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Deleuze

Vida

Deleuze nasceu no dia 18 de janeiro de 1925 em Paris, França. Seu pai é engenheiro e sua mãe cuidava da casa e dos filhos Deleuze e George, 5 anos mais velho que o irmão caçula.

Durante a Segunda Grande Guerra, Georges, com 19 anos, se engaja na resistência. O final é trágico, preso pelos alemães, ele é morto. A morte nunca foi superada pela família. O filho mais velho se torna mártir. Um ídolo para o irmão, então com 14 anos, que se torna eternamente menor que ele.

Gilles sempre  foi complexado em face de seu irmão Georges. Os pais devotavam um verdadeiro culto ao filho mais velho, e Gilles não os perdoava pela admiração exclusiva por Georges. Ele era o segundo, o medíocre, enquanto George era um herói”

– François Dosse, Gilles Deleuze & Félis Guattari – Biografia Cruzada, p. 82

Durante a infância, Deleuze nunca gostou do conservadorismo e do familismo burguês de sua família e se orgulhava de seu nome simples que significava “De L’yeuse” ( Do carvalho, em português). Além disse, é patente as dificuldades respiratórias de Deleuze desde sua infância. 

O início da Guerra, em 1939, surpreende a família de férias na Normandia, decidem permanecer no interior da França. Deleuze está com 14 anos e começa a se interessar pela literatura francesa através de um professor. Desde suas primeiras aulas de filosofia, ele soube de imediato que era isso que queria fazer. A descoberta do pensamento marcaria para sempre a sua vida.

Após o armistício retornam a paris, onde permanecerá até o fim de seus dias, viajando pouquíssimas vezes. Ainda antes de entrar para a faculdade, Deleuze já lia o grande pensador de seu século, Jean Paul Sartre. Conhecia cada passagem de “O Ser e o Nada”e assiste sempre que poda a suas peças no teatro. O desapontamento só virá depois, quando o Sartre vira moda com seu “O existencialismo é um humanismo”.

Seu amigo de infância, Michel Tournier, o leva pelo caminho da filosofia. Deleuze começa a frequentar grupos (conhece Klossowski, Battaille, Kojéve, Grenier) e muitos dizem em tom de brincadeira e admiração: “Esse será o ‘Novo Sartre’”.

O que mais impressiona é o ar de atualidade que Deleuze dá à filosofia. Uma concepção não acadêmica, prática, dinâmica, viva. Como se ela brotasse dos livros e se encarnasse diretamente nas coisas cotidianas, para serem imediatamente usadas.

Depois de frequentar um curso preparatório, Deleuze entra para a Filosofia na Sorbonne e estuda com grandes personalidades da época: Ferdinand Alquié, Jean Hippolyte Taine, Martial Gueroult, Jean Wahl e  François Châtelet, Georges Canguilhem, Maurice de Gandillac. 

O final dos anos 40 e início dos anos 50 marcam para Deleuze o início de sua carreira como professor secundário no liceu de Amiens, onde lecionará de 1948 a 1952. Ele chegam em Amiens na terça feira de manhã e só volta a Paris na sexta feira, hospedando-se no mesmo hotel onde também está seu amigo Tournier.

A fama de Deleuze é a de ser um um excelente professor! Este é um prestígio do qual Deleuze poderá se orgulhar sua vida toda! Era muito amado pelos alunos! Grande inspirador dos jovens aspiradores à carreira intelectual. Excêntrico, seu método pedagógico consistem em chegar na aula com seu chapéu e unhas compridas Retirar um papel amassado do bolso de seu casaco e desdobrá-lo lentamente. O professor segue com sua aula sem consultar o papel amarrotado nem uma única vez. Suas anotações não são um apoio didático, são a prova da extensa preparação da aula depurada em algumas anotações certeiras.

O tom da aula é de improvisação, mas todos sabem do cuidado meticuloso com que cada passagem foi cuidadosamente preparada. Deleuze dava impressão de estar no mesmo nível que seu público, mas nada poderia estar mais incorreto! Ele nunca era pego desprevenido! Finge perturbação, finge que os pensamentos lhe ocorrem no último minuto, e coloca para si mesmo em voz alta perguntas como quem explora o pensamento de última hora… pouco a pouco as linhas do problema vão ficando cada vez mais claras, as articulações são feitas, e o conteúdo luminoso de sua aula pode brilhar aos olhos de todos! 

Depois de 1955, Deleuze é nomeado para o Liceu Louis-le-Grande, em Paris, onde ficará até 1957. Seu percurso como ótimo professor continua. Naquela época, possui uma espécia de autoridade natural (não autoritária), não respondia a provocações. Nunca perdia a calma. É nesse tempo que conhece a sua esposa, Fanny Grandjuan, com quem permanece casado por toda a sua vida.

É com singularidade que Deleuze se lança em seu próprio trabalho filosófico através da História da Filosofia. Em 1953 sai seu primeiro livro: “Empirismo e Subjetividade”, sobre Hume. Com maestria, ele faz os autores dizerem coisas que não estava em suas obras. Leva o pensamento adiante! Deleuze rompe com as tendências contemporâneas e os autores da moda! Estuda Hume em vez de Hegel, para lançar seu primeiro livro; interessa-se por Bergson em vez de Heidegger ou qualquer outro autor na prateleira dos mais vendidos.

Observaremos esta tendência ao longo de toda a sua vida e nas mais diversas áreas: literatura, na antropologia, na biologia, na política, na linguística, em tudo. Seu objetivo é reabilitar as tradições esquecidas, mostrando suas outras possibilidades de pensamento.

Seu principal campo de interesse, além do campo da filosofia, é a criação artística como meio de fazer pensar diferentemente. Na literatura (com Melville, Lawrence, Fitzgerald, Kafka, Miller, Kerouac), na pintura, no teatro, na música. Para o filósofo, o que conta não é a área do conhecimento, mas se ele afeta, suas relações de velocidade e lentidão.

