demônios; salvadores, porcos; ricos, pobres. Dividimos o mundo ao meio, dois times e um juiz. Mas que juiz? Deus, a História? Assistimos na arquibancada a pestilência política e saímos nos fins de semana com nossas camisas de futebol para “protestar”. Ah sim… tem a corrupção! Onde ela está? É tanta corrupção que nem sabemos por onde começar…

A Razão Inadequada é cega para contradições, ela não entende de dialética. Nem uma, nem duas, nem três, nós vemos várias forças, por todos os lados forças, de cima a baixo fluxos que se entrelaçam em uma multiplicidade muito maior que dois. O cego só vê dois lados da moeda, mas nossos dois olhos conseguem ver vários lados da mesmo acontecimento.

A diferença se faz diferença, as forças aceleram, mas o Estado, a Burocracia, o conservadorismo desaceleram, puxam, pesam, parasitam, unificam. O Estado burocrático procura se impor a qualquer custo, autoconservação. O poder gosta da unidade: ele mesmo. O poder é narcisista, quer que tudo flua para seu centro. Mesmo que mantenha tudo em um estado constante de tensão com pequenos intervalos de alívio nos fins de semana.

Corromper é o ato de modificar, desfazer, alterar, mudar, perverter…. é uma ruptura, um esfacelamento. Eu posso romper, mas para co-romper é preciso dois. Seguimos em frente nos desfazendo e nos recriando constantemente. O Império rouba o que há de criativo, é um vampiro. Cada um corrompe de seu jeito. No Império ela implica a separação de nós daquilo que podemos! A corrupção legitimada, institucionalizada, rompe a cadeia de desejos do conjunto de singularidades que somos.

Mas nós nos desfazemos para afirmar nossa própria potência. Trocamos nossa pele demasiadamente marcada. Quais são nossas armas, nossas possibilidades? Corromper a corrupção! Sim… tudo funciona corrompendo! Não somos religiosos, não queremos uma unidade, não queremos um partido único, não queremos tudo no lugar. Queremos sempre mais! Mais pessoas na rua, mais ideias, mais possibilidades! Nosso modo de funcionamento corrompido é corrompendo. Somos os brinquedos tortos que destroem porque criam. Andamos na grama porque nem vimos a placa de proibido. Não é acidental, é necessário.

A corrupção sempre parece um pecado aos olhos dos padres e coroinhas. Quem olha demais para cima acaba julgando com valores que não são deste mundo. Nossa visão de corrupção é diferente, e bem mais interessante: Editoras exigem direitos autorais dos livros, nós exigimos que ideias voltem a ser perigosas. Tudo se faz diferenciando-se, quebrando, refazendo. As ideias não pertencem a ninguém! As velocidades são claras para nós, não há modelos a seguir, existem apenas linhas de fuga que perfuram, ultrapassam, criam.

“Corrupção” vem do latim: corruptus, que significa “quebrado em pedaços”; ora, mas é exatamente o que queremos fazer! Fomos corrompidos mas somos e queremos ser corruptores! Nossa corrupção vem de uma vontade de afirmação muito maior! Ela vem de baixo. Nós somos os mais belos corruptos que existem porque nossa corrupção abre terreno para a mais singular criação. São linhas que mostram que as estruturas estão rachadas, são movimentos de abertura por entre o lodaçal que nos impede o movimento. Onde estão os novos horizontes? É preciso abrir caminho.

Quando baixamos músicas na internet, quando fazemos algo por debaixo dos panos, quando distraímos o Panóptico e, como num passe de mágica, nossas mãos se tornam mais rápidas que os olhos do poder, esta é nossa corrupção. O Torrent ri na cara dos direitos autorais. Vendedores ambulantes não pagam aluguéis absurdos para criar um mercado paralelo (mais competitivo?).

A corrupção é nossa ferramenta inteligente para enganar os grandes enganadores, parasitar os parasitas. Da mesma forma que Espinosa disse que somente um afeto pode vencer outro afeto, nós dizemos que somente a corrupção pode vencer a corrupção. É claro que eles dizem “seja honesto, faça sua parte“, porque ovelhinhas pastando incomodam menos. Se corrompemos, é somente no sentido de modificação, adulteração do que nos oprime. Nós mudamos o valor da moeda.

E há, é claro, outra corrupção que adoramos, a degradação dos valores morais, hábitos ou costumes. Como verdadeiros cínicos modernos, à maneira de Diógenes, tornamos pública e notória a hipocrisia na qual vivemos! Andamos de mãos dadas com pessoas do mesmo sexo e trocamos carícias no metrô. Não, quatro paredes é muito pouco! Homens de saia e seios. Mulheres de cabeças raspadas são lindas! Minha camiseta tem manchas de mostarda que seus ternos invejam! Estamos cagando e andando… Ah, como a corrupção pode ser linda!

É preciso opor um cinismo superior ao cinismo generalizado. Nossas armas são as mesmas do inimigo, mas usadas  de maneira imanente, não queremos um martelo para pregar o caixão, o usamos para demolir ídolos. Não queremos uma chave de fenda para parafusar seus produtos chineses e vietnamitas, mas sim para desparafusar estas máquinas de poder que nos constrangem.

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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Maurício
Maurício
8 anos atrás

Isso que é escrever com sangue! brava reflexão!

DC Câmara
DC Câmara
8 anos atrás

Acho que orgasmo é pouco perto do que eu senti lendo isso.

gerson
gerson
8 anos atrás

Não há como se desligar. Só os cinicos ou na beatitude.

Sandro da Silva fonte Boa
Sandro da Silva fonte Boa
8 anos atrás

Perfeito essa análise, somos corruptores e queremos o sangue dos corruptos, os mesmo cidadões desonesto que levam.vantagem as escuras no seu cotidiano, é o mesmo que pinta o rosto e diz que vai protestar, sai de um protesto e logo no dia seguinte tem atitudes desonestas, o mau do brasileiro não são os políticos, mas sim a colonização, o brasileiro é mau de berço..

emocoesesentimentos
8 anos atrás

Republicou isso em emocoesesentimentos.

Jeremias
Jeremias
8 anos atrás

Eu ainda acho que o bem sempre vence o mal.