“Parece que vai chover”, é assim que começa toda conversa de elevador. Poucos percebem a profundidade destas palavras, a atmosfera se modificar parece algo mágico e a meteorologia bem poderia ser considerada um ofício de bruxas e magos. Afinal, como pode o céu de repente encher-se de nuvens, o dia virar noite e desabar água lá do alto? Todos nós já passamos por isso, pegos de surpresa por um clima instável que insiste em quebrar o ritmo mecânico da cidade. Tudo está bem até de repente não estar, tudo flui, até o bueiro entupir. Com nossas emoções, a chuva torrencial pode ser qualquer coisa: um pensamento intrusivo, um mal estar súbito, o choro repentino de criança, a presença inconveniente de alguém no recinto. E o contrário também é possível, o céu estava nublado até de repente se abrir, se transformar-se e colorir-se de alegria. São coisas simples, basta uma foto, uma palavra, um olhar. Os sentimentos podem mudar com a mesma força e velocidade dos fenômenos meteorológicos.
É comum localizar a sede das emoções no coração, ele é o grande informante das alegrias e tristezas do nosso entorno. Como um radar, o coração varre os arredores procurando por promessas de prazer ou ameaças de dor. Cada batida deste órgão pistão, serve para bombear sentimentos a todas as partes do corpo, apontar caminhos ou rotas de fuga. E junto com o corpo, é o mundo inteiro que parece se transformar, afinal, não somos apenas uma coleção de substâncias diluídas na corrente sanguínea. Assim como uma paisagem, é possível dizer que todo estado de espírito possui a sua coloração existencial própria. Mas o que é esta coloração do mundo e como ela se dá? Se os estados de espírito não são meros neurotransmissores correndo pelas vias sinápticas, então como compreendê-los?
Basta pensar em uma peça de teatro: a luz do palco muda de cor, o gelo seco toma conta do tablado, um violino começa a tocar em tom menor e tudo se modifica. O cenário é o mesmo, mas algo está diferente e a existência parece se afinar de acordo com a nova atmosfera. Não é apenas o corpo, é o clima como um todo que se torna diferente, tocando uma nova harmonia e nos carregando com ela. O fato de passarmos de uma tonalidade afetiva a outra mostra como estamos num processo contínuo de afinação com o mundo, sensíveis às suas melodias.
Um diretor de cena sabe muito bem disso e se utiliza destes recursos para embalar os sentimentos do público. A linguagem corporal dos atores diz se a cena é dramática, a iluminação indica que a situação é tensa, a trilha sonora é fundamental e indica que um acontecimento importante está em vias de ocorrer. As risadas gravadas dos enlatados americanos muitas vezes se encarregam de fazer este serviço ardiloso, porque nos incitam a rir, mesmo quando a piada é ruim. É através destes artifícios que temos dicas de quais sentimentos sentir em determinado momento. Dadas estas condições climáticas, parece que sabemos exatamente o que vai acontecer.
É como um filtro jogado por cima da cena, mas esta analogia pode levar a um terrível engano, pois dá a impressão de que existe alguma realidade subjacente, e isto não é verdade. Não há nada por trás da abertura do mundo. A realidade se dá como é, ela se abre para nós, e nós para ela, num movimento duplo. As emoções não recobrem a realidade, a constituem a partir do encontro. Por isso a metáfora da meteorologia é mais apropriada, no mesmo mundo, a primavera, o verão, o outono e o inverno são igualmente possíveis, são aberturas existenciais, maneiras do ser se manifestar. E quem se encontra nesta clareira, o palco da realidade, adquire um modo de estar nela, que abre e fecha as possibilidades do momento em questão.
Entretanto, pode acontecer de alguém estar triste em plena primavera, ou o contrário, em vez de amaldiçoar a chuva uma pessoa se joga nela sorrindo. Num primeiro momento, isso parece absurdo! Mas não… nenhuma tonalidade afetiva é irracional. O que acontece é um encontro entre uma parte manifesta e outra que permanece escondida para o observador. É importante atentar para este encontro entre o presente que se dá e o passado que nos constitui. O rio flui por quilómetros antes de encontrar o mar, o que ele carrega consigo, apenas suas águas podem dizer. A realidade não mente, apenas não diz tudo de uma vez, há beleza e mistério nisso.
Uma meteorologia dos afetos permite que a mesma cena seja observada de várias perspectivas diferentes. Nosso passado sopra lembranças sobre as percepções atuais, criando atmosferas diferentes para cada um. O corpo se adapta à sutileza da atmosfera presente, mas não pode deixar seu passado para trás. O que fazemos é continuamente aprender a navegar com bom e com mau tempo. Quem sabe, com o acúmulo de experiência, num cenário similar, será possível tirar melhor proveito das circunstâncias. Isso mostra como o mundo que se dá e o corpo que se é passam por constantes ajustes, a sintonia é fina, mas nem sempre imediata. Onde está a tristeza daquele dia florido? Com certeza não se encontra na beleza do cenário atual, mas sim nos acontecimentos anteriores.
Mas a dúvida persiste, porque parece quase injusto ficar triste num dia de sol. Ora, nossas emoções não precisam atender nossos anseios de simplicidade. Cabe a elas uma beleza exuberante e complexo entrelaçamento. Ninguém passa impune às modificações que o universo impõe. Às vezes, navegamos perto de pedras angulosas, e o perigo é explícito, outras, navegamos por mares profundos, habitados por monstros desconhecidos. Como vencer o vento quando ele sopra de maneira assustadora? O que fazer quando o tempo muda, de uma hora pra outra, e carrega consigo todos os sonhos e possibilidades que nossas velas abertas ao vento buscavam? É a partir destas modificações que se torna necessário tomar uma decisão. São as emoções que cada um carrega consigo que abrem as possibilidades de ação, não se deve excluí-las, da mesma forma que não se deve excluir o mar durante a travessia. O obstáculo é o caminho, sem ele não há movimento.
Todo pescador olha para o céu, para o mar e para o coração antes de sair com seu barco, ele sabe afinar suas expectativas e desejos com a realidade pulsando fora do seu peito. Se ele sai na chuva, sabe que vai se molhar, e procura fazer com que todo vento lhe sopre a favor. A vela, a âncora, os remos, tudo faz parte de uma grande sinfonia de gestos, equalizando aquilo que se é, com aquilo que se quer ser.

Referências
- Ser e Tempo – Heidegger
- FAP – Terapia Analítico Funcional – Robert J. Kohlenberg e Mavis Tsai
- Ética – Espinosa
- Quatro estações -Vivaldi
- Mar Morto – Jorge Amado
lindo!
Belíssimo texto! Espinosa se alegraria em lê-lo. Grato!!