Toda ética é uma busca despudorada por medidas. Não podemos ter vergonha de buscar uma proporção para uma maneira singular de existir. O embaraço de um novo modo de agir, o encabulado florescer de uma nova ideia, o primeiro passo trôpego de uma nova maneira de se mover pelo mundo – o começo, mesmo que constrangido, mesmo que tímido, apresenta-se já como um fim.
Um fim em si – roda que gira por si só. Tendo o centro bem definido, sabemos bem como afastar e como aproximar. Tudo que convém é acelerado em um movimento centrípeto e, ao contrário, o que não convém é expelido em um movimento centrífugo. Agora é nossa vez. Dupla afirmação em um movimento no qual a mudança de sentido muda tudo. Se dá arrepios só de pensar, imagina então viver! Aproximar ou apartar, aconchegar ou afastar, acercar ou afugentar por nossa própria conta e risco – este é o aprendizado necessário para fazer o prazer durar.
Imanência e Micropolítica foram os dois primeiros e difíceis passos, mas sentimos que mal aprendemos a engatinhar. Agora é preciso pensar no mais íntimo, no mais próximo, naquilo que toca a nossa pele. Nos libertamos de uma visão transcendente de mundo, esmagamento moral, mas como fazer do espaço aberto um abraço reconfortante? Nos afastamos da macropolítica, mas onde encontrar os pequenos toques, porém elementos essenciais, da nossa nova política? Nos libertamos “de algo”, ótimo, mas o “para quê” é muito mais difícil de responder. Nós nos arriscamos, para tornar o amor possível, queremos ir até o fim agora.
Os problemas começam quando nos deparamos com as inconstâncias do mundo. Relações voláteis, ídolos incertos, amigos distantes, mestres ausentes. Em um mundo onde tudo pode, encontramos a ética do nada conseguirmos. De um lado, estamos entregues a um relativismo molenga, onde a vontade não se expressa afirmativamente. De outro, estamos rendidos às alegrias passivas, rígidas, frígidas, que mais parecem tristezas ativas. Falta-nos a solidez de uma ética rigorosa, mas principalmente a doçura dos prazeres perenes.
Se antes estávamos presos a rótulos, títulos, ideias, convenções, então podemos dizer que agora estamos soltos demais. Se antes os modelos nos oprimiam, agora sentimos vertigens. Não nos tomem por retrógrados, o raciocínio é na realidade simples: não encontramos as medidas certas. Ídolos foram quebrados, é hora de pensar algo interessante para fazer. Deuses morreram, está na hora de inventar novas maneiras de viver.
A ética é realmente um caminho árduo, o mais difícil, o mais lento. O que nos aflige é o segundo ato de uma mesma reivindicação libertária: se primeiro nos perguntávamos – “livre de quê?”, agora perguntamos – “livre para quê?”. A agressividade infatigável do Leão encontrou a inocência criativa da Criança, metamorfoses de uma vida que precisa aprender a lidar consigo mesma e com o mundo sem cartilhas ou manuais de instruções.
Escapamos dos amores platônicos, nos quais queríamos nos encaixar como peças perfeitas. Escapamos dos amores ressentidos, que viviam na impotência do que não podiam viver. Escapamos de várias coisas e agora temos medo de sermos capturados novamente! Por isso andamos como animais assustados, evitando qualquer tipo de contato por temer estar caindo em uma armadilha. Perdemos a confiança da doçura.
O “Não” monopolizou nosso vocabulário e tornou-se sinônimo de amor livre. Nossa solidão se tornou uma outra forma de escravidão. Queremos pousar, queremos voltar a tocar o chão, somos o orvalho procurando a folha, somos a nuvem que cansou de voar. Queremos um pouco de doçura, sem que isso nos leve de volta a servir.
Nem todo encontro é um reencontro. Nem toda relação é uma reentrância do que já foi. Queremos encontrar aquilo que ainda não sabemos o que é. A eterna juventude está na vivacidade do inédito. Estamos convictos de que há muito mais na existência do que aquilo que conhecemos e, o que é mais importante, temos certeza de que somos capazes de sermos surpreendidos. Há de se buscar as condições em que se retorna diferente.
A Ética da Doçura é precisamente este segundo movimento: depois de nos libertamos “de” alguma coisa, queremos aprender a ser livres “para” alguma coisa. Aqui o amor, tão singelo, se apresenta como a alegria que depositamos nas mãos do outro. Ninguém falou que não seria desafiador. Aprender a amar depende de descobrir a medida do nosso envolvimento, aquela que faz um mundo infinito de possibilidades se abrir, evitando ao máximo as decomposições e desencontros.
Buscamos as bases nas quais possamos fundamentar o amor. Não é clichê falar de amor em um mundo que confunde parceria com propriedade. Não é banal pensar o amor quando vivemos um cotidiano odioso. Se a alegria é a fonte da qual o amor deriva, está dado o caminho. Precisamos nos aproximar do que nos alegra, tomando parte no processo do que nos interessa. Parece tudo bastante óbvio, não? Entretanto, o óbvio nunca foi fácil de alcançar, esta espontaneidade dá muito trabalho.
Ora estamos angustiados pelo amor que não vem, ora estamos frustrados com o amor que foi embora, ora estamos fatigados vivendo um amor que acabou. Mas onde está o devir? Se chegamos até este ponto é exatamente porque desaprendemos a amar. Prezamos muito por este sentimento, pois toda relação baseada nele é uma fonte inesgotável de devir que queremos levar a sério.
O devir é a força que esfacela as formas imperativas de amar. Queremos novas canções de velhos refrões. Feitas de improviso ou por novos arranjos, não importa. Procuramos os territórios ainda não mapeados, queremos as regiões ainda não desbravadas. Queremos ligar os fios de um novo circuito, para fazer entrar em curto o de um outro longo erro.
A doçura está na capacidade de diferir e fazer diferir, com prudência, com cuidado, com carinho, pelo toque. Onde, senão na base daquilo que consideramos familiar, poderíamos aplicar mais e melhor esse princípio? A mãe que alimenta seu filho recém-nascido, parte externa do que já lhe foi interioridade, faz da doçura um instrumento de abrir horizontes. O pai que empurra a bicicleta de quatro rodinhas, cuidando em dobro para não perder o momento, faz da doçura a alteridade necessária, o que é muito diferente de autoridade necessária.
Nós somos os filhos de um tempo perdido. Estamos todos perdendo o momento, jogando fora o acontecimento. Perdendo a doçura, perdemos a ética! Todo amor é uma forma da vida resistir em conjunto, tocando-se no que há de mais essencial. Toda doçura é uma maneira de construir a si mesmo sem destruir o outro; toda Ética é o privilégio de se dividir e admirar um mundo múltiplo. Ética da doçura, o equilíbrio essencial entre o rígido e o plástico, a leve certeza de uma bela dúvida, o doce peso de se responsabilizar pela vida, a múltipla alegria de encerrar o que há de mais concreto em uma sempre ansiada abertura.