O filósofo deve antes de tudo se empenhar em restituir a singularidade dos pensadores que o precederam para, uma vez nutrido e mais bem armado com o pensamento de outro, se lançar em um trabalho de criação pessoal”

– François Dosse, Deleuze & Guattari, Biografia Cruzada, p. 97

Depois de seu primeiro livro sobre Hume há uma fase de latência, o filósofo passa um bom tempo sem publicar nada! Por onde ele anda nesse período? Dando aulas! Claro! Ele se torna assistente de história da filosofia em Sorbonne de 1957 a 1960. O hiato de publicações só é quebrado em 1962 com “Nietzsche a Filosofia”, reabilitando o pensador alemão na história do pensamento. É Nietzsche quem força Deleuze numa nova direção. A partir daí começa a lenta transição da história da filosofia para o tornar-se filósofo!

Em 1963 sai “A filosofia Crítica de Kant”, onde Deleuze aprende que se deve aprender a respeitar os inimigos e procurar aprender  com eles. No ano seguinte, “Proust e os Signos”, aventura no campo da literatura. Em 1975, um livro introdutório, encomendado por Chatelet, sobre Nietzsche, o pensador alemão se torna então um modelo do que a filosofia contemporânea deveria ser: artística, criadora, diagnóstica! Logo depois veremos a publicação de “Bergsonismo”, onde Deleuze leva mais uma vez seus filósofos favoritos a falarem uma linguagem ousada e atual. 

No período de 1964 até 1969 Deleuze é professor em Lyon. É nesse período onde se emancipa do peso da história da filosofia. O filósofo começa pouco a pouco a encontrar a sua voz e desenvolver suas próprias temáticas. 

Pós maio de 68, Deleuze entregará sua Tese: “Diferença e Repetição”, talvez um de seus trabalhos mais importantes. Sua tarefa agora é outra: inverter o platonismo, elaborar uma outra ontologia. É também em 1968 que Deleuze deposita sua tese complementar “A ideia de expressão na filosofia de Espinosa”, junto com Bergson e Nietzsche, o filósofo holandês é um de seus grandes mestres! Mas parece ser diferente, pois ocupa para Deleuze o lugar de príncipe dos filósofos, a quem mais se dedicou e estudou!

Depois de ter pago seu tributo à corporação dos filósofos de ofício e ao publicar essas monografias, ao mesmo tempo consolidando a base vitalista em que vai se apoiar, Deleuze passa a difundir suas próprias teses filosóficas, em 1968-1969, falando agora em seu próprio nome aquilo com que está rompido. Afirma, então, sua singularidade de pensamento e de escrita, de estilo”

– François Dosse, Deleuze & Guattari, Biografia Cruzada, p. 127

Guattari

Vida

A vida e obra de Deleuze está indissociavelmente ligada a de Pierre-Félix Guattari, ou “Pedrinho”, como era chamado na infância. Por isso, sentimos que precisamos contar a sua história em paralelo. Ele nasceu em 30 de Abril de 1930, caçula de três irmãos. Sua mãe ama literatura e museus, seu pai tocava piano nas horas vagas, mudava sempre de emprego, começa negócios em toda parte e era viciado em apostas.

Quando criança, Pedrinho sempre foi muito reservado, bem quieto, muito tímido. Não gostava de fazer o que os outros meninos faziam e preferia ficar no seu quarto. Com 9 anos, enquanto estava com seus avós, Guattari encara a difícil experiência da morte de seu avô. Fica extremamente angustiado, tem pesadelos, não consegue dormir. 

Desde então seu comportamento muda muito! “Transforma-se de súbito em um verdadeiro chefe de bando” (François Dosse), a ponto de não conseguir matricular-se na escola do bairro por sua má fama.

“A reconstrução subjetiva e o mergulho no mundo, após as fraturas profissionais dos pais – a necessidade de estar sempre prestas a ‘montar um negócio’ – e a morte espetacular do avô, se realizam assim sob um nome que significa satisfação, felicidade. Essa exigência de satisfação imediata e essa vitalidade excepcional nasceram, portanto, da tomada de consciência precoce da finitude, da presença não fantasmática, mas bem real, da morte” – François Dosse, Deleuze & Guattari, Biografia Cruzada, p. 32

Ele passa a “montar negócios”, assim como o pai, para fugir da morte e encontrar a vida..Entra então para os Albergues da Juventude (onde conhece Fernand Oury, irmão mais velho de Jean Oury) e começa a mergulhar na vida comunitária. Com 22 anos, sentido-se sufocado em casa, muda-se para a casa de sua companheira. 

É cedo que Guattari adquire enorme consciência política de seu tempo! O mundo se torna grande após a Liberação e o fim da guerra em 1945. Guattari quer mergulhar neste mundo de todos os jeitos possíveis. Começa a ler e escrever, torna-se indignado com as questões sociais.

Em sua juventude, entra no curso de farmácia! Mas encontra-se infeliz, insatisfeito com o curso e o rumo que sua vida está levando. Isso o aborrece profundamente, não é este o caminho que quer seguir. Seu pai o aconselha a largar o curso. Se inscreve em Filosofia na Sorbonne, onde é fortemente marcado por Sartre e sua filosofia existencialista pós-guerra.

Guattari se envolve com o movimento trotskista (Movimento Revolucionário da Juventude). A guerra da Argélia o revolta e o motiva mais ainda! Tudo no mundo parece desarranjado e necessita de sua presença. Com vinte anos, o jovem Guattari é um arguto militante político e profundo conhecedor da psicanálise lacaniana! Sendo chamado por alguns amigos simplesmente por “Lacan”. É ele quem difunde os textos da psicanálise pela Sorbonne!

