Tanto Espinosa quanto Skinner eram grandes amantes do conhecimento. E os dois, igualmente, contribuíram muito para que o homem pudesse conhecer mais de si mesmo e do mundo. Mas, se muitos ainda afirmam que a ignorância é uma bênção, precisamos nos perguntar: por que queremos conhecer? A que nos interessa conhecer? Ora, podemos responder da forma mais simples possível: o conhecimento é útil, ele aumenta nossa capacidade de afetar e ser afetado pelo mundo, ele é bom porque nos aproxima de nossa potência de agir. Espinosa diria que o conhecimento é o mais potente dos afetos; ao experimentar essa possibilidade, complementaria Skinner, o próprio conhecimento se torna reforçador.
Nossa vida não teria sentido sem o conhecimento, qual a eficácia de operar no ambiente sem antes conhecê-lo? Somos afetados pelas contingências, consigamos discriminá-las ou não. Portanto, a ignorância não é uma bênção, é uma maldição. E cabe a nós ampliar ao máximo nosso conhecimento do mundo e de nós mesmos. Mas não podemos nos tornar otimistas ingênuos, nossa linguagem sobre conhecimento é extremamente mentalista e supersticiosa! Precisamos primeiramente entender que é muito difícil obter um conhecimento adequado de si e do mundo.
Para Skinner, a análise do comportamento estuda de que forma um comportamento se dá em determinado ambiente, qual a relação que eles estabelecem. Há uma relação funcional: por que certos comportamentos se tornam mais frequentes e outros mais raros? O conhecimento nasce desta relação, ele é aprendido, se dá através de reforço e punição. Skinner chama de modelagem. Claro que não é tão simples, mas podemos dizer que aprendemos conforme atuamos no mundo, enquanto nos comportamos. Determinados comportamentos nos geram prazer, felicidade, aprendemos que isso é bom porque eles nos são úteis, outros geram desconforto, tristeza, não queremos sentir isso outra vez e não emitimos estes comportamentos novamente. A tristeza nada ensina, ou ensina muito pouco, diferentemente da alegria.
Percebemos então que nascemos na ignorância e vamos pouco a pouco conhecendo o mundo conforme ele nos afeta. Crescemos com nossos afetos e nossos bons encontros. Quanto maior a nossa chance de experimentar várias coisas, maior será nosso conhecimento do mundo. Por isso precisamos explorar o máximo possível ao nosso redor, assim como a criança que tira todas as panelas do armário e Adão que experimenta do fruto proibido. Precisamos sentir para entender, o conhecimento é o corpo pensando, sendo afetado pelo mundo, refletindo, sobre o que aconteceu com ele: foi bom, foi ruim, foi indiferente? Espinosa nos aconselha a analisar e conhecer estes afetos para padecer menos deles. Uma ciência dos afetos só é possível se, antes de maldize-los e desprezá-los procurarmos entendê-los. Quanto mais conhecemos, mais potente nos tornamos para regular os afetos, desta forma podemos agir ao invés de sermos passivos.
Por meio desse poder de ordenar e concatenar corretamente as afecções do corpo, podemos fazer com que não sejamos facilmente afetados por maus afetos”
– Espinosa, Ética V, prop. 10, esc.
Mas nascemos e vivemos a maior parte de nossas vidas na ignorância, de modo supersticioso, reduzido a conhecimentos superficiais. O conhecimento imaginativo cria generalizações que não correspondem à realidade, ele nos limita, cria medos desnecessários e nos impede de experimentar novas sensações. Para sair desta condição precisamos compreender a causa de nossas sensações, formar um conhecimento racional dos nossos comportamentos, Skinner chamaria de “análise funcional”, já Espinosa talvez chamasse de conhecimento do segundo gênero, muito mais seguro e confiável.
Ao compreender as relações da parte com o todo, podemos entender o funcionamento, a concatenação, de causas e efeitos, saímos da contingência, onde temos a impressão de que tudo acontece por acaso e entramos na necessidade, onde começamos a perceber como as partes se relacionam. Conhecer não é julgar, não é catalogar, conhecer é compreender o funcionamento, a relação estabelecida pelas partes. Por isso o conhecimento é uma ferramenta tão poderosa, porque desta maneira nós podemos agir sobre o meio, atuar sobre o ambiente ao nosso redor com mais segurança e efetividade.
Não se pode imaginar nenhum outro remédio que dependa de nosso poder que seja melhor para os afetos do que aquele que consiste no verdadeiro conhecimento deles”
– Espinosa, Ética V, prop. 4, esc.
Disse o Oráculo de Delfos: “conhece a ti mesmo“. Mas como podemos conhecer a nós mesmos? Seria este conselho uma grande apologia à introspecção? Como podemos saber quem somos? Disse Nietzsche, na genealogia da moral: não surpreende que não nos conheçamos, afinal, nós nunca nos procuramos! Bom, precisamos pensar, talvez estivéssemos procurando nos lugares errados!
“Conhece a ti mesmo pela potência dos afetos, pelos encontros que geram felicidade, pelas relações de reforço mútuo”, é isso que diriam Espinosa e Skinner, cada um ao seu modo. O modelo de autoconhecimento do behaviorismo e da filosofia espinosista implica o contato, o estímulo do ambiente, as superfícies de encontro, não o isolamento e a introspecção dos falsos intelectuais, ingenuamente superiores por se trancarem em sua torre de marfim e escavarem seus segredos no escuro. Conhecer é tomar parte, não meramente fazer parte.
