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Vigiar e Punir

Genealogia da sociedade disciplinar

“Vigiar e Punir” foi publicado por Michel Foucault em 1975. Esta é uma das obras mais famosas do filósofo francês e trata profundamente da questão da disciplina e do poder no mundo moderno. Também se debruça com cuidado sobre a importante mudança de estratégia que abandonou a punição em troca da vigilância constante e reguladora. A pergunta que atravessa todo o Vigiar e Punir é: por que a prisão?  Por que a sociedade capitalista fez as instituições penais desempenharem o papel de encarcerar? Quais são suas causas e seus efeitos? Esta série trata minuciosamente de cada capítulo do livro. Foucault analisa as técnicas de disciplina e vigilância que se espalharam de maneira gradual e imperceptível pela sociedade ao longo do séc. XVIII e XIX.

Plano Histórico

Podemos começar dizendo que Foucault não é hobbesiano, ou seja, a sociedade não é uma luta de todos contra todos, o homem não é o lobo do homem e não é necessário que todos cedam um pouco de seu poder para um tirano que encarnaria o pacto social. Afinal, isso seria muito amplo, geral demais, filosófico demais. Contudo, não podemos dizer que Foucault seja marxista: a sociedade não é uma luta de classes. Ou seja, não existe a classe de cima, abastada, opulenta, dominante e a classe de baixo, pobre, explorada. Isso seria pender demais para o lado contrário, reducionista demais, pequeno, simplista, caricatural.

O que é a sociedade punitiva?

Pois bem, o pensador francês parte da ideia de guerra civil. Ou seja, há conflitos ininterruptos na cidade, esses conflitos não a ameaçam, muito pelo contrário, a constituem. De cima abaixo, da direita para a esquerda, o esquema que organiza a sociedade é a guerra civil, a luta, o agonismo. O que Foucault faz em sua obra é a genealogia de uma nova economia política do poder. Que forças são essas que o fazem aparecer? Que forças o levam a emergir e se sustentar? Por que, depois da morte do rei, depois da máquina a vapor, começamos a encarcerar pessoas?

O Suplício

O Fim do Suplício

Punição Humanitária

A Arte de Punir

Nova Economia Punitiva

Plano de Imanência Disciplinar

Na primeira metade do século XIX, houve toda uma empreitada de reclusão, acasernamento da classe operária em toda uma série de instituições não produtivas (além do aparato de produção), como, por exemplo, as instituições pedagógicas – creches, colégios, orfanatos; instituições corretivas – colônias agrícolas, casas de correção, prisões; instituições terapêuticas – asilos, albergues. Provisoriamente, seria possível pôr todas essas instituições sob o signo da reclusão”

– Foucault, Sociedade Punitiva

Chegou um momento em que a maneira com a qual a sociedade funcionava, punindo pelo suplício, já não mais interessava ao poder. A partir do momento em que a burguesia toma as rédeas, faz todo o resto da sociedade jogar segundo suas próprias regras. É o modelo da guerra civil, onde um grupo procura se sobrepor ao outro.

A forma-prisão:

  • Panóptica: é uma nova maneira de olhar para o corpo: vigilância generalizada, direta, contínua, iluminada. Por conseguinte, tudo, sem exceção, será observado, filmado, catalogado;
  • Sequestradora: é uma maneira nova de utilizar toda a força dos corpos, de reorganizá-los, localizá-los, agrupá-los no tempo e no espaço, segundo suas forças e energias;
  • Disciplinar: o corpo deve ser continuamente exercitado, treinado, modelado, remodelado, remendado, corrigido através de recompensas e punições.

O que vemos é uma arquitetura se espalhando por toda a sociedade, uma maneira de distribuir no espaço, de recortar o tempo. A nova sociedade exige novos fluxos, novas maneiras de se mover, de controlar. A condição de aceitação da prisão é a coerção: uma sociedade inteira baseada no princípio de que Vigiar é mais produtivo que Punir. Em suma, este novo plano de imanência, que brota de determinadas condições históricas, estabelece o nexo entre a punição e o cotidiano moral.

Há agora uma continuidade imperceptível entre a punição e o penal. São como dois rios que se encontram. Passa-se gradualmente de um treinamento para uma vigilância mais atenta, a ligação entre vigilância atenta e punição é indistinguível, e sem se perceber passa-se da punição leve para a pesada e da prisão ao ar livre para a prisão de muros altos.