É então que Guattari conhece Jean Oury  psiquiatra jovem e talentoso, recém saído do hospital psiquiátrico Saint-Alban. Oury convida Guattari para participar da experiência que mudaria sua vida: a clínica de La Borde. O lugar é diferente, possui propostas vanguardistas  e é bem diferente de uma clínica tradicional.

“Mundo à parte, o navio labordiano navega no espaço aberto de um vasto parque de 18 hectares em cujo centro desponta o velho castelo de um século que, no início da aventura, abriga o essencial do dispositivo clínico, com seus gabinetes e cozinha, os salões, a enfermaria, a lavanderia e os quartos nos andares superiores. O castelo é ladeado de alguns pavilhões aos quais está ligado. A certa distância, uma estufa, uma horta e, mais adiante, no bosque, um ceetro de quitação, galinheiros, chiqueiros. Ao lado do castelo, um cedro centenário se impõe, até ser abatido mais tarde por uma tempestade, e um pouco mais à frente um grande lago lembra que estamos em Sologne. Nas proximidades, há uma sala de espetáculos que pode receber uma centena de pessoas e uma pequena capela transormada em biblioteca” – François Dosse, Deleuze & Guattari, Biografia Cruzada, p. 44

LaBorde é uma aventura nova e revolucionária. Dentre seus princípios estão o centralismo democrático, que necessita de inúmeras reuniões gerais; a proposta comunista, que procura uma divisão equalitária dos espaços, das atividades, dos salários; e enviesamento claramente anti-burocrático, horizontal, ou melhor: transversal, com horror às hierarquias e chefias. O que ficou conhecido como Psicoterapia Institucional é uma maneira de compreender pela dinâmica psíquica o andamento e funcionamento de uma instituição, esta abordagem foi muito desenvolvida por Guattari em suas atividades labordianas.

Grande parte da história da luta anti-manicomial passa por la Borde! Guattari começa a trabalhar no castelo com 25 anos! Muda-se para lá com sua companheira. Ele é atraído para a aventura intelectual  labordiana. Passa a atuar como organizador e coordenador de grupos. É aqui que Guattari se torna o chefe de inúmeros bandos que se multiplicam nas salas, corredores e espaços da propriedade. 

“Com a instalação de Guattari, LaBorde logo se torna uma ‘máquina bicéfala’. É essa a dupla de amigos que permitirá superar todas as provas e manter o rumo de uma instituição que produz desequilíbrios para enfraquecer suas bases e manter-se receptiva às inovações” – François Dosse, Deleuze & Guattari, Biografia Cruzada, p. 49

Logo chegam incontáveis os invasores, os Bárbaros (como dizia Oury), militantes convidados por Guattari para ajudar nas atividades da casa que cresci rapidamente. Os estudantes, entusiastas, simpatizantes vêm de todos os cantos e com várias histórias diferentes. Mas todos eles têm um único objetivo: ajudar na clínica e aprender mais sobre a vida comunitária, a psicose, a militância de esquerda.

Em 1965, Guattari e outros colegas fundam a Federação de Grupos de Estudos e Pesquisas Institucionais (FGERI) onde se concentra e se difunde o conhecimento da psicologia, psiquiatria, transversalidade e instituições. Além disso, em 1966, Guattari inicia o Boletim de Oposição da Esquerda. O militante-psicanalista alterna sua vida política com a atividade de coordenador da clínica LaBorde e os seminários de Lacan.  

Como se não bastasse seu mergulho nas obras psicanalíticas, Guattari passa a ser analisado de Lacan. Admirador incondicional de seu mestre, Guattari dedica-se à psicanálise e encaminha muitos militantes para fazer análise com Lacan.

Maio de 68

Estoura o movimento de maio de 68Naquele momento, as preocupações destes dois pensadores parecem bem distantes! Como Félix Guattari tem medo de manifestações de rua, não participa das frentes de batalha e enfrentamento da polícia nas barricadas. Apesar da empolgação, ele fica como um peixe fora d’água! No entanto, participa da Ocupação do instituto pedagógico nacional e do Teatro Odeon.

Já Deleuze é um dos poucos professores em Lyon que apoia o movimento estudantil, mas com certeza não é um militante revolucionário. Das poucas manifestações que participou, desmaio ao som das primeiras bombas e, com sua saúde frágil e sua respiração eternamente debilitada, foi sempre amparado por seus amigos (inclusive Foucault).

Em 1968 Deleuze está preparando a defesa de seu doutorado. Além do mais, o médico lhe diz que sua tuberculose voltou, e ele sente-se extremamente cansado e doente. Pouco após os eventos políticos e o retorno da “normalidade”. Deleuze apresenta sua tese no andar térreo, de forma curta, breve, pois os professores têm medo que os alunos invadam a sala e comecem uma baderna.

Após a defesa Deleuze teve de se submeter a uma operação muito delicada, uma toracoplastia. A partir de então, ele possui um único pulmão, o que o condena a perfusões constantes e uma insuficiência respiratória até o fim de seus dias […] É no vazio desse momento de debilitação vital e de afastamento obrigatório que Deleuze encontra Guattari. Sem Maio de 1968, esse encontro não poderia ter ocorrido. O acontecimento de 1968 operou neles algo como uma ‘ruptura instauradora’ […] O Anti-Édipo, se enraíza no movimento de maio: ela tem a marca da efervescência intelectual do período. Comentando a publicação dessa primeira obra comum, Guattari confirma tal ancoragem: ‘maio de 68 foi um abalo para Gilles e para mim, como para tantos outros: não nos conhecíamos, mas esse livro, atualmente, é uma continuação do movimento”

– François Dosse, Deleuze & Guattari, Biografia Cruzada, p. 153

O Encontro

Não colaboramos como duas pessoas. Éramos mais como dois córregos que se juntam para formar ‘um’ terceiro que seríamos nós”

– Deleuze em Entrevista 1991

Estes são Deleuze e Guattari! Cada um com passados diferentes, vindos de universos diferentes! Deleuze, filósofo reconhecido, professor prestigiado, grande autor de obras sobre a história da filosofia e pensador que acaba de encontrar uma voz. Guattari, psicanalista por formação, militante por natureza, administrador de uma clínica psiquiátrica, à procura de uma voz longe das duas instituições que o prendem!

