Não exijam da política que ela restabeleça os ‘direitos’ do indivíduo tal como a filosofia os definiu. O indivíduo é produto do poder. O que é preciso é ‘desindividualizar’ pela multiplicação e o deslocamento, o agenciamento de combinações diferentes. O grupo não deve ser o liame orgânico que une indivíduos hierarquizados, mas um constante gerador de ‘desindividualização'”
– Foucault, para uma vida não fascista
Foi Foucault quem predisse a morte do homem. Assim como Deus, a ideia de homem também precisa morrer. Neste sentido, podemos dizer que o ser humano, como sujeito de direitos, como subjetividade moderna, é razoavelmente recente (fim do séc. XVIII). Mas sua fundamentação é transcendente e também precisa ser superada. O mundo moderno oferece com uma mão o que tira com a outra, eis o perigo. Nos dá direitos humanos, mas para nos manter humanos direitos. Tira as correntes de nossas pernas, mas nos escraviza mentalmente.
Mas os direitos humanos não darão conta do que queremos. O eu ético opõe-se ao sujeito moral da modernidade (veja aqui). A intenção é ir para além da questão dos direitos. Porque o sujeito de direitos é o mesmo que foi criado e é mantido pelo poder. Não se trata obviamente (uma pena que precise ser dito) de um “foda-se os direitos”, “foda-se as minorias”, muito menos admitir uma vida pequena, violada, escrava. Queremos o contrário, mas de uma maneira diferente. Em vez de pedir por direitos queremos criar nossos próprios direitos. Em vez de um direito cedido pelo poder (como se esse fosse bom), queremos conquistar uma vida por nossa própria potência. Viver sem ser de favor.
Nosso maior perigo é tomar o Cuidado de Si ao modo de um burguês-liberal, como se fosse algo individualizado! A ideia de indivíduo e livre-arbítrio é um engodo! Ela age mais fundo do que poderíamos imaginar em um primeiro momento! Não é dessa liberdade que estamos falando. Foucault não cabe na social-democracia, porque ela é mais uma maneira de dominar e docilizar o indivíduo. É absolutamente necessário desconstruir a noção burguesa de indivíduo! Essa ideia tão sedutora que nos permite fazer parte.
Não queremos jogar o jogo do poder, onde somos vistos e pensados como identidades claras e moldáveis. Nossa intenção é criar zonas autônomas onde as relações se passem de outra maneira. Preferir práticas de reinvenção da democracia! Uma democracia radical! Afinal, o direito ainda está submetido ao poder! Queremos que cada um seja uma anomalia, que a relação se estabeleça na própria diferença, na capacidade de compor não por direitos que são respeitados dentro de certos limites, mas por singularidades que se compõem e se multiplicam.
Queremos a igualdade da capacidade de diferir de nós próprios, queremos igualdade de nos diferenciar cada vez mais. Podemos chamar isso de uma Ética dos Devires. E é isso permite uma vida não-fascista. O poder nunca nos dará tudo o que queremos, ele sempre se satisfará antes de nós: “Ok, até aqui está bom, vocês já estão satisfeitos?”. Política e direitos não estão mais atados firmemente, nunca estiveram. Nossas lutas podem e devem passar por outros caminhos, uma vida mais autônoma, horizontal, dona de si.
Aqui chegamos na questão da Associação. Foucault queria libertar-se do individual fechado sem cair no universal abstrato! Desindividualizar é ir para além de uma subjetividade moderna, pequena, isolada, mas sem cair em um gregarismo igualmente impotente. Entre o todo e o indivíduo muitas coisas se passam. Um grupo não deve criar espaços estratificados, mas fluxos cada vez mais capazes de desindividualização, atando seus laços sem que pareçam amarras, mas sem que estejam demasiadamente soltos. Desta maneira, indivíduo e grupo se associam, mas sem se submeterem.
Será que existem direitos não-universais possíveis? São apenas aqueles que nós mesmos criamos nas relações, sem nos ajoelharmos para uma lei universal. A desindividualização se dá nas trocas entre iguais…. não iguais por intersecções ou mediocridades, não falamos de igual na impotência, mas na potência de diferenciação. Há uma relação de devires! Uma vida bela e intensa, não conformada! Abertura para o coletivo, para as forças-pré-individuais. Nada a ver com a individualidade burguesa, totalmente contaminada e presa em seu pequeno mundinho, de pequenos prazeres e pequenos segredinhos sujos!
Eis um texto EXTRAordinário. Um reflexão assertiva, lançada como uma adaga.
Parabéns, Rafael. À medida que lapida a si próprio contribui ainda para despertar novas relações de afetos em nos leitores e pensadores.
Que site incrível! Muito material bom e accessível. Obrigada pela partilha!!!
parabéns meu
Muito lindo mesmo
obrigado meu
Tem lição pra amanhã?
tem prova do Celso
esse aqui ó: https://badoo.com/pt/profile/01134634103