De um certo ponto de vista, todas estas instituições são maneiras de o poder se exercer sobre o outro. O modelo maior desta utopia será o Panóptico, olho que tudo vê. Ele deve dar conta de certas ilegalidades que se tornaram insuportáveis para aqueles que agora estão no poder.

Instituições Completas e Austeras

Sociedade Disciplinar

Por que a Prisão?

O Panóptico

A Visibilidade é uma armadilha

Conceitos Disciplinares

Por isso a pergunta: por que, nessa cumplicidade de ilegalismos, chegou um momento em que o ilegalismo burguês já não podia suportar o funcionamento do ilegalismo popular?”

– Foucault, Sociedade Punitiva

Uma de nossas maiores conclusões até o momento é que a Prisão não cai do céu e não nasce de repente. A disciplina é certamente um de seus frutos mais amargos. Com a mudança de regime, nasce uma mudança de poder e de foco do poder. Com a morte do rei, nasce uma nova sociedade, com o nascimento da sociedade, nascem seus novos inimigos. O que antes era aceito, agora não será mais. A necessidade burguesa de controlar os ilegalismos populares, controlar as massas, mais precisamente, controlar sua força de trabalho, criou uma nova maneira de vigiar e de punir.

A economia das ilegalidades se reestruturou com o desenvolvimento da sociedade capitalista”

– Foucault, Vigiar e Punir

O Problema das Castas

Todas as castas, todas as classes sociais, todos os grupos identitários têm suas práticas, suas regras, seus valores. Essas práticas encontram as outras, de outras classes e grupos sociais. O ponto de análise de Foucault é que estas práticas, estes legalismos e ilegalismos inerentes a cada classe, podem estar em ressonância ou dissonância. Sempre funcionam em conjunto, mas às vezes se alimentando e outras se cancelando. Como dissemos, é a guerra continuada por outros meios.

O que acontece a partir do século XIX é que a burguesia passa ao poder e começa a não tolerar mais os ilegalismos populares. Há uma ruptura. O que era visto como inofensivo no Antigo Regime, pegar lenha na floresta, por exemplo, passa a ser inadmissível e visto como uma ameaça para a nova maneira de produzir, distribuir e acumular riqueza.

Ao mesmo tempo que o modo de produção capitalista se desenvolvia, o capital acabava exposto a diversos riscos que antes eram muito mais controláveis”

– Foucault, Sociedade Punitiva

Para passar do plano de imanência prisional aos conceitos disciplinares, precisamos nos perguntar como a riqueza circula, por onde ela passa, que mãos podem desviá-la de seu caminho, que olhos a observam avidamente. Afinal, a ferramenta agora é do dono da fábrica, os produtos a serem embarcados nos navios ficam no cais, à mostra, correndo perigo, as terras não são mais comunais. A classe trabalhadora é um elemento novo a ser controlado, incansavelmente vigiado, constantemente instruído e permanentemente moralizado.

O que o poder quer controlar?

  1. Ociosidade: aquele que falta, se recusa a arranjar um emprego, se recusa a trabalhar. Recusa a se submeter, a trabalhar para alguém.
  2. Irregularidade operária: aquele que chega atrasado, aquele que faz corpo mole, que não produz corretamente, não está no ritmo acelerado da linha de montagem ou dos outros colegas devidamente treinados e motivados.
  3. Festa: a diversão, o bar, a bebida, as comemorações, as alegrias de fora que interferem na produção de dentro. Quem eles pensam que são? As forças devem ser conservadas para o dia seguinte e não serem dispersadas em comemorações inúteis.
  4. Família: a família é um porto seguro, um lugar de pouso, uma prevenção ao nomadismo. A família serve para reproduzir e renovar as forças de trabalho. Recusar a família é cair na devassidão, não ter por quem se comprometer.

Por isso, esses ilegalismos entram na mira desta nova maneira de produzir: nasce assim uma sociedade que não admite a vagabundagem, a preguiça, a licenciosidade, a negligência, a indolência, a incompetência, elas se tornam alvos do poder. O inimigo da sociedade são seus próprios membros não produtivos, que se atrasam, que são indolentes, organizam greves e questionam os meios de produzir riquezas.