Eles poderiam muito bem não ter se encontrado! Não haveria O Anti-Édipo, Mil Platôs, nada… mas maio de 68 quem possibilitou o encontro!

Como tudo começou? Foi Jean-Pierre Muyard, que trabalhava em LaBorde e era aluno de Deleuze, o grande intermediário. Tanto que, na dedicatória d’O Anti-Édipo encontramos: “Para Jean-Pierre, o verdadeiro culpado, o indutor, o iniciador desta empreitada perniciosa”. Era Muyard quem fazia parte dos dois mundo, tanto a militância de Guattari, quanto as famosas aulas de Deleuze, em Lyon. 

No momento do encontro, Deleuze está em convalescença, como fora atacado pela tuberculose, precisou submeter-se à retirada de metade do pulmão. No momento de debilitação, uma outra ameaça bate à porta de seu abatimento: o alcoolismo. 

Só podemos concluir que o encontro será essencial para um e para o outro! Ele ocorre próximo à LaBorde (Deleuze se sentia desconfortável com os pacientes psiquiátrico), em 19 de agosto de 1969

A coisa funcionou muito bem! O mediador permanece um tempo para ver a reação dos reagentes, mas então se retira, havia dado certo! Guattari se abre: não consegue escrever uma obra, não consegue se organizar. O principal alvo já estava certo: triangulação edipiana e reducionismo da psicanálise, seus limites intransponíveis dentro da instituição. Já Deleuze chega com grande admiração pelo psicanalista-militante, sua ousadia, seu desenfreado movimento em busca de novos conceitos, que façam jus ao movimento de maio de 68, coisa que ele próprio não estava conseguindo fazer!.

Mas fica a pergunta “Quando se deve escrever um livro? Pergunta que Deleuze mesmo responde:

Quando se deve escrever um livro? 1. Quando se acredita que os livros sobre o mesmo tema ou sobre um tema próximo incorrem em uma espécie de erro global (função polêmica do livro; 2. Quando se acredita que algo de essencial foi esquecido sobre o tem (função inventiva); 3. Quando se julga capaz de criar um novo conceito (função criadora)”

– François Dosse, Deleuze & Guattari, Biografia Cruzada, p. 100

Pois bem! É exatamente isso que Deleuze e Guattari querem fazer! Eles acreditam que é necessário escrever o Anti-Édipo porque se cometeu um erro global na interpretação do desejo! Desejo como falta? Não! Isso é um absurdo! Desejo é excesso que transborda. Não é fantasma de um passado perdido, é futuro que se cria. Os autores acreditam que algo de essencial foi esquecido: o funcionamento do desejo, o funcionamento das máquinas inconscientes, suas ligações, disjunções, conjunções. Ambos também possuem a firme convicção de quem novos conceitos são necessários para novos tempo: Corpo sem Órgãos, Máquinas Desejantes, Inconsciente Maquínico, Molar e Molecular, Grupo Sujeitado e Sujeito. Reatulizações de conceitos como Estado, Capitalismo. Novas personagens como o Esquizo.

Quem escreveu este livro? É quase impossível dizer! Os dois caracterizaram a sua escrita como uma obra de piano para quatro mãos. Ou seja, só funciona com os dois. Não pode ser apenas um nem apenas o outro. É o que o próprio livro define como uma Síntese Disjuntiva inclusa. Não é um ou o outro. Mas pode ser um ou o outro. Unidade múltipla. 

A técnica de confecção foi a seguinte: Deleuze pede a Guattari que lhe escreva todos os dias, tudo que lhe vier à cabeça. Simplesmente destrave as resistências e se coloque em ação. Logo depois, é imprerioso que lhe mande tudo sem reler! Quer um material cru, fresco, sem nenhuma censura!

Deleuze recebia o material recém saído do forno e trabalhava em cima dele. Muitas vezes trabalhando como um ourives, talhando os diamentes que Guattari descobria dentro de suas cavernas intelectuais. Em seguida, os dois se encontravam pelo menos uma vez por semana para tratar sobre os assuntos, discuti-los remodelá-los ou descartá-lo se necessário. Sempre longe de LaBorde, claro, já que Deleuze não tinha medo dos pacientes de La Borde.

Deleuze & Guattari funcionam não pela osmose, mas pelo contraste, cada um puxa do outro suas diferenças, suas próprias redes de relações. Enquanto Deleuze volta de grandes mergulhos da história da filosofia, Guattari participa de manifestações e petições. Enquanto Guattari ama seus esquizofrênicos e suas reuniões infinitas, Deleuze ama o conforto de sua casa e seus autores na estante.

Somos muito diferentes um do outro, de modo que os ritmos de adoção de um tema ou de um conceito são diferentes. Mas há também, é claro, uma complementaridade. Quanto a mim, sou mais propenso a operações aventureiras, de ‘comando conceitual’, digamos, de inserção em territórios estrangeiros. Já Gilles possui armas pesadas filosóficas, toda uma intendência bibliográfica”

– Guattari em Entrevista 1991

Havia, acima de tudo, respeito e admiração mútuas. Ambos olhavam para o outro e sentiam-se honrados pela chance de trabalho conjunto. Durante toda esta trajetória, tratavam-se por Senhor, e sempre trabalharam para respeitarem e preservarem as suas diferenças.

