Muito bem, então a multiplicidade nômade entra em conflito com o Estado-Despótico. Algo dá errado, dizem Deleuze e Guattari, mas o quê? Simples, no processo a Máquina de Guerra é capturada pelo Estado-Capitalismo. Os traços de nomadismo se perderam por entre as histórias sedentárias das grandes civilizações.
Como funciona este processo transcendente de captura? Ele tem sempre dois polos: o Imperador que funciona como fundamento transcendente e o sacerdote que interpreta e distribui em torno do fundamento.
Pela tese de Deleuze e Guattari, a multiplicidade nômade vem primeiro. Ontologicamente, estamos sempre lidando primeiro com a diferença, ela é o Liso.
O Estado nasce com a sobrecodificação destes territórios. Ele captura e impõe outro modo de funcionamento. Ou seja, as Cidades nascentes e posteriormente os Impérios impõem uma nova organização, uma nova ordem dos fluxos. Isso significa pura e simplesmente que as sociedades com Estado definem-se por aparelhos de captura, elas não criam, elas distorcem.
Como ocorre a captura? De três maneiras diferentes, dizem Deleuze e Guattari:
- RENDA: A renda é a captura dos fluxos da terra, sua reordenação para um “proprietário” que pega parte da produção. Ele diz: “Esta terra é minha, você trabalha na minha terra, me dê parte da sua colheita”, “Esta propriedade é minha, você trabalha na minha propriedade, me dê parte da produção”
- LUCRO: O lucro é a reordenação dos fluxos de produção. Através dela o dono da fábrica redireciona o dinheiro obtido com o trabalho. Ele diz: “Esta máquina é minha, você trabalha na minha máquina, o dinheiro da venda do produto é meu”, “Esta empresa é minha, você trabalha na minha empresa, o dinheiro que você gera nela é meu”
- Juros/Impostos: Os juros são a reordenação dos fluxos de dinheiro. Os donos do dinheiro cobram taxas sobre seu dinheiro. Eles dizem: “Você pegou emprestado, agora precisa me pagar, me dê mais dinheiro do que você pegou”, “Você comprou uma casa com o meu dinheiro, agora me devolva mais do que pegou”.
Os fluxos, sejam eles quais forem, são cortados, redirigidos e centralizados. A Máquina de Captura toma todos os excessos para si. Ela acumula e nos torna cativos no processo. São linhas que se dirigem para um centro, seja ele o Senhor Feudal, o Burguês ou o Banco.
O Estado é esta sobrecodificação, esta acumulação artificial, esta violência. O Estado Arcaico sobrecodifica tudo, tudo deve estar no seu lugar, tudo deve estar marcado de acordo com a norma. Mas quanto maior a multiplicidade, mais ele se coloca de forma Imperial e mais fluxos escapam e fogem.
O Estado Disciplinar (estudado por Foucault) procura lidar com esta multiplicidade: eliminando tudo que é indisciplinável e criando suas próprias subjetividades dóceis e obedientes: bons cidadãos, bons alunos, bons soldados, bons trabalhadores.
Já o capitalismo funciona de uma maneira diferente: nele a multiplicidade atinge seu cume, por isso ele funciona através da constante liberação e captura de fluxos! É um jogo muito mais perigoso. Todas as regras são abolidas, exceto uma: gerar mais dinheiro!
O Capitalismo funciona com esta axiomática geral dos fluxos descodificados: tudo pode ser, desde que dê dinheiro, desde que gere lucro.
Vemos, inclusive, como a Axiomática do Capital começa a se sobrepor ao próprio Estado. A questão não é mais a disciplina, é a liberação e captura dos fluxos. O estado começa a se encarregar de dar condições ao capital.
O Capital ama os fluxos soltos, ama os nômades, ama a diferença, mas claro, desde que ela gere lucro. Ou seja, por mais que fluxos nômades sejam incentivados e gerados, eles são imediatamente capturados. Este é o funcionamento normal do capitalismo: Esquizofrenização dos fluxos, mas apenas para alimentar a máquina capitalista.
Em suma, o Capitalismo é um aparelho que incentiva a produção de fluxos nômades, apenas para depois capturá-los. Sendo assim, ele também se alimenta da potência do fora! Mas ele quer ir cada vez mais longe, ultrapassar todos os limites, sempre axiomatizando, capturando sorrateiramente.
Eis porque o subtítulo de Anti-Édipo e Mil Platôs é “Capitalismo e Esquizofrenia”: O capitalismo aprendeu a coabitar com a diferença, excitando-a. Ele não precisa de um modelo imagético, apenas de um axioma: lucro. Para isso ele cria espaços cada vez mais lisos, ele libera cada vez mais fluxos, mas apenas com o intuito de capturar mais e melhor, como a bruxa que faz uma casa de doces para capturar João e Maria, os engordar e depois os devorar.
Parabéns pelo trabalho de vocês! Tá massa demais!