Uma senhora idosa acompanha seu neto no campo. Ele brinca, passando as mãos nas flores de trigo. Não tem mais de 5 anos. A avó então lhe pergunta: “o que você vai ser quando crescer?”. O neto, atento aos ramos dourados que se elevam da terra, não responde. “Um médico, um bombeiro, um escritor, talvez”. O menino continua com sua ciência, despreocupado. Ela o observa com ternura, e então murmura consigo: “seja como for, eu não estarei aqui para ver”. A criança sorri por sobre os ombros, arranca uma das hastes alongadas, volta-se para a avó e diz: “olha!”.
É curioso o fato de que os velhos só têm as crianças. Pais e mães as veem como seres em potencial, mas essa não é a perspectiva dos avós. Há qualquer coisa imediata que precisa ser vivida junto à infância dos netos. Parece que, conforme a idade avança, somos cada vez mais convocados à presença. É uma regra dura, quanto mais anos vivemos, menos anos temos para viver. Assim, especialmente para aqueles que não contam com mais do que essa vida, a tendência é que a fruição do presente se torne cada vez mais urgente. Felizmente, as crianças nascem versadas nesta sabedoria do instante. Para exercitar essa misteriosa maneira de habitar o momento, nada melhor do que tê-las por perto.
O futuro é uma ideia mutante: a criança ri, o jovem anseia, o adulto planeja e o idoso lamenta. O passado também transmuta ao longo da vida: história para os meninos, bobagem para os homens e saudades para os velhos. E o presente? Ora, esse é sempre um enigma, mas a criança parece ter a resposta sem nunca ter perguntado. Podemos dar ao menos um bom motivo para isso, a infância é uma espécie de renascimento do universo. Antes não havia nada, então abrimos os olhos. É uma experiência impossível de lembrar e difícil de reproduzir, mas todos nós testemunhamos a criação do mundo, e passamos os primeiros anos perambulando espantados a proferir exclamações.
Para a criança, os instantes excepcionais são frequentes: o rosto da mãe que volta a aparecer quando cai o lençol é milagre suficiente para um ataque de risos. Cada momento é uma revelação viva do ser. O nascimento continua fora da barriga, mas agora por meio das coisas – e o que é mais importante, elas não têm nenhum sentido, elas apenas são, e insistem em aparecer a despeito de qualquer lógica. A infância é como um sonho contínuo, no qual o real aparece tal como é, puro delírio. Assim, cada novo dia é ocasião para vivências extraordinárias, e a sensibilidade dos pequenos é grandiosa.
Pouco a pouco, o cotidiano se impõe: envelhecer é sinônimo de acostumar. E o que antes era, por natureza, excepcional, torna-se banal. O mundo informa suas leis e a repetição constrange a admiração, anestesiando o dia a dia. Além disso, o presente do adulto é rarefeito, porque é continuamente roubado pelo futuro. Aqueles instantes excepcionais ainda existem, mas se tornam realmente exceção. Por obra do acaso, uma paixão, uma poesia, uma conversa, um belo dia atravessa a casca dos sentidos, e voltamos a nos sentir inebriados, como se novamente estivéssemos nascendo. Cabe estar atento a estes momentos, cuidar deles como se se tratassem de pérolas, mas deixar a vivacidade nas mãos do destino não parece suficiente.
É por esse motivo que encontramos na filosofia antiga uma diversidade de exercícios dedicados a resgatar a experiência do presente. Dos epicuristas aos estoicos, a presença surge como tema fundamental na reflexão sobre a boa vida. Eles estavam convencidos de que a felicidade não mora no futuro, e apelavam por uma saúde do momento, dando voz a uma vida urgente, que se apresenta a todo instante. Seja pela busca de satisfação nos prazeres mais simples, seja pela consideração do que está sob nosso poder, a filosofia aparece na forma de exercícios espirituais destinados a contrariar a infeliz tendência humana de perder o tempo.
O mais célebre destes conselhos é o carpe diem de Horácio, poeta romano influenciado por Epicuro. Em suas Odes, ele escreveu este que seria um dos chavões do apelo moderno à presença: “Enquanto falamos, o tempo, ciumento, fugiu. Colhe hoje, portanto, sem confiar no amanhã”. Assim como a maior parte das ideias epicuristas, o exercício foi mal compreendido, como uma incitação à busca imoderada de prazer. Na verdade, a intenção de Horário era abrir nossos olhos para o fato espantoso de que o presente contém, em seu mínimo átomo de existência, o valor infinito da eternidade.
Sendo assim, o que significa colher o dia (carpe diem)? Ora, não se trata de uma busca pelo prazer, mas do reconhecimento de que a maior alegria possível está disponível a quem consegue se libertar da própria busca. Nas palavras de Goethe, leitor assíduo dos antigos, “é somente graças a essa tomada de consciência do valor do presente que a vida pode recuperar sua dignidade e sua nobreza”. Neste sentido, Horácio nos convida para um exercício: olhar o instante nos olhos, tentando habitá-lo tão plenamente quanto uma palmeira ao balançar do vento. Essa regra de vida, essa saúde do momento, é a sabedoria da criança, que sabe por intuição que possui apenas o presente.
Para nós adultos, entretanto, o saber da criança é uma árdua conquista. Daí a necessidade de tomar o pensamento como uma meditação, e contrariar o impulso que nos arranca o momento. Quando sequestra a presença, o amanhã se torna um imperativo insensato, porque projeta a felicidade na ausência. Acabamos por viver à espera, projetando a imagem dos nossos desejos nesta tela escura, que é o futuro. Em palavras tão simples quanto desafiadoras, podemos dizer que, para colher o dia, é preciso cultivar a hora.
Para voltar ao incômodo que nos levou a essa divagação: da criança, o velho só tem a criança, e não pode contar com nada mais do que aquilo que ela é naquele instante. Deve ser desafiador olhar para o presente e saber que não poderá extrair dele mais do que nele se apresenta. Mas não é também esta a saúde que estamos todos buscando? O encontro de uma avó com seu neto coloca dois opostos em contato: a idosa não tem futuro, a criança não tem passado. Entre estes dois estados surge, fulgurante, o presente. Talvez seja esse o motivo da alegria das avós.
Muito bom !!!!