“Há entre nós uma verdadeira política dissensual, não um culto, mas uma cultura de heterogeneidade, e que fez com que cada um de nós reconhecesse e aceitasse a singularidade do outro… se fazemos alguma coisa juntos é porque isso funciona, e porque somos levados por algo que está além de nós” – Guattari , em entrevista 1991

Ambos estavam orgulhosos de poderem trabalhar um com o outro. Sentiam que algo de muito poderoso sairia desse encontro. Sabiam que as diferenças se complementavam e tornavam a mistura perigosa! Tinha confiança enorme um no outro. Não havia inveja, não havia intimidação, não havia vergonha. Apenas a necessidade extrema de se dizer algo, de fazer um grande livro acontecimento. A qualidade do livro decorre disso: os dois queriam embarcar juntos em uma aventura!

É importante notar como o livro nasce de uma troca, de um trabalho de produção e cultivo. Não se trata de uma discussão para ver quem estava mais certo ou quem possuía as melhores ideias. A diferença de personalidade é o cerne da produção deste livro: duas galáxias que se encontram e produzem novas estrelas. Em agosto de 1971 ocorrem as últimas sessões de finalização do Anti-Édipo.

Lacan fica sabendo que um de seus mais fiéis seguidores está envolvido em um projeto de psicanálise com Deleuze, e fica preocupado.Chama Guattari para almoçar em um restaurante chique, pede que Guattari conte o que está acontecendo, Guattari se nega a dizer qualquer palavra justificando que não sabe se Deleuze ficará à vontade. Lacan se propõe a ajudar, é tentador, tudo que Guattari sempre sonhara em ouvir, mas é tarde demais… uma linha de fuga já foi lançada em outra direção. É hora de se separar. 

O livro se finaliza em 31 de dezembro! “Ah, quanta delicadeza das coisas que nosso livro termine em um 31 de dezembro, a fim de fixar bem que os fins são começos. Esse trabalho está muito bonito, marcado por sua força criadora de sua parte, e por meu esforço inventivo e oleoso” – Deleuze, carta a Guattari

Após 68

Depois de todo o estardalhaço do lançamento do livro, cada autor reage de modo diferente. Guattari sai muito cansado, sente-se perdido, fora de si, angustiado. Ocorre como que uma Depressão Pós-Publicação, “poderia ter tido caminhos diferentes, poderia ter sido melhor”. Mas jamais se arrependerá desse ousado passo em sua carreira, nem nunca negará os frutos dessa empreitada intelectual.

Já Deleuze sente-se imediatamente contente, sente que conquistou um um objetivo: escrever um novo tipo de livro, de natureza experimental. O que não impede de rever a sua posição com a passagem do tempo. 

“Oito anos após a publicação de O Anti-Édipo, Deleuze vê esse acontecimento editorial como um fracasso. Maior de 68 e seus sonhos se afastam do horizonte. Ficou um gosto amargo para aqueles que se deixaram transportar pela esperança e agora se agarram às sobras do conservadorismo”” – François Dosse, Deleuze & Guattari, Biografia Cruzada, p. 183

O período pós-maio de 68 foi de busca por novos movimentos, uma efervescência de novas subjetividades, Deleuze e Guattari vêm pouco a pouco isso sumir no horizonte. Cada um busca seus meios de escapar da codificação.

Em 1975, ambos lançam “Kafka, por uma literatura menor”, saindo do campo da política e mergulhando no campo da literatura! Nesta época, Guattari apaixona-se pela obra kafkiana e inclusive organiza um grande evento para o autor.

Neste meio tempo, Deleuze e Guattari passam da postura agressiva, crítica e denunciativa, do Anti-Édipo, para uma postura mais afirmativa e criadora que culmina no Mil-Platôs, segundo tomo do Capitalismo e Esquizofrenia, Lançado em 1980;

A riqueza e a originalidade ainda não foram completamente exploradas. A fase polêmica fazia um barulho que a leveza do segundo tomo não possuía, o que o fez passar quase desapercebido! A parte propositiva, que talvez seja a mais importante, não exerce o mesmo fascínio que as trombetas da crítica.

Mais uma vez Deleuze e Guattari subvertem o paradigma intelectual, pois Mil Platôs troca a lógica histórica do tempo pela lógica geológica dos espaços. Cada platô é ao mesmo tempo um problema, um acontecimento e um conceito para dar conta dele! São ferramentas conceituas numa caixa livro que oferecem a possibilidade de mudar a nossa relação com o mundo. Deixou-se a terra para trás, só existe mar de agora em diante! Espaços lisos!

“Depois de terem rompido as rigidezes da instituição familiar com O Anti-Édipo, Deleuze e Guattari tomam os caminhos não traçados, as linhas de fuga, os percursos nômades para explorar tudo o que possa revelar diferenças e conexões inéditas” – François Dosse, Deleuze & Guattari, Biografia Cruzada, p. 209

Mil platôs marca o fim de uma longa aventura! Depois dele, Deleuze e Guattari não voltarão a escrever juntos. 

“Depois disso, Félix e eu precisávamos voltar a trabalhar cada um do seu lado, para recuperar o fôlego. Mas estou convencido de uma coisa, vamos trabalhar juntos de novo” – Deleuze, 1984 em Carta a Kunichi Uno

É o momento onde os dois rios se separam e voltam a trilhar seus próprios caminhos. Há um momento de afastamento, onde as coisas esfriam um pouco, mas nunca houve um rompimento. Era preciso, para Deleuze se desguattarizar e para Guattari, se desdeleuziar.

Mas, pela lógica dos devires, os dois nunca mais seriam os mesmos!

Última obra assinada conjuntamente foi publicada em 1991: “O que é a filosofia?”

