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Gememos sob o peso do progresso, que nos escraviza enquanto promete nos libertar” – Bergson

Quando a semente cai no solo, alguma coisa acontece. Este encontro desperta o grão do seu torpor; seu interior se retorce, tudo nele tende ao exterior, quer brotar. A partir deste momento, a luz, a água, todos os nutrientes da terra serão seus mais íntimos aliados. Seu destino é morrer para germinar. A planta quer brotar, a semente quer virar árvore, e tudo em seu caminho será visto como um obstáculo a ser superado. 

A ideia de passagem da potência ao ato é muito antiga. Este conceito é entendido da seguinte maneira: tudo o que é, em ato, parece ser apenas uma fração do seu ser em potência. Em outras palavras, tudo o que é ainda não o é totalmente, pois falta alguma coisa. A semente é a árvore em potência, a criança é o adulto em potência, os ingredientes separados são o prato em potência. Ou seja, ainda não são, mas existe a possibilidade de ser, caso o ato produtivo seja levado ao seu limite.

Este mesmo raciocínio teleológico foi aplicado ao ser humano, a existência estendida numa linha progressiva de evolução. Primeiro, o ser humano nasce, é um bebê, precisa se desenvolver. Depois cresce, torna-se um adulto produtivo e reprodutivo. E depois de preencher seu destino, cooperar com a sociedade e reproduzir-se, pode enfim morrer. Eis o caminho: nascer, crescer, se reproduzir e morrer. Esta é a linha da existência, que se entrelaça com outros membros da sociedade e os filhos. Quando criança, o ser humano ainda não é tudo o que pode ser, por isso, cabe a todos nós a tarefa de nos tornarmos plenamente aquilo que guardamos em nossa essência.

Por fim, esta ideia ganhou conotações sociais. Não mais apenas o ser humano, mas agora toda a humanidade, em seu conjunto, é vista como um ser em potência. Este pensamento foi levado às últimas consequências: se antes vivíamos como primitivos, e depois o pensamento filosófico prevaleceu, agora estamos no momento da plena afirmação da ciência. Fomos capazes, muitos diriam, de transformar a potência primitiva em ato científico e atingir o topo da civilização.

Vivemos encantados pela ilusão de uma sociedade em potência, que em algum momento do futuro realizará completamente todas as suas potencialidades escondidas, basta que as condições certas sejam preenchidas. Sim, mas quais? Bom, alguns dizem que é necessário desenvolver mais o campo tecnológico; o argumento dos economistas é que o PIB precisa bater novos recordes; os liberais dizem que a saída passa pela educação e os conservadores argumentam que é necessário manter a tradição, afinal, é ela que guarda a nossa essência. Apesar de ser difícil apontar o caminho correto, o raciocínio é sempre o mesmo: há uma barreira entre nossa incompletude e o sonho de plenitude.

Deste modo, parece que todas as nossas ações são tentativas de abrir as portas do progresso e convidá-lo a entrar, mas ele se recusa… se faz de difícil, permanece do lado de fora. Tentamos seduzi-lo com nossas ações, palavras e promessas, mas parece que ainda não somos dignos de sua presença. Desta maneira, estamos sempre nos lançando num futuro que nunca chega. É preciso produzir mais, acumular mais, comprar e vender mais, colonizar mais! Pensando nisso, saímos à procura de mais mercados consumidores, mais acordos bilaterais, mais extração de madeira, petróleo, minérios. Mais, sempre mais e mais. Enchemos a dispensa da casa com todos os produtos possíveis, mas o progresso não chega. Levamos a democracia para os quatro cantos do mundo, mas o progresso não se aproxima. De tão etéreo, este sonho começa a brilhar à distância, como uma ideia norteadora de todas as nossas ações. Sabemos que ele não chegará, mas ao menos serve de guia para sabermos o que fazer. 

É este o pensamento ao qual o nosso tempo existencial se submeteu. O mundo se acelera cada vez mais tentando alcançar aquilo que nunca virá. E neste momento o filósofo começa a desconfiar. Por que acreditamos que o futuro será melhor que o passado? Quando esta crença sequestrou a nossa imaginação? Tudo começou com a convicção de que as coisas têm um caminho pré-estabelecido, uma essência pré-determinada. Depois esta crença converteu-se em um dever, que se intensificou com a ideia absurda de que a evolução da sociedade se faria em linha reta numa única direção. 

O que poucos admitem é que a ideia de progresso está destruindo nosso mundo. O progresso parece falar de uma felicidade geral para a sociedade, um novo estágio onde a satisfação geral seria garantida pelos excessos da produção. Mas esta busca frenética mostra outra coisa: uma violência onde alguns poucos se beneficiam da exploração da natureza e do corpo social. Basta ver como este objetivo nunca foi capaz de reduzir o esforço, e sim apenas aumentar a produção. Sendo mais direto: o progresso e a evolução acontecem apenas na conta bancária dos poderosos. 

É fácil perceber como a imposição da ideia de progresso se torna um subterfúgio imaginativo para autorizar a violência e exploração de muitos em benefício de poucos. Em outras palavras, a teoria na prática é outra, enquanto a natureza é violentada por motosserras e picaretas e o trabalhador é massacrado por jornadas de trabalho extenuantes e metas inalcançáveis, o lucro das empresas no fim do semestre bate novos recordes.

É difícil não ser alarmista, mas a ideia de progresso vai acabar com o planeta como o conhecemos. Ironicamente, a busca pelo melhor dos mundos se tornou uma das causas de sua destruição. Os “melhoradores da humanidade” construíram máquinas, se esforçaram para tornar tudo mais eficiente e conseguiram, mas a felicidade é adiada em nome do progresso, ainda não é a hora, é necessário deixar o bolo crescer mais antes de dividi-lo.

Estamos no meio desta encruzilhada, onde a soma de mais com mais, de alguma maneira, dá menos. A matemática atual diz que se somarmos tudo, terminaremos com nada. Sabemos que vivemos no século do progresso, mas quem nunca se perguntou “progresso de quê?”, ou melhor, “progresso pra quem?” ignora aspectos importantes desta questão. E não se enganem, os melhoradores do mundo não sabem responder a estas perguntas.


Referências

  • Capitalismo como Religião – Walter Benjamin
  • Bem viver – Alberto Acosta
  • Crepúsculo dos Ídolos – Friedrich Nietzsche
  • Novo Iluminismo – Steven Pinker
  • Razão e Revolução – Herbert Marcuse

Como citar

TRINDADE, Rafael. Os melhoradores do mundo. Razão Inadequada, 2024. Disponível em: <https://razaoinadequada.com/2024/08/12/os-mehloradores-do-mundo/>. Acesso em: [inserir dia, mês e ano].
Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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Roberto
Roberto
3 meses atrás

Perfeito, seus textos e pensamentos sempre fazem muito sentido. Obrigado por compartilhar.

Adriana Nascimento
Adriana Nascimento
3 meses atrás

Nesse progresso perdemos tanta coisa: a conexão com a natureza e com os nossos ancestrais, a nossa presença (consciência de si no aqui e agora), o sentido de coletivo, o sono, o tempo… Temos nosso próprio tempo? hehe Tornamos servos desse progresso e apenas sobrevivemos.
Realmente, os melhoradores do mundo não possuem as respostas agora. Ainda assim, penso que o caminho é desafiarmos a mudar nós mesmos, primeiramente.