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Stirner

Vida

Johan Caspar Schmidt nasceu em 1806 em Beyreuth, filho de um fabricante de flautas. De família pobre, seu pai morreu quando ainda era bem novo o segundo casamento de sua mãe os fizeram viajar durante algum tempo pelo norte da Alemanha.

Com vinte anos, Johan entra para a faculdade de filosofia, em Berlim. Na época, assistiu às aulas de Hegel, e o idealismo alemão prevalecia. Outro mestre seu, que muito o influenciou foi Feuerbach. Por dificuldades de saúde de sua mãe, Stirner é obrigado a largar o curso várias vezes. Consegue concluir a graduação em 1835, mas não conquista nenhuma vaga como professor de filosofia.

Em 1837, casa-se pela primeira vez, mas a mulher viria a morrer no parto meses depois. Então torna-se professor, em Berlim, na escola privada “Instituição educativa de senhoritas de boa disposição”. Johan vive então uma vida simples, correta, sóbria e quase sem necessidades. É por essa época que começa a frequentar o “Clube dos Doutores”, que daria origem ao círculo berlinense dos “Livres”.

Era na Hippel’s Weinstube, localizada em uma das ruas mais movimentadas de Berlim, o local onde os jovens hegelianos se reuniam para beber uma boa cerveja e discutir os mais variados assuntos: política, teologia, socialismo. Boêmios e iconoclastas, poucos podiam resistir às críticas dos hegelianos de esquerda. Stirner, homem de maneiras suaves, frequentou por dez anos os Livres, mas estava sempre no canto, fumando seu charuto, com um sorriso irônico, e um olhar penetrante por trás dos óculos com armação de aço.

Forte e concentrado em si, o modo reservado de Stirner nos impede de dar muitos detalhes de sua vida. Mas foi em 1843, com 37 anos, que Johan Caspar Schmidt atinge o apogeu de sua vida. Casa-se com Marie Danhardt, uma jovem loira, afável, tão sonhadora quanto ele e possuidora de uma certa riqueza, a cerimônia aconteceu no apartamento de Stirner e foi tipicamente boêmia, com a noiva chegando em trajes comuns.

Um ano depois lança sua obra principal: “O Único e a sua Propriedade” com o pseudônimo de Max Stirner. O contraste entre o homem e a obra parecem dar conta de um autêntico Devir-Escritor. O livro é proibido imediatamente e apreendido por ordem do ministro do Interior. De ascensão meteórica, tudo acaba tão rapidamente quanto começou. Depois do sucesso extremamente passageiro, o livro só voltou a chamar atenção como obra antecessora dos escritos de Nietzsche. Como consequência, o anarquista é demitido de seu emprego. Começa então a trabalhar com traduções de economistas e outros pensadores para sobreviver.

Ele e a mulher tentam montar uma leiteira em Berlim, mas, ambos inexperientes, deixaram o dote da mulher lhes escapar pelas mãos. Vivendo um casamento infeliz, sua mulher o deixa, indo para a Inglaterra e depois para a Austrália. Stirner fazia muitas dívidas, aos poucos foi mergulhando na pobreza, dormia em quartos baratos, se alimentava frugalmente. Mesmo depois do fracasso de seu livro, o autor continuou a escrever. Agenciava negócios entre pequenos comerciantes e continuava trabalhando com traduções.

Stirner não tinha dinheiro não pagar seus credores. Não era mais visto por mais ninguém, não se ouvia falar dele, nem de nenhuma publicação, nenhuma notícia, nem cartas, nada. Em 1853 é preso, pela segunda vez, por não pagar suas dívidas. A situação melhora um pouco apenas depois da morte de sua mãe, quando recebe uma uma pequena herança. Passa a viver como locatário na casa de uma senhoria, onde encontra um pouco de paz e tranquilidade para seus anos finais.

Stirner morreu em 25 de junho de 1856, devido a infecção da picada de uma mosca envenenada, poucas pessoas comparecem ao funeral.

“Os homens do futuro lutarão ainda por muitas liberdades de que nem sentimos falta” – Max Stirner, O Único e Sua Propriedade

Uma coisa sou eu, outras são meus escritos” – Nietzsche, Ecce Homo, por que escrevo livros tão bons, §1

Obra

Stirner não foi um grande nome no anarquismo, nem na política, nem na filosofia. Não pode ser comparado com Kropotkin, Bakunin ou Marx… mas sua história e seus escritos são, com o perdão do trocadilho, únicos.  Em sua principal obra, “O Único e a sua Propriedade”, vemos emergir um homem de vitalidade incomparável! Podemos fazer novamente das palavras de Nietzsche as de Stirner, pois suas ideias são como uma bomba, capaz de tirar qualquer um de seu sossego teórico.