“O estatuto geral desse livro é ambivalente: está ligado a um projeto muito pessoal de Deleuze, uma espécie de coroamento de sua vida de filósofo, e foi manifestamente escrito por ele e apenas ele. Ao mesmo tempo, pode-se considerar que a decisão tomada por Deleuze de aceitar assiná-lo junto com Guattari não é apenas uma prova de amizade excepcionalmente intensa, mas uma maneira de mostrar que as teses ali desenvolvidas, a língua em que elas são enunciadas fazem parte desse trabalho de elaboração comum empreendido desde 1969. O livro de 1991 coroa esse trabalho comum que terá durado vinte anos: nesse aspecto, a dupla assinatura não foi usurpada e faz justiça ao agenciamento que o tornou possível” – François Dosse, Deleuze & Guattari, Biografia Cruzada, p. 372

Sim, Deleuze escreveu “o que é a Filosofia” sozinho! Mas a co-autoria não chega a ser um problema. Afinal, não havia mais Deleuze sem Guattari, ele havia sido profundamente modificado pela parceria. Podemos também argumentar que a amizade contou muito, afinal, Guattari não estava bem. Se a tendência geral sempre foi excluir Guattari mesmo do livros que ele escreveu, então o contrário também deve ser possível, e incluí-lo em um livro que ele não escreveu!

A vida continua mais ou menos a mesma, Guattari em La Borde, Deleuze dando aulas.

Deleuze

“No fim de 1969 – o ano decisivo de seu encontro com Guattari -, Deleuze foi nomeado professor titular no departamento de filosofia da nova universidade experimental de Vincennes, criado no outono de 1968. Deleuze assume o lugar de Michel Serres, que está deixando o campus. Se Deleuze atravessou Maio de 68 na periferia do movimento, em Lyon, a partir do ano letivo de 1970 e 1971, ele mergulha no centro do ‘reator’” – François Dosse, Deleuze & Guattari, Biografia Cruzada, p. 284

Vincennes era um caldeirão intelectual, político, artístico de Paris! O irmão revoltado da Sorbonne! Ou melhor, uma espécie de Anti-Sorbonne. Algo em nada parecido com as outras universidades. Um lugar que os mais contestadores encontraram para chamar de seu, o refúgio de Vincennes para o refluxo de maio de 68.

Foi Foucault quem o convidou para participar do corpo docente. Mas logo em seguida, ele deixará Vincennes para dar aulas no Colége de France. A multidisciplinaridade marcará desde o primeiro dia a Universidade Experimental e Deleuze será uma prova disso!

Os estudantes logo quebram as paredes para ver se a polícia tinha instalado microfones para espioná-los. Havia inúmeros conflitos em todas as áreas. O clima é ao mesmo tempo festivo e tenso. Deleuze recebe inúmeros alunos dos mais diversos lugares do campus e do mundo. Várias vezes foi interpelado, questionado, desafiado, mas ele gostava deste clima e sempre respeitava seu opositor e as intervenções em sala de aula.

“As pessoas se expremem para ouvi-lo na pequena sala onde dá sua aula de terça-feira, recusando-se terminantemente a falar em um anfiteatro. Tendo chegado a Vincennes no outono de 1970, Deleuze só sairá ao se aposentar, no final de 1986, início de 1987. Ele ficou imediantamente seduzido pelo público heterogêneo de Vincennes, que convém magnificamente a um ensino que pretende ultrapassar o corpus clássico da filosofia para se abrir às ciências e às artes” – François Dosse, Deleuze & Guattari, Biografia Cruzada, p. 286

Vincennes será sobretudo o lugar onde a fama de Deleuze como professor se marcará para sempre! Lá ele concretiza seu talento inquestionável como excepcional professor e inspirador. Ele atribui enorme importância às suas aulas de terça-feira! Raramente as desmarcando (a não ser por motivos de saúde). O essencial da semana do professor Deleuze gira em torno destas aulas de terça feira.

Ele trabalhava desde domingo de manhã, às vezes sábado. Se preparava como quem iria correr uma maratona. Era sobretudo uma prova de resistência. Deleuze, de fôlego curto, ganhava pela insistência, não pelas curtas distâncias percorridas em um fôlego. 

Foi nessa época que Zourabishvili, Lapoujade e Roudinesco, estudaram com ele. 

A inventividade de Deleuze não se deixa contar no campo da Filosofia, el 1981, ele começa a pensar o cinema a partir da perspectiva de Bergson. Seus últimos cursos foram sobre Leibniz. E se aposentou em 1987.

Guattari 

Em 1977, a Itália vive uma crise política sem precedentes! Explode um aplo movimento de contestação nos mais diversos campos, principalmente no proletário organizado em vários sindicatos e movimentos autônomos. A extrema esquerda italiana encontra no Anti-Édipo uma linguagem nova! Uma ferramenta teórica de luta!

Guattari vai pra lá e é ovacionado! Muito admirado! Lá ele vê movimentos de reivindicação de autonomia operária, Universidades Ocupadas. É nessa época que Toni Negri é preso e foge para a França. Ele procura a ajuda de Guattari, vive com o passaporte de seu irmão. Assiste às aulas de Deleuze.

Enquanto isso, Guattari se envolve com as rádios piratas (na Itália e na França), e, em 1980, com a Ecologia, que procura uma transformação profunda da sociedade através da ecologia mental, social e ambiental.

“Em meados dos anos 1980, o chão parece fugir aos pés do incansável Guattari, sempre perseguindo novas ideias. Uma série de acontecimentos afunda aquele que parecia insubmergível. Entretanto, ele continua a dissimular em público, a responder às solicitações crescentes, mas o círculo de amigos, que sabe que a energia se esgotou, tenta desesperadamente tirá-lo de seu mergulho na depressão!” – François Dosse, Deleuze & Guattari, Biografia Cruzada, p. 345

Há vários motivos para isso. O pesador da desterritorialização se vê desterritorializado: Perde a locação da propriedade que alugava perto de La Borde e de seu apartamento em Paris. Sua mãe morre, fazendo retornar a angústia que sentiu quando criança. Essas perdas se somam ao clima político. São os anos de inverno: Racismo, Xenofobismo, todos os tipos reacionários que se encarnam na figura deplorável de Jean-Marie Le Pen, Margaret Tatcher, Ronald Reagan e outros.

