Nise de Silveira, alagoana nascida em 1905, foi uma psiquiatra brasileira de grande importância. A única mulher a se formar na faculdade de medicina em uma turma com outros 157 homens, ela se distinguia em muitos pontos de seus colegas. Envolveu-se brevemente com o partido comunista, o que lhe valeu a prisão em 1936, durante a ditadura do Estado Novo, onde dividiu a cela com Olga Benário e conheceu Graciliano Ramos. Quando saiu da cadeia, 1 ano e meio depois, Nise disse que adquiriu uma “mania de liberdade”. A questão é que ao deparar-se com o hospital psiquiátrico, percebeu logo as semelhanças com a prisão, então chegou já com o ímpeto de libertar essas pessoas que a sociedade positivista considerava lixo.
Chegando ao Hospital Engenho de Dentro, que naquela época abrigava 2500 esquizofrênicos crônicos, depara-se com tratamentos que não pôde aceitar. Um colega psiquiatra prepara o paciente e pede a Nise que aperte o botão para aplicar o choque e ela responde “não aperto” – começava aí a vida profissional de uma psiquiatra rebelde. Sua recusa em utilizar não apenas o eletrochoque, mas também a lobotomia e o coma insulínico, tratamentos então recomendados nas práticas institucionais dos hospícios da época, faz Nise buscar outras possibilidades terapêuticas, o que encontra nos fazeres artísticos. Assim, ela propõe principalmente a pintura e a escultura como métodos alternativos, preocupada em transformar a loucura em algo expressivo, capaz de restituir as capacidades criativas dos sujeitos.
Por esse motivo, Nise é considerada pioneira na luta antimanicomial, uma das primeiras a denunciar a violência e a desumanidade dos tratamentos psiquiátricos de seu tempo. Mas de onde vieram estas ideias? Certamente não brotaram do nada. Toda vida é um entrelaçamento de ideias, que ganha força conforme se desenvolve nos encontros que faz. Nise da Silveira era mais que uma psiquiátrica, era uma leitora voraz e ouvinte atenta. Seu percurso de vida a levou para além do que havia sido estabelecido pela medicina e psiquiatria, ela desenvolveu uma outra epistemologia, um pensamento filosófico que levava em consideração os internos através da arte.
Ao pensar a loucura como uma maneira diferente de ver e organizar o mundo, Nise antecipa as ideias de Michel Foucault, filósofo francês de meados do século XX. O que é a loucura? Ou melhor, quem diz, e pode dizer, que o outro é louco? Se temos um modelo do que é ser normal, então todos, de alguma maneira, são um pouco loucos, por não se encaixarem no modelo definido. Nise quer mostrar (como Foucault o fará depois) que a loucura possui seus próprios caminhos, que vão muito além de um projeto de poder pretensamente científico que procura dominá-la.
Seu pensamento se afasta do mecanicismo fisiologista (cuja compreensão do humano muitas vezes é reduzida às áreas do cérebro, neurônios e neurotransmissores), bem como da poderosa psicofarmacologia (cuja aposta terapêutica é restrita à prescrição de medicamentos) e se aproxima da filosofia e da psicanálise, capazes de tratar do que Nise considerava mais essencial em uma vida: sua capacidade afetiva. É por meio do afeto e de sua expressão que a loucura poderia encontrar lugar no mundo, desempenhando, aliás, um papel revolucionário.
Carl G. Jung, psicanalista suíço que rompeu com algumas posturas dogmáticas de seu mentor, Sigmund Freud – foi a maior influência de Nise da Silveira, tanto no sentido teórico, abrindo o inconsciente para a multiplicidade de simbologias compartilhadas pelos sujeitos, mostrando o lado coletivo daquilo que até então havia sido pensado de forma atomística, quanto pela prática analítica, que possibilitava compreender a produção artística como expressão desse inconsciente. Nise enviava as mandalas de seus pacientes para Jung, que a convidou para apresentar suas ideias em uma exposição na França em 1957. Ao longo de toda a vida, Nise coordenou um grupo de estudos semanal sobre a obra do psicanalista e também suas adjacências.
Outra influência importante no pensamento de Nise é o filósofo holandês Baruch Espinosa, um racionalista do século XVII, que desenvolve as ideias de Descartes em outra direção. Dele, Nise interessava-se particularmente pelo monismo vitalista, isto é, pela ideia de que toda a substância do mundo se expressa como uma só força, que poderíamos chamar Deus, desde que este nome signifique a totalidade das diversas maneiras como as coisas se relacionam buscando uma vida ativa, afirmativa e alegre. Foi o pai de Nise que a apresentou ao filósofo ainda na infância e, muitos e muitos anos depois, aos 90 anos, ela publicou o livro “Cartas a Spinoza“, onde escreve ao filósofo sua relação com seu pensamento:
“Todos os seres, todos os elementos da natureza, todas as coisas deveriam ser tratadas com reverência” – Nise da Silveira, Cartas a Spinoza
Nise da Silveira, mulher, alagoana, médica, pensadora foi, acima de tudo, o ponto central de uma rede de pessoas que se movimentou em prol do cuidado da loucura. O que não faltam são frutos de sua intensa atividade. Para dar apenas um exemplo: hoje o Museu das Imagens do Inconsciente, fundado por ela em 1952, conta com 352 mil obras produzidas no contexto da arte terapia voltada para a saúde mental. Passados já 25 anos de sua morte, observa-se que, mais do que um corpo de conhecimento ou escola de psiquiatria, Nise fortaleceu uma luta coletiva, que se prolonga nos dias atuais, promovendo novas perspectivas sobre saúde, arte e loucura.
A Doutora Nise da Silveira, foi uma Mulher Heroíca, que presenciou as Maiores Atrocidades, Cometidas por Técnicos de Saúde, em Pacientes, se Horrorizou, e Denunciou, estas Atrocidades, Denunciou-as sendo Profundamente Odiada, por Psiquitras Desumanos, e Criminosos, Paz a Sua Memória.
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