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Falávamos em Ressonância: maravilhosa capacidade que temos de soar juntos, de amplificar ideias e valores, intensificar movimento, vibrar em consonância. Pensemos agora em uma câmara, ou caixa, que faz ressoar, uma sala viva que arremessa tudo de um lado para o outro em perpétua reflexão; um lugar onde os limites da emissão se apresentam e começamos a repetir.

Toda onda perde energia a partir de sua emissão, tudo vai perdendo energia ao se afastar da própria fonte. Até que, de reflexão em reflexão, encontra um corpo onde pode ressoar, então se intensifica, se prepara e se lança novamente. É belo o conceito da Ressonância, corpos que vibram numa mesma frequência e se unem consonantes ou se disputam dissonantes, mas vibram.

Quando falamos em Eco, não estamos mais pensando em vibração. Não se trata mais da potência de afecção de uma ideia, mas da sua simples repetição. Trata-se mais da capacidade de reflexão das coisas ao redor de um som, ou seja, de um ambiente. O banheiro de azulejos é a sala de espelhos do som, tudo é refletido. A caverna é replay do som, tudo é repetido.

Nós carregamos uma câmara de eco dentro de nós. Quantas vezes não ficamos presos na incessante circulação de uma mesma ideia, dos mesmos afetos, ressentimentos. São os nossos abismos que se evidenciam aqui. Para entrar em uma longa repetição, basta que atiremos com intensidade suficiente. A formação rochosa e profunda desse lugar é bastante desconhecida, nós não conseguimos descer tão fundo. Mas nós podemos vigiar suas entradas É na porta dessas cavernas que devemos ter o maior cuidado, pois elas são ambientes onde o Eco impera.

Jackson Pollock

E as igrejas que nos habitam? Os coros de Amem em profusão, nos afogando em nossas culpas. Os longos corredores de ajoelhados recitando salmos em direção ao altar. Não, o ambiente da igreja não favorece apenas os lindos e afinados corais. Favorece também os valores cristãos que tanto insistimos em negar. Precisamos fechar as grandes portas de carvalho dessas igrejas que carregamos no peito. Chega de tanto ecoar expiação, má consciência, asceticismo…

O que queremos fazer retornar? Nossos medos e tristezas? Creio que não. Daí a necessidade de uma atividade imensa, de uma postura de atividade que é, antes de tudo, seletiva. Não deixar fazer soar eternamente nossos desassossegos. Não atirar ao abismo o que não queremos fazer ecoar. Às vezes metemos os desagrados nos abismos esperando que elas se calem e elas voltam produzindo mil fantasmas, engrandecidas pelo ambiente, aparecem retorcidas em deformação.

Há ainda um perigo maior. O que jogamos às nossas profundezas pode lá encontrar ressonância e se intensificar em conjunto com todo o ambiente ecoante. Microfonia, feedback, retroalimentação do pior. Nós não escolhemos alimentar nossos demônios, eles é que acham seu alimento dentro de nós. Ao menos, temos a chance de mantê-los longe. Não introjetar o que nos incomoda é a melhor opção. Saibamos colocar para fora. Saibamos colocar limites. Saibamos ser esponja num dia e concreto no outro. Porosidade só quando convier.

Precisamos deixar de ser a caixa de repetição das lógicas impostas. Precisamos deixar de ser afetados por tudo o que jogam por aí, nas ondas de rádio e televisão, nos cultos e reuniões. Todos precisam de um pouco de silêncio. Só assim interrompemos o barulho incessante que invade nossos pensamentos. Quem sabe com um pouco de silêncio, nós consigamos dizer algo.

Aprender a lidar com o Eco é só uma outra maneira de pensar o Eterno Retorno, de saber como o retorno das coisas se apresenta, ora como um plus de potência, ora como impotência e ressentimento. É um passo para além da ressonância, é o caminho para a consistência. Encontrar intensidade se torna mais fácil do que fazê-la durar. Só conseguimos isso cuidando das nossas portas de entradas (ouvidos, pele, boca…) e cultivando um ambiente favorável dentro e fora de nós. Temos o desafio de dar consistência ao que emitimos aos ares e recebemos de volta, sempre de peito aberto. Para começar, vamos abrir as tampas das nossas caixas e deixar dissipar nossos tão conservados ecos…

Texto da Série:

Filosofia em Tom Maior

Rafael Lauro

Autor Rafael Lauro

Um dos criadores do site Razão Inadequada e do podcast Imposturas Filosóficas, onde se produz conteúdo gratuito e independente sobre filosofia desde 2012. É natural de São Paulo e mora na capital. Estudou música na Faculdade Santa Marcelina e filosofia na Universidade de São Paulo. Atualmente, dedica-se à escrita de textos e aulas didáticas sobre filósofos diversos - como Espinosa, Nietzsche, Foucault, Epicuro, Hume, Montaigne, entre outros - e também à escrita de seu primeiro livro autoral sobre a Anarquia Relacional, uma perspectiva filosófica sobre os amores múltiplos e coexistentes.

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Conrado Federici
6 anos atrás

Rafael, o texto precisa de dois retoques ortográficos para ficar excelente: na penúltima linha falta um “s” e na penúltima linha do 4º parágrafo “Mas nós poemos vigiar suas entradas” falta o “d”…