Em “O Único e a sua Propriedade”, Stirner:

…se dedica a abalar todos os pilares sobre os quais o homem de nosso tempo edificou sua morada de membro da Sociedade: Deus, Estado, Igreja, religião, causa, moral, moralidade, liberdade, justiça, bem público, abnegação, devotamento, lei, direito divino, direito do povo, piedade, honra, patriotismo, justiça, hierarquia, verdade, em resumo, os ideias de toda espécie” – Émile Armand, Max Stirner e o anarquismo individualista, p. 85

Há, em toda a obra, um vigor indisciplinado, agressivo. Ele é escrito em um tom apaixonado e claramente anti-intelectual. Stirner parte de Hegel, ou melhor, do pensamento da esquerda hegeliana, para chegar na completa negação de todos os absolutos e instituições. Seu objetivo é destruir toda doutrina moral, política e filosófica para colocar em seu lugar o Único. O Eu-proprietário, como aboslutamente Egoísta, definido como uma singularidade própria, o Único como diferença pura!

Para isso, Stirner não poupa tanto liberais quanto os socialistas… ele é anarquista até mesmo dentro do anarquismo! Suas ideias vêm carregadas de força, uma brutalidade quase física. Que os fracos de espírito (ou da cabeça) confundirão suas ideias, disso não temos dúvida. Por isso a necessidade de trabalhar seu pensamento aqui, juntamente com outros filósofos essenciais. Que seja possível fazer nossas palavras chegarem aos ouvidos de quem precisa ouvir o que é uma verdadeiro anarquista!

Stirner critica o caráter autoritário e antindividualista da sociedade. Com relação ao autoritarismo, já sabemos bem e não precisamos nos alongar, mas com relação ao antindividualismo a coisa se torna um pouco mais complexa. Outras correntes anarquistas criticam exatamente o individualismo moderno, como pode então Stirner dizer o contrário? Uma coisa é dizer que estamos mais isolados, e por isso mais fracos, mas nem por isso somo mais individualistas, porque os valores são todos os mesmos, lutamos pelas mesmas coisas, desejamos as mesmas coisas, temos os mesmos medos.

Primeiro mal entendido: o egoísmo de Stirner não é um solipsismo fechado ao mundo, muito pelo contrário, o Único se abre ao mundo para torná-lo sua propriedade, para submetê-lo às suas forças. O Egoísmo é aberto às forças que o atravessam apenas enquanto egoísta. Por isso o Único não nega a multiplicidade nem em si mesmo, nem nos outros. Há uma diferença enorme entre o egoísmo de Stirner, crítico do Estado e da moral burguesa, e o egoísmo acomodado e alienado dos tempos de hoje.

Segundo mal entendido: nenhum anarquista, seja Bakunin, Kropotkin, cairá nesta ladainha de “guerra de todos contra todos”. Stirner também não. O que existe aqui é uma aposta não no homem, mas no egoísta, que é único e singular. Existe uma guerra, claro, tensões, lutas, mas existe também associações, tréguas, alianças. Claro, o Único se interessa por tudo aquilo que pode vir a ser sua propriedade, por isso ele está tão longe dos projetos libertários baseados na solidariedade ou na compaixão, mas ele sabe também que para sua empreitada precisará sempre de outras pessoas.

Stirner acredita em associações egoístas. Ele acredita que o homem pode se relacionar diretamente sem precisar ser contido por leis ou mandamentos divinos. Depois de queimar as bíblias, não sairemos por aí matando pessoas. Essa é a ilusão que o impotente tem do potente. Nós nos associamos e nos ajudamos mutuamente muito mais do que nos destruímos. E Stirner aposta que o Único age da mesma maneira, mas levando em conta apenas a sua singularidade.

Para fins exclusivamente didáticos, poderíamos dizer: “O Além-do-Homem e sua Vontade de Potência“, ou também “O Conatus e seus Afetos Ativos“. Mas, como dissemos, isso nos serve exclusivamente como primeiro passo para embarcar no pensamento deste autor tão subversivo quanto desconhecido. As analogias são sempre limitadas e “O Único e a sua Propriedade” é, com o perdão da repetição, único.