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Alegria é a passagem do homem de uma perfeição menor para uma maior”

– Espinosa, Ética III, definição dos afetos

Espinosa e Skinner estão ambos preocupados em entender a relação que um corpo estabelece com o ambiente ao seu redor. Para os dois pensadores, esta é a base para compreender os modos que um organismo encontra para estar no mundo. Existe uma linha, um limiar que é constantemente atravessado pelas afecções. Essa variação de um organismo, consequência das afecções, é o que Espinosa chamará de afeto. Essa conexão estabelecida pela mudança do comportamento do organismo depois de afetado é o que o behaviorismo chamará de comportamento operante.

Segundo Espinosa, os afetos são o que há de mais real em nós, sendo os bons encontros aqueles que aumentam a nossa capacidade de agir. “O corpo humano pode ser afetado de muitas maneiras, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída” (EIII, Post. 1). O corpo humano funciona como um conjunto de fatores que procura manter-se, mas, mais importante, expandir sua força de agir no mundo (conatus), ou seja, somos esforço constante para sermos felizes em ato. Claro que a definição de felicidade é complexa, mas podemos definir o organismo como esse esforço por selecionar os bons encontros. Através deles, esta força pode aumentar, gerando felicidade, e assim o organismo encontra meios cada vez mais úteis de atuar em seu ambiente.

Os bons encontros ensinam o que há de comum entre um corpo e o mundo, estabelecem as conexões necessárias para pensar o que convém e não convém. Conhecer estas relações necessárias é bom, porque é útil ao homem que quer manter as relações de movimento e repouso que constituem seu corpo. O conhecimento certo daquilo que convém é útil, logo, bom. É pelos bons encontros que formamos noções comuns, que são o conhecimento das relações necessárias da parte (no caso, nossa singularidade) com o todo (no caso, o ambiente).

Quanto mais uma coisa concorda com a nossa natureza, tanto mais útil ou melhor é para nós; e, inversamente, quanto mais uma coisa nos é útil, tanto mais concorda com a nossa natureza”

– Espinosa, Ética IV, prop 31, corol

Alguma semelhança com o reforço positivo? Qualquer aproximação conceitual, de alguma forma, distorce cada conceito individual. Mas podemos dizer que estamos aqui muito próximos de Skinner e seu condicionamento operante. O homem não é uma peneira, ele é um esforço ativo, operante, atuante. O esforço de se manter e preservar é o mesmo de realizar bons encontros. No reforço operante, aumentamos nossa ação sobre o mundo após elas serem reforçadas positivamente. Isso gera a felicidade, não como causa, mas como resultado.

A felicidade é um sentimento, um subproduto do reforço operante. As coisas que nos tornam felizes são as que nos reforçam”

– Skinner, Sobre o Behaviorismo, p. 63

Tudo aquilo que é reforçador, é reforçador por causa da constituição de um corpo. Aquilo que convém com as relações do nosso corpo, aquilo que nos ajuda a mantê-las e expandi-las é útil, é bom. Por isso nenhum reforçador pode reforçar o tempo todo. Ao comermos o primeiro prato de comida, nos alegramos, a comida entra numa relação com o nosso corpo que aumenta sua potência de existir, mas ao chegarmos ao quarto prato, nosso corpo começa a se desregular e desequilibrar. Nada é bom ou mau em si, a priori, depende da relação que nosso corpo estabelece com aquele corpo, naquele momento específico.

Homens diferentes podem ser afetados diferentemente por um só e mesmo objeto, e um só e mesmo homem pode, em momentos diferentes, ser afetado diferentemente por um só e mesmo objeto”

– Espinosa, Ética III, prop 51

“Há, é lógico, amplas diferenças entre indivíduos, quanto aos eventos que se provam reforçadores”

– Skinner, Ciência do Comportamento, p. 83

Espinosa e Skinner são claríssimos quanto a uma constatação simples: estamos inseridos no mundo, e não tem como não sermos afetados por ele. Dada nossa relação com o que nos cerca, nosso comportamento é determinado desta ou daquela maneira, por múltiplos fatores que muitas vezes não temos acesso e nos escapam. Podem ser bons ou maus encontros, podem ser reforços ou punições. O afeto é consequência de uma afecção, é efeito de uma causa, é uma passagem.

