O meio termo, tão amado por nosso bom senso, talvez seja umas das maldições de nosso tempo. Sonhar com a média ponderada é consagrar-se a mediocridade! O medo nos impede de ir além, “tudo bem, aqui já está bom…”, ficamos sempre com o bastante para não ultrapassar a linha e nem se frustrar com a estagnação. Ficamos sempre no quase…
Das infinitas possibilidades, escolhemos previamente um percurso que vai do ótimo ao péssimo e nele tentamos achar um pedacinho confortável para habitar. Felicidade reativa, sonhos dos ressentidos. Mas nós sabemos, há tanto mais do que sonha a vã filosofia mediana! Para eles é difícil afirmar o acaso, é mais fácil viver com o provável; sem dúvida, somam seus sonhos e utopias com a miséria do seu dia a dia e tiram a média ponderada: “aqui já está bom, não vou adiante, não vale a pena…“.
“Meu filho, nem muito nem pouco, nem demais nem de menos, não exagere para nenhum dos lados: o caminho do meio”
– conselho mediano, dos medidores medíocres
Geometricamente falando, o ponto médio precisa de outros dois pontos, pois uma reta é infinita. Uma reta segmentada que vai do ponto A ao B ou do bom ao ruim (muitas vezes do bem ao mal). Essa é a necessidade de quem caminha pelo ponto médio: segmentar, cortar, significar o devir para nele achar um ponto ótimo, onde não há perdas. Mas estes medidores não sabem medir! Estão usando a régua errada!
Não procuramos o caminho do meio, o medíocre pode se contentar, mas nós com certeza não! Queremos o caminho das intensidades, onde a identidade se desintegra. Queremos a potência onde a moral desfaz. Assustador para os amantes do Ego, que se seguram com todas as forças às percepções decantadas e desencantadas que chamamos de Eu.
O caminho do meio é pouco, o Ego é muito pouco! Ele se alimenta de nosso estupor, ele se constitui através dos fluxos que procuram apenas se conservar, forças reativas. Levantamos um altar para a inércia e oferecemos nossa vida em sacrifício! Que intensidade é possível na previsibilidade de um jogo enrijecido pelo termo médio?
O caminho das intensidades não conhece meias medidas, quer ir além. Não que não saibamos medir. Sabemos que uma linha sempre é cruzada, pode ser pela Lei, a moral, a razão, os bons costumes. Mas se nós invertermos a fórmula ficará mais fácil de entender: deixemos a intensidade fazer o caminho, encontrar suas medidas, não o contrário. Aquilo que há em nós e não é fraco quer sempre ir adiante: criar, se expandir, experimentar, fazer rizomas.
Só há um caminho para a potência que é se efetuar. Se nos perdemos no caminho do meio, nos conservamos, mas deixamos de nos efetuar, criar, encontrar novos caminhos que não o 50%. Nossa vida é feita rasgando o senso comum, o bom senso, destruindo a lógica e as identificações! Criando uma língua nova com a mesma língua do cotidiano; um outro jeito de olhar, de sentir, de agir dentro do mesmo universo que habitamos, sem importar se perdemos ou deixamos de ganhar alguma coisa.
Deleuze nos ensina a criar um corpo de intensidades, um corpo sem órgãos, desorganizando a constituição que nos foi imposta, reinventado os fluxos que nos atravessam. Nietzsche nos convoca a pensar sobre a Vontade de Potência, que legisla, cria, dá. Espinosa nos incita a pensar o que pode o corpo, para além das adaptações, um corpo que volta a sentir, a afetar e ser afetado. O objetivo destes filósofos é mostrar que o rei está nu, deixar para trás qualquer forma de fascismo e monarquismo: nem Deus nem mestre! O Devir-criança, em sua inocência, não reconhece o caminho do meio como uma via possível.
Mas superar o poder, o corpo organizado, exige uma disciplina rigorosa em nós mesmos. E para isso há uma regra importante: prudência. A prudência é uma condição para a intensidade. Não estamos defendendo a porra-louquice, a baderna, a anarquia (usada aqui em seu sentido banal). A prudência é instrumento da ousadia, não se vai mais longe sem antes verificar os riscos e traçar estratégias. A prudência não pertence aos defensores do meio-termo, muito pelo contrário, é sua mais cruel inimiga (veja mais aqui).
