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O sujeito é produzido como um resto, ao lado das máquinas desejantes, ou que ele próprio se confunde com essa terceira máquina produtora e com a reconciliação residual que ela opera: síntese conjuntiva de consumo, sob a forma maravilhosa de um ‘Então era isso!’”

– Deleuze e Guattari, O Anti-Édipo, p. 32

Chegamos na terceira síntese: esta é a máquina que produz sujeitos! Sujeito e resíduo! É a saída da fábrica. É aqui que encontramos o produto, e qual é ele? A própria subjetividade! Este é o terceiro corte da máquina: corte-resto ou resíduo.

O Eu é um sintoma, um coágulo, uma redundância. O inconsciente arrota esta síntese como resultado das conexões e disjunções. Ela é o calor do aquecimento, o som estridente das máquinas, o óleo que vaza. A síntese conjuntiva é o sujeito como peça adjacente à máquina, é a sobra, o efeito. É aqui, e apenas aqui onde algo da ordem do sujeito se deixa assinalar.

A síntese conjuntiva cria um sujeito, uma subjetividade e por isso sua conjunção é a conclusão do espanto: “se… então…”. Como um “Eureka” da descoberta de si mesmo: “Uau, então é isso!”.

A infinita produção das máquinas lineares conectivas, os registros e desvios da máquina disjuntiva nos levam até aqui. Um sujeito nômade, que após estas maquinações se abre para a criação de devires do mundo! Realiza encontros intensos com o fora.

Este sujeito é o que nasce ao lado da máquina, ele não é o produto da máquina, ele é o resíduo, ele é o calor emanado da máquina, o resquício jogado no rio. A vida é produção de resíduos, sobejos e refugos!

As síntese legítimas não geram produtos em série, como carros saindo das montadoras. Pelo contrário! O que acontece aqui é o desmonte dos modelos, a produção de simulacros. Ele não consome imagens, ele se abre para o consumo de intensidades.

É muito importante notar aqui como há uma inversão da lógica platônica-aristotélica. O produto das máquinas não é a ideia, o modelo, é o próprio devir, o simulacro, a diferenciação de si mesmo. O sujeito não coincide consigo mesmo: A não é mais igual a A, A = B.

Nunca falamos de falta, há sempre um excesso, uma abertura, um rodar rápido, esquentar muito, furar, torcer, comprimir, esticar. “Então era isso?”, consumo de estados subjetivos, o excesso é movimento que impede o sujeito de coincidir consigo mesmo. A subjetividade é o conjunto de sínteses operadas no inconsciente. O resíduo da máquina é o estado intensivo que se apodera de nós, que é imediatamente consumido, reciclado, digerido e reabsorvido.

Nietzsche ficaria orgulhos! A síntese conjuntiva é o retorno da diferença! A produção de diferença. Não é a causa final, não é o ponto de parada (pode ser se for ilegítima), é a abertura para o novo, é exatamente o ponto de partida.

Por isso repetimos: trata-se da síntese do espanto! “Uau! É isso? Então eu estou em devir? Então eu me abro para as mais diversas intensidades do mundo e me transformo no processo?” Sim! A abertura impede o sujeito de coincidir consigo mesmo! 

Trata-se de relações de intensidade através das quais o sujeito passa sobre o corpo sem órgãos e opera devires, quedas e elevações, migrações e deslocamentos”

– Deleuze e Guattari, O Anti-Édipo, p. 117

Não é imitar o outro, é deixar-se afetar, efetuar encontros, encontrar-se com o mundo, o universo. O sujeito  se torna nômade, aprende a atravessar barreiras, limiares, torna-se um migrante: de país, de sexualidade, de identidade, de tudo! Como disse Foucault: “Não me pergunte quem sou e não me peça para permanecer o mesmo”. Nascer e morrer torna-se simples.

Já na produção de registro, na superfície de inscrição, algo como um sujeito começava a aparecer. O sujeito desdobra-se em si mesmo e para fora, se multiplica. Esse desdobramento, na síntese conjuntiva, mostra um conjunto aberto para o fora, para os devires.

Estamos falando da produção de consumo, ela compõe os processos de uso, usufruto e gozo das realidades produzidas. O Numem do registro se torna o Voluptas do consumo. É o gozar de si mesmo e do mundo. Mas a questão aqui é: o que se consome no final? Ora, tudo depende das sínteses que foram realizadas! O sujeito consome os estados pelos quais passa, e nasce destes estados.