Vigilância e disciplina

Os conceitos da disciplina nascem em um plano de imanência obstinado em vigiar para produzir mais e melhor. Se as luzes da revolução devem chegar a todos os lugares, o cidadão, o operário, devem ser moralizados, treinados, formados. Há, portanto, todo um novo sistema de controles que faz a ligação entre moral e penalidade com o intuito de enfrentar a vagabundagem, a preguiça, a devassidão, etc. É preciso ensinar os trabalhadores a serem esforçados, pacientes, morais.

Distribuir e Controlar

Recursos para o bom Adestramento

Organização e Composição

O Exame

Personagens Disciplinares

Foi Foucault quem disse que o homem moderno está com os dias contados, ou seja, deve morrer em breve. O pensador francês argumenta: acima de tudo é preciso repensar o sujeito, sua formação! Se ele nasce e cresce dentro de certas estruturas de poder, então ele é efeito, modo de vida delimitado, balizado, ao menos influenciado por uma certa maneira de se relacionar.

Em outras palavras, o poder disciplinar age sobre corpos e almas, ele cria, treina, forma hábitos e movimentos. Aqui está um ponto de tensão entre Foucault e a teoria marxista: não há ideologia, diz o pensador francês. Pensamentos são formados dentro de uma discursividade, o poder se mostra como é, organiza multiplicidades, não precisa mentir. Ele age sobre corpos, cria essências.

O trabalhador, o criminoso, o vagabundo, o delinquente.

Com o fim do século XVIII e o começo do século XIX, ocorrem muitas mudanças importantes. Os efeitos das transformações históricas criam alterações no funcionamento do poder. Seus efeitos são vários e os personagens que daí emergem, muitos. Para ilustrar, de um lado temos o delinquente, o irrecuperável, o monstro destruidor da lei, que ameaça a sociedade; no meio encontramos o criminoso, com sua pena em trânsito, com vontade de se recuperar, de ser readmitido no seio da sociedade; do lado oposto temos o corpo dócil, apaziguado, submisso, obediente, na forma da criança bem comportada, do operário do mês, do cidadão de bem. Acima deles está sempre, mesmo que nem sempre à vista, o carcerário, observando, anotando, registrando, repassando as informações.

Vimos que tudo que de alguma maneira ameaçasse o capital, ou a propriedade patronal, deveria ser treinado, controlado, vigiado e eventualmente punido. Isso também dizia respeito ao próprio corpo do trabalhador, sua rotina, seus hábitos, sua maneira de viver, tudo deveria estar em função exclusivamente da hora de trabalho.

Perigoso era o operário que não trabalhava o suficiente, que era preguiçoso, embebedava-se, ou seja, tudo aquilo com que o operário praticava o ilegalismo, dessa vez não em relação ao corpo da riqueza patronal, mas ao seu próprio corpo, àquela força de trabalho de que o patrão se considerava uma espécie de proprietário, pois a comprara mediante o salário”

– Foucault, Sociedade Punitiva

Uma questão de poder e resistência

Surpreendentemente, trata-se de uma questão simples: corpo do operário que possui apenas a sua força de trabalho versus corpo das riquezas produzidas. Ou seja, um entrando em relação com o outro, um em conflito com o outro, um procurando determinar o outro.

Os personagens aqui são apenas exemplos, encarnações, encenações dos modos de vida possíveis dentro da sociedade em que vivemos. As cartas estão todas marcadas. Nesse sentido, podemos dizer que as subjetividades não são almas que se encarnam, vindas de outro mundo, são vidas que são produzidas no seio de um mundo real, factível, determinante.

Não se deveria dizer que a alma é uma ilusão, ou um efeito ideológico, mas afirmar que ela existe, que tem uma realidade, que é produzida permanentemente, em torno, na superfície, no interior do corpo pelo funcionamento de um poder que se exerce sobre os que são punidos — de uma maneira mais geral sobre os que são vigiados, treinados e corrigidos, sobre os loucos, as crianças, os escolares, os colonizados, sobre os que são fixados a um aparelho de produção e controlados durante toda a existência”

– Foucault, Vigiar e Punir

Corpos Dóceis

O Criminoso

O Delinquente

O Carcerário

Curso Online baseado nesta série

Foucault: Docilidade e Delinquência