Deixar o ego para trás é uma tarefa que se constrói com esmero, dia após dia (veja Zaratustra, do caminho do criador). É preciso prudência para ultrapassar a si mesmo, mergulhar no caos e voltar são e salvo. E mergulhar no caos é uma coisa que definitivamente os amantes do caminho do meio não fazem! Provavelmente eles diriam “só um pezinho talvez”, mas os amantes da mediocridade definitivamente não sabem nadar! Mergulhar de cabeça? Pular dando um mortal? Nunca! Isso eles não fazem, mas isso também não se faz da noite pro dia: é preciso prudência para voltar.
O caminho do meio é o caminho da segurança, dos intimidados, dos limitados, dos corpos dóceis. Nossa sociedade se alimenta deles no café da manhã e no jantar! Nem o estupor dos covardes, entupidos de moral, embotados, entregues à falência dos sentidos; nem os que se drogam para fugir, escrevem poesias para se distrair, viajam para ostentar, se masturbam para se aliviar. Nenhum deles sabe o que é o caminho das intensidades, eles são modestos, corriqueiros, medianos, vulgares, adaptáveis, banais, comuns, triviais, ordinários… e ainda pedem para ser aplaudidos!
Não somos contra as medidas, mas queremos esticar os pontos para saltar mais longe e encontrar outras possibilidades. O caminho do meio não presta porque morre na praia e nós queremos surfar. Que a intensidade seja nosso critério de seleção e medida, não a adaptação passiva e segura. Dois pontos fazem um fio, um arco que estica, nós somos a flecha que zune cortando o ar.
Republicou isso em Blog do Prof. Jean Magno.
“O mundo é o conjunto dos sintomas cuja doença se confunde com o homem” – G.D.
“[…] a prudência ajuda a reduzir o tempo do nosso estar à deriva dos curtos circuitos desse jogo que simplesmente nos adoece ainda mais.” – Luiz B. L. Orlandi
O jogo entre A ou B, bom ou ruim (muitas vezes bem ou mal); o jogo do CONFIAR ou DESCONFIAR.
vós e as afirmaçõe simulacras
hehehe
???
Eu gostei do texto. Mas achei ele o mesmo de sempre. O “novo” caminho de sempre por aqui traçado. Muda o disco. Faz um não-texto. Um antimovimento. Um contratexto. Dois textos em um texto. Já está claro o corpo do pensamento, sinto falta do pensamento do corpo.
Vai surfar!
“Criar meu web site
Fazer minha home-page
Com quantos gigabytes
Se faz uma jangada
Um barco que veleje”
certeza que chegaremos lá, caro Vinni, só não pularemos degraus!
Calma, amigo… A prudência é instrumento da ousadia…
mas garanto que o pensamento do corpo é um grito cada vez mais (des)afinado em nós!
Permitam-me discordar de ambos! 🙂
Discordo bastante da ideia de corpo e mente tratados separadamente, como se as suas expressões fossem diferentes. Vinicius, talvez o seu corpo não esteja apreciando o texto, o que é bastante diferente do texto não ser uma voz do corpo. Há textos por aí que tem mais corpo que muitas cenas de teatro… (e vice-versa, claro) e não falo só de poesia.
É um caminho, mas não vejo uma linha de chegada, muito menos uma linha reta, uma mata desbravada … Não vou chegar em lugar nenhum não, mas estarei em vários lugares!
Rafa Lauro, como você eu falo ao vivo.
Beijos
Sem dúvida! E era mais um incentivo que uma crítica… e concordo que o pensamento do corpo é um grito cada vez mais desafinado em vós (nós)… acho super bonito quando isso ocorre =)
Um dos melhores textos que li no blog.
Ah, e não se esqueça: o ponto médio numa dispersão TAMBÉM contem em si os desvios extremos. Estes nada mais fazem do que contribuir para a média do todo também.
esse texto é do Fuganti, certo?
Este texto foi escrito por mim, mas com muito inspiração nas palestras do Fuganti (aliás, já estamos preparando outros)
=D
vc tem a referência deste texto do Fuganti sobre prudência?
está no “Educação Para a Potência”, no site dele! Facinho de achar e muito bom!
grato!