O consumo se assenta no registro, mas o registro é fruto da produção e a própria produção se insere no consumo, lembram-se? Assim, o ciclo se fecha e no consumo encontramos o sujeito voltando a inserir produção na produção.

É um estranho sujeito, sem identidade fixa, errando sobre o corpo sem órgãos, sempre ao lado das máquinas desejantes, definido pela parte que toma do produto, recolhendo em toda parte o prêmio de um devir ou de um avatar, nascendo dos estados que ele consome e renascendo em cada estado”

– Deleuze e Guattari, O Anti-Édipo, p. 30

Há um tipo de revolução copernicana aqui. Não somos o centro do universo. O sujeito aparece como resíduo, está na borda, não no centro das atenções. A síntese ilegítima o faz pensar “eu sou especial, eu sou o produto especial das máquinas!”, como se o universo fosse feito para ele. Mas a síntese legítima da conjunção é o espanto do resíduo: um sujeito jogado no mundo quase que sem querer, por acaso: um nômade. 

O primeiro se acha especial, terminado, perfeito. O segundo embarca na produção, se sente ao lado, entrando em devir, deslizando, produzindo, consumindo a si mesmo no processo! A vida é isso! Saber que muita coisa se passa e as máquinas não estão aqui para produzir seres humanos modelos.

A síntese conjuntiva deixa o sujeito aberto, perfurado, com buracos, zonas de ressonância. Que bom! assim as intensidades podem passar por ele! O sujeito conjuntivo nunca se identifica com pessoas, mas com os devires da história. Como Nietzsche, ele diz que é Napoleão e César e Cristo e Dionísio e todos os nomes da história.

Saímos da caverna de Platão, deixamos de consumir imagens! Encontramos a diferença em si mesma. O esquizo, e apenas ele, mergulha na história e na natureza ao mesmo tempo! Ele está vivo, ele é como a membrana plasmática, constituindo sistema, mas aberto ao mundo. 

Se o vivente é semelhante ao mundo, isto ocorre, ao contrário do que se pensava, porque ele se abre à abertura do mundo; se ele é um todo, é na medida em que o todo, o do mundo como o do vivente, está sempre em vias de se fazer, de se produzir ou de progredir, está em vias de se inscrever numa dimensão temporal irredutível e não-fechada”

– Deleuze e Guattari, O Anti-Édipo, p. 132

O nômade roda pelo mundo em intensidades, mesmo que não saia de casa, a diferença brota nele. É somente a abertura das sínteses conjuntivas que permite ouvir a orquestra das máquinas em sua doce e metálica melodia. 

Somente assim podemos mergulhar e desfrutar das múltiplas possibilidades do mundo. “Ah, então era isso!”, diz o esquizofrênico andando pelo campo, entrando em devires. “Ah, então esta flor sou eu!”, diz ele, “Ah, então é isso!”, repete ele ao chegar na cidade, “então esta bicicleta sou eu”, conclui ele, aberto para cada encontro.

O sujeito consome os estados pelos quais passa, e nasce destes estados, sempre concluído destes estados como uma parte feita de partes, cada uma das quais ocupa, por um momento, o corpo sem órgãos”

– Deleuze e Guattari, O Anti-Édipo, p. 60

Texto da série:

 

Inconsciente Maquínico

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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Carol
Carol
8 anos atrás

“O nômade roda pelo mundo em intensidades, mesmo que não saia de casa, a diferença brota nele. O sedentário segregador nunca sai de casa, mesmo que esteja viajando pelo mundo, para ele, a diferença está do lado de fora.”

Por favor, tire-me uma dúvida. A mudança, os devires não dependem de novos desejos, os quais dependem de diferentes encontros. Como é possível ser nômade dentro de casa,onde os encontros são sempre os mesmos?

CIAO!
CIAO!
6 anos atrás

É aqui, em se trantando de devires, por esses bosques floridos da diferenciação que um querido e próximo “professor” modernista diz à nós em sala: “Não concordo com os pós modernos pois dizem: “_quero ser um cachorro”. E pronto, são cães postos a latir e morder. Agora se são cães, como contar que eles sejam humanos?”. O receio ao caosmos e favor a fixidez da ORDEM! ECA! Prefiro sempre os cães, pois os alexandres vem sempre se pondo em frente ao sol.

Lohá
Lohá
11 meses atrás

Que AtRaVeSsAmEnTo esse texto! Bloco de sensações…como a captura da essência do que poder ser uma construção de um mapa devir deleuzianoguattariano!