A luta parece mais do que Guattari consegue suportar. O número de decepções e desilusões aumenta. O Guattari cheio de energia, insaciável, chefe do bando, se recolhe. Passa dias deitado em seu sofá em estado catatônico, vendo televisão, se alienando. Absorvendo passivamente o conteúdo grotesco dos programas mais estúpidos. Seus problemas de saúde aumentam, sua alimentação não é boa, ele sofre crises dolorosas de cólica renal. Passa a se automedicar com frequência cada vez maior, enchendo suas valises de remédios para aliviar suas dores. 

Mas, aos olhos de todos, ele nada demonstra. Finge que está tudo bem e, mesmo nestas condições psicológicas, vai para o Japão e para o Brasil várias vezes! Em 1992 é lançado Caosmose, um de seus livros mais claros e abrangentes. Ele sempre está ligado nos modos de subjetivação. Procurando novas estratégias de enfrentamento! 

No dia 28 de agosto, Guattari está em La Borde, participando de mais uma das inúmeras reuniões Gerais. Ele sai por uma porta lateral, diz que está cansado, e vai se deitar. Na manhã do dia 29 de agosto de 1992, Guattari é encontrado morto em seu escritório, em La Borde.

Inúmeras homenagens lhe são prestadas! Mas infelizmente, seu grande amigo não pode comparecer. Deleuze está preso a balões de oxigênio e não pode deixar a sua casa.

Deleuze

Deleuze está muito doente! Um câncer no pulmão reduz sua capacidade respiratória a um terço de sua capacidade. Em 1995 ele respira apenas com a ajuda de aparelhos de oxigênio. Passa pelo mesmo que seu amigo François Chatelêt passou anos antes quando viveu um verdadeiro calvário. A doença pulmonar o deixara acamado, da mesma maneira que Deleuze agora, mas este não quer seguir o mesmo caminho de seu antigo amigo.. Na época disse a Chatelet: 

“‘Enquanto você puder segurar uma caneta, você ainda pode viver’. É o filósofo pedindo ao outro filósofo para continuar. Isso significa que enquanto você pode fazer filosofia, é preciso viver” – François Dosse, Deleuze & Guattari, Biografia Cruzada, p. 289

Pois bem. No dia 4 de novembro de 1995, Deleuze, o filósofo que tanto falou e filosofou sobre a vida, tira a sua própria vida jogando-se da janela de seu apartamento em Paris. O filósofo que colocou a vida em movimento! O filósofo que queria, a qualquer custo viver, se suicida por sede de vida! Pouco antes de morrer ele lança “Imanência: uma vida” .. de valor testamentário. Deleuze fala da força impessoal da vida, ela quer seguir, e ela segue, independente de nossas vontades e desejos. 

Roger Pol-Droit, um filósofo que escreve artigos para o Le Monde carcteriza Deleuze da seguinte maneira:

  • Um Filósofo Clássico: um professor de filosofia com profundo conhecimento do seu campo
  • Um Criador de Conceitos: insaciável na sua função de criar conceitos para resolver problemas
  • Um Experimentador: mergulhando nos mais diversos campos e se deixando ser afetado diferentemente por eles

É isso que torna o pensamento deleuziano uma experiência de vida, mais do que de razão. Após suas morte, a partir dos anos 90, inúmeros colóquios foram realizados ao redor do mundo: Estados Unidos, México, Brasil, Japão, Chile, Itália.

Tradutores e divulgadores como Eric Aliez, Brian Massumi, François Zourabichvilli, Kunichi Uno Michael Hardt, Antonio Negri. David Lapoujade, Maurizio Lazaratto, Bruno Latour, Isabelle Stenghers trabalharam para levar e reinventar a sua obra. No Brasil nós temos Peter Pal-Pelbart, Suely Rolnik, Roberto Machado, Luiz Orlandi, Claudio Ulpiano, Viveiros de Castro, como grandes divulgadores de sua obra

Guia de Leitura

Taí um autor que não é fácil de ler! Não se assuste se tudo parecer confuso e desconexo em um primeiro momento. A ideia é essa! Um pensamento que violenta, que faz sair do lugar comum, que obriga a ir contra o hábito! Mas ao mesmo tempo, não gostamos de pensar que um autor escreveu para não ser entendido, então queremos dar algumas dicas de leitura.

A primeira coisa que precisamos dizer é que Deleuze escreveu muito e sobre muitos assuntos. O mais importante talvez seja saber de quais filósofos ele parte. Sem compreender um pouco a obra destes pensadores, a filosofia de Deleuze se torna ainda mais incompreensível e obscura. Nietzsche, Espinosa e Bergson são seus principais aliados e o mínimo de conhecimento dos seus conceitos é necessário. Também indicamos Hume, Kant, Foucault e a psicanálise como vantajosos nesta empreitada.

Para conhecer Gilles Deleuze, sua vida, nossa melhor indicação é a Biografia Cruzada de Deleuze e Guattari, escrita por François Dosse. Como os dois pensadores incluenciaram muito a vida um do outro, nada melhor que uma biografia que mostre este encontro em detalhes! O livro é rico nas relações entre a vida e a filosofia e traz também questões históricas importantes que impactaram o pensamento dos autores.

Comentadores


Nossa mais preciosa indicação é Michael Hardt – Deleuze, um aprendizado em Filosofia. Hardt é um especialista em Deleuze, capaz de encontrar nas raízes de seu pensamento (Bergson, Nietzsche, Espinosa) o percurso que faz sua filosofia e onde ela desemboca. Sua escrita é clara e bem orientada. É difícil nos perdermos em sua leitura e fácil de associar as várias referências que ele traz.