O autoconhecimento implica que você saiba como se relacionar com o mundo que te rodeia, saber minimamente de que forma as coisas te afetam. Dizer, “eu sei nadar”, quer dizer que as suas partículas do seu corpo conseguem relacionar-se com as partículas da água de modo a aumentar a sua potência, isto reforça seu comportamento de nadar. Te permite surfar, velejar, praticar exercícios físicos. O conhecimento te permite agir ou pelo menos deixar de ser tão agido assim. Saber que se é alérgico a camarão, é saber que as partículas de camarão decompõem as partes do seu corpo. É sempre uma arte dos encontros. Se o mundo é um mar de partículas em movimento, conhecer a si mesmo é aprender a nadar nas melhores correntezas. A onda é ruim para quem não sabe surfar. É este conhecimento do mundo que permite conhecer a nós mesmos: tornar-se um com o universo. Conhecer como o mundo age sobre nós é aprender como podemos agir sobre ele.
E podemos ver como este autoconhecimento é em grande parte de origem social. Diz Espinosa, nada é mais útil para o homem do que outros seres humanos, aprendemos e crescemos uns com os outros: ajuda mútua. Nossa sociedade produz conhecimento de nós mesmos, precisamos aprender a desfrutar do prazer de conhecer a nós mesmos. O problema é que muitas vezes alguém pensa por nós, nosso conhecimento é construído, inclusive o nosso autoconhecimento. Ele é uma construção social, ele faz parte de nossa história de vida dentro de uma cultura, uma sociedade, uma família, um tempo. Se nos dizem que somos pecadores, que desejamos nossa mãe quando pequenos, que somos maus por natureza, podemos cair na armadilha de acreditar. É este autoconhecimento que queremos? Conhecer nossos pecados inconscientes? Conhecer que, mesmo simbolicamente, desejei matar meu pai? Nos comportamos sem saber até que alguém pergunta: “o que é isso que você fez?”, “por que você faz isso?”, “É bom ou é ruim?”,e assim podemos nos questionar e nos conhecer melhor.
Conhecer a si mesmo é saber porque nos comportamos de determinada maneira em determinado contexto. Abrimos aqui o caminho para controlar nosso próprio comportamento, o que Espinosa define como liberdade. Queremos conhecer a nós mesmos porque estamos o tempo todo em relação com o mundo, e queremos saber como ele age sobre nós e como normalmente reagimos a ele. Somos a parte interessada neste processo, ele nos serve, é útil, gera pontos em comum sobre os quais nos apoiamos para ir mais longe. Uma pessoa que se torna consciente de si, não necessariamente através da terapia, é alguém capaz de entender melhor seu comportamento e agir de novas maneiras.
Conhecemos para melhor agir, nosso conhecimento é ação. Pensar é um comportamento. Ou, diria Espinosa, o pensamento é imanente. O conhecimento não está no inconsciente, ou na memória, ou em qualquer lugar, o conhecimento não é uma gaveta, ele não fica lá esperando até ser ativado, ele não fica passivo até ser descoberto. Conhecimento é criação! Conhecer é ter um certo repertório de comportamento: “eu conheço o caminho” significa que posso andar pelas ruas até chegar ao meu destino de forma rápida. Eu conheço de Espinosa significa que posso conversar e escrever textos sobre os conceitos deste filósofo e utilizá-los em minha vida. Conhecer é uma forma de afetar e ser afetado. Conhecimento é potência, é um modo pelo qual aumentamos nossa potência.
Frequentemente é útil falar de um repertório de comportamento que, como o repertório de um músico ou de um conjunto de músicos, é aquilo que a pessoa ou grupo de pessoas sejam capazes de fazer, dadas as circunstâncias adequadas. O conhecimento é possuído como repertório nesse sentido.”
- Skinner, Sobre o Behaviorismo, p. 119
Fica claro aqui como Espinosa se empenhou para mostrar que a razão deve se aliar-se aos afetos para tornar-se mais forte. Razão e emoção não são afetos contrários, eles são, como já disse Espinosa, paralelos, a razão pode ser afetiva e os afetos podem ser racionais. Ou seja, um não luta contra o outro em um campo de batalha, mas sim operam simultaneamente. O tempo todos somos preenchidos, seja de tristeza ou de alegria ou de outros afetos, e o tempo todos pensamos.
Skinner e Espinosa colocam o conhecimento como grande possibilidade de sair da servidão, desfazer uma subjetividade dilacerada, para então entrar na liberdade, autonomia no todo, co-autonomia. E assim nasce uma ciência dos afetos, onde podemos compreendê-los de maneira mais clara e como utilizá-los a nosso favor. O ponto de virada se dá quando podemos desenvolver, enfim, uma terapêutica para os afetos, para que o homem possa viver melhor. Racionalismo sim, dualismo não; a razão não briga com a emoção, elas se tornam aliadas.
A análise dos afetos, função do sábio e do analista do comportamento, leva a um conhecimento melhor do modo como nosso organismo se comporta. A beleza começa quando percebemos que é na e pela razão que podemos nos tornar alegres, o conhecimento nos é útil, portanto virtuoso, logo, bom. Não é uma revelação mental, é um afeto que atravessa o corpo e se faz presente como potência de ser. Que alegria constatar este fato: o conhecimento é realmente o mais potente dos afetos!
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