Cada um necessariamente apetece ou rejeita, pelas leis de sua natureza, aquilo que julga ser bom ou mau”

– Espinosa, Ética IV, prop 19

Sendo uma parte da realidade, como apreendê-la e nos relacionarmos com ela? A resposta simples é: o reforço positivo nos mostra os caminhos, abre as possibilidades possíveis. Todo bom encontro nos ensina algo, nos indica o que convém. Os bons encontros, o reforço, são a maneira mais efetiva de mudar alguém. Ensinar por onde ir é algo que soma, multiplica, torna-se ferramenta que pode ser utilizada em outras situações, diferente da punição, mau-encontro, que ensina simplesmente algo a não se fazer, ou seja, não tem em si nada de afirmativo.

Por bem compreenderei aquilo que sabemos, com certeza, nos ser útil”

– Espinosa, Ética IV, def 1

“Por mal compreenderei, por sua vez, aquilo que sabemos, com certeza, nos impedir que desfrutemos de algum bem”

– Espinosa, Ética IV, def 2

O bom encontro relacionado à utilidade nos faz ver como o prazer pode ter suas armadilhas, e Espinosa e Skinner sabem bem disso. Aquele que é tomado por apenas uma afecção, perde a seu leque de possibilidades, fechando essa capacidade de afetar e ser afetado. É o que Skinner chama de escravo feliz, viciado, ilusoriamente livre, mas impotente. É ruim todo e qualquer reforço que só faça pensar e agir de uma mesma maneira!

Nossa sociedade ocidental especializou-se nesta forma de reforço que na verdade escraviza! A obsessão, o vício, o acúmulo, a impulsividade são subprodutos comportamentais desta sociedade que escraviza pelo reforço positivo. Perdemos nossa capacidade de experimentar o múltiplo e ficamos presos no reforço individual de cada peça produzida na linha de montagem. Ou seja, o reforço positivo não é bom em si, ele precisa passar, diria Espinosa, pela moderação da razão, a longo prazo reforços positivos imediatos podem ser muito prejudiciais.

Com essa brevíssima explicação podemos chegar a alguma conclusão? Bom encontro é aquele que amplia a capacidade do homem de afetar e ser afetado, e o reforço positivo é seu caminho mais seguro. O objetivo de Espinosa, com sua Ética, é tirar o homem da servidão e possibilitar e ele experimentar a liberdade. O homem livre é o sábio que possui conhecimento de si e virtude para agir. Não seria a busca de Espinosa um esforço para tornar o homem alguém capaz de criar contingências que sejam reforçadoras por natureza? Ele chamou este estado de amizade pela razão de ajuda mútua.

No conhecimento confuso os homens são contrários entre si, mas na razão os homens tendem a concordar e formar um todo mais forte, efetuando encontros que potencializam a todos ao mesmo tempo. Os caminhos tortos que o reforço positivo e os bons-encontros realizam são as curvas de um rio que incansavelmente flui na geografia de um terreno que seleciona o percurso em direção ao mar da liberdade, da alegria, da sabedoria e da beatitude.

A felicidade é um sentimento, um sub­produto do reforço operante. As coisas que nos tornam felizes são as que nos reforçam; todavia, são as próprias coisas, não os senti­mentos, que devem ser identificadas e usadas na previsão, controle e interpretação. A busca sugere um propósito: agimos para alcançar a felicidade” – Skinner, Sobre o behaviorismo, p. 63

Revisão: Johny Brito (johny.brito@gmail.com)

 

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Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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Cris Goto
7 anos atrás

Muito bom! Estou começando a ler Espinosa e seus textos tem me ajudado a refletir.

Geane Bonfim
7 anos atrás

Maravilhoso Rafael!!!!! Muito obrigada! Grata pelo seu trabalho, blog…

Geane Bonfim
7 anos atrás

O seu blog está nos meus favoritos!!!