Claudio Ulpiano – Deleuze, A Grande Aventura do Pensamento. Ulpinano é um dos maiores filósofos brasileiros e também um grande professor. Carioca, teve aulas com Deleuze e lecionou no início dos anos 80. Este livro trata-se de uma introdução à filosofia de Deleuze e seus principais conceitos. Ulpiano é um mestre da fala, suas aulas gravadas estão disponíveis são de límpido envolvimento e entusiasmo.

Dicionário Deleuze – Francois Zourabichvili. Bom livro de consultas quando as coisas estão um pouco mais difíceis em outros livros. Zourabichvili é um grande estudioso de Deleuze e este livro é capaz de tirar as muitas dúvidas aparecem quando lemos a obra do filósofo. No meio do caminho havia uma pedra… com este dicionário o caminho se torna menos tortuoso.

Ninguém vive de comentadores! Então, vamos ao autor:

Livros do Autor:


Ok, primeiro passo? O Abecedário! Esta entrevista dada por Deleuze a uma de suas alunas Claire Parnet é uma ótima introdução. Deleuze está calmo, sentado em sua cadeira, disposta a falar de maneira lenta e objetiva. Por quê? Deleuze odiava dar entrevistas, mas houve um acordo entre ele e Parnet de que a gravação só seria disponibilizada depois da morte do filósofo. Cada letra é dedicada a uma palavra, onde Deleuze se põe a falar com gosto. D, por exemplo, é para desejo, P é de Professor, e assim vai…

Introduções:


Espinosa, filosofia prática: A leitura deleuziana nunca é fidedigna, o filósofo francês não é um comentador honrado e íntegro. Pelo contrário, Deleuze faz a voz dos filósofos ressoarem com a sua. Mas é exatamente isso que os torna ainda mais interessantes! No caso de Espinosa, Filosofia prática, Deleuze expões conceitos de Espinosa de maneira direta, abrindo um mapa onde podemos explorar! É uma ótima indicação para adentrar na filosofia do holandês mas também para habituar-se ao pensamento de Deleuze. (para os mais iniciados, deleuze escreveu também “Espinosa e o problema da Expressão”, ótimo livro)

Nietzsche: Obra curta, direta, objetiva, poderosa. Deleuze expõe a sua compreensão da filosofia de Nietzsche, falando de sua biografia, suas fases e seus mais variados conceitos. Como dissemos, há sempre uma mistura entre o que o filósofo disse e o que Deleuze o faz dizer. É como se desta junção nascesse um filho monstruoso e irreconhecível, que fala em múltiplas vozes e nos ajudar a pensar de outra maneira. (para os mais iniciados, Deleuze escreveu outro livros chamado “Nietzsche e a Filosofia”, um pouco mais difícil, onde há um embate do pensador alemão com o Niilismo, a metafísica e a dielética)

Livros iniciais:


Muito bem, depois desta pequena introdução é bem possível caminhar por outras obras do pensador francês. Quais são os nossos xodós neste quesito? Anti-Édipo e Mil Platôs, sim, ambos escritos com Guattari e com o subtítulo “Capitalismo e Esquizofrenia”:

Anti-Édipo é um livro trovão, um livro raio, um livro bomba. Escrito em 72, após o calor dos acontecimentos de maio de 68, este livro é um curto circuito em nosso modo de pensar. Com linguagem agressiva e desnorteante, Deleuze e Guattari desmontam o aparelho psicanalítico, montado e mantido pelo capitalismo, e nos mostram as vertigens do pensamento não colonizado. Novas veredas se abrem, o barco navega em águas novas. A tarefa da psicanálise é encontrar o funcionamento das máquinas desejantes. O livro iconoclasta, ferramenta de criação de novos modos de vida.

Depois do anti-Édipo é lançado em 1980 os Mil Platôs, a continuação que não é bem uma continuação. Depois da destruição, depois de queimar velhos ídolos, é hora de fazer algo novo. Deleuze define a tarefa do filósofo como crição de conceitos. Este livro é o prefeito exemplo disso. São quinze conceitos saídos do forno que nos permitem uma nova maneira de pensar, olhar e agir no mundo.

Para os interessados na esquizoanálise, indicamos o livro de Gregório Baremblitt, “Introdução à Esquizoanálise”

Outro livro de grande valor é um dos últimos escritos do filósofo: “O que é a Filosofia?“. Esta obra é de uma beleza inigualável. Deleuze se pergunta, já no fim de sua vida o que foi este ofício que exerceu durante toda a sua vida. A procura por estas respostas o faz definir o que é a filosofia juntamente com a arte e a ciência. Emocionante…

Livros avançados


Lógica do Sentido – este livro não é para amadores. Utilizando o autor de literatura Lewis Carrol e o pensamento estoico, Deleuze retoma o tema filosófico do sentido. Não é um livro fácil porque exige conhecimento tanto de Deleuze quanto de vários outros autores da filosofia.

Diferença e Repetição – Trata-se de uma das primeiras obras de Deleuze, e podemos dizer também que Diferença e Repetição é provavelmente sua principal contribuição para a filosofia. Não é de surpreender então que seja a mais difícil, pois é onde o autor francês leva o pensamento mais longe. Nele o pensador se pergunta qual a relação íntima que existe entre a repetição, aquilo que se repete sempre igual e a diferença, aquilo que difere, torna-se outro. É nesta obra que Deleuze dá seus passos iniciais para destruir uma certa “imagem do pensamento” que nos impede exatamente de pensar. Ao seguir outro caminho, a filosofia se abre para o novo, a multiplicidade, a diferença, deixando para trás as carcaças da imagem e da semelhança.