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Na mitologia encontramos várias repetições do sem sentido: Íxion, amarrado por Zeus em uma roda e condenado a queimar eternamente girando em círculos; Tântalo, sentenciado a nunca conseguir beber nem comer, depois de ter roubado ambrosia, a famosa comida dos deuses; e o famoso Sísifo, o mais esperto dos mortais, condenado a empurrar uma pedra ao topo da montanha apenas para vê-la novamente rolar encosta abaixo. Três reis, três condenações à eterna repetição do sem sentido. Nietzsche foi o quarto condenado pelos deuses, e suportou o Eterno Retorno com a mesma elegância de seus nobres colegas.

Existem várias formas de expor e suportar a falta de sentido da existência, e Nietzsche, antes mesmo de Camus, nos ensinou a tirar algo de valioso do sem-sentido e das repetições através do Eterno Retorno. Mas existe um demônio ainda mais assustador, que nem mesmo Nietzsche, diplomata de Dionísio, anunciador do Super-homem, ousou encarar. Um demônio que vem do fundo do sem fundo, das profundezas mais obscuras do Universo, da completa escuridão sem fim que engole tudo em seu caminho. Neste distante recanto do Cosmos, nem mesmo Nietzsche ouviu seu rastejar, e mesmo que ouvisse, seria difícil compreender aquilo que ele sussurrava, porque suas palavras começavam a ser traduzidas apenas em sua época. Elas diziam mais ou menos assim:

“Ó pequeno anunciador do Eterno Retorno, não vês que o universo está condenado? O fim é inevitável, é lento também, mas gradual e irreversível. Eu sou o grande destruidor do universo, o devorador da existência, a encarnação da morte, depois de mim, nada volta para o mesmo lugar; tudo que toco desmorona, se desfaz no ar, se desintegra, parte por parte, átomo por átomo. Você é capaz de ouvir o universo ruindo? Sou eu me aproximando, o destino final, a pulsão de morte, a força indefectível de aniquilamento. É difícil aceitar que o Cosmos será engolido por mim? Que morrerá em definitivo e você junto com ele, partícula de poeira? Sim, até mesmo a eternidade é efêmera para mim”

Será que Nietzsche suportaria o demônio que assim lhe falasse? Como suportar o Eterno Não Retorno de todas as coisas? O Eterno Retorno do mesmo costurava em um círculo o sem-sentido do mundo, e oferecia uma saída ética. Mas o que fazer quando este círculo se torna uma flecha em direção à fragmentação absoluta? Como reescrever o aforismo nietzschiano à luz das evidências dos nossos tempos? Como seria o Eterno Retorno da Entropia?

A mais destruidora das forças – E se um dia, ou uma noite, um demônio ainda mais assustador lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: …‘Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você nunca mais a viverá, nem por incontáveis outras vezes; e nenhuma coisa haverá de se repetir nela, nenhum prazer e nenhuma dor, nada de inefavelmente grande ou de pequeno se repetirá em sua vida, e nem este suspiro e nem estes pensamentos lhe sucederão novamente nesta sequência e ordem  – e assim também esta aranha e este luar entre as árvores, e também este instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir continuará a fluir, lentamente se esvaindo, eternamente destruindo tudo em seu caminho – e você com ela, partícula de poeira!…”

Qual foi a ingenuidade do raciocínio nietzschiano? Simples, ele postulou que o universo era eterno (ou seja, possuía um tempo infinito) mas a sua matéria era limitada (restrita em um espaço finito). Conclusão, em algum momento, o número de repetições do cosmos acabaria e ele teria que repetir as mesmas posições anteriores. Pobre filósofo! Não sabia que o abismo do Universo era infinitamente mais profundo e assustador.

Todas as mudanças, sem exceção, anunciam uma única e mesma coisa: o Universo está morrendo. Ele não flui em direção ao mesmo ponto, ele flui para lugar nenhum. Foi isso que impossibilitou a teoria Cosmológica do Eterno Retorno de Nietzsche: não ocorrerá um eterno retorno físico do mesmo, esta teoria se tornou cada vez mais improvável, cedendo lugar à hipótese de uma morte térmica do universo. O Universo se derrama no abismo, se encaminha para uma morte final onde nada mais acontece.

A pergunta talvez seja sobre a nossa capacidade de enfrentar este novo Demônio, que se anuncia destruindo tudo o que amamos. E o começo de uma resposta está aí: qual a sua força de dissolução? Afinal, o Sol continua a brilhar praticamente com a mesma energia de ontem. Tudo está em dissolução, mas em que velocidade? Existe aqui uma diferença de quantidade e proporção.

Lição Cosmológica de impermanência que vai além de Heráclito: tudo passa, até o fogo criador. Lição ética: tudo passa, mas em que ritmo, com que força? O que nós queremos conservar e o que nós podemos deixar ir? Existe em nós  tanto a capacidade de preservar as coisas da roda da entropia quanto a capacidade de acelerar o processo de dissolução das coisas. Então, retornamos à questão dos Valores! Isso mostra como Nietzsche teria encontrado seu novo peso no debate cosmológico contemporâneo, não precisaria novamente buscar abrigo entre os estoicos antigos.

Sendo assim, uma reformulação é possível. O eterno não retorno de todas as coisas é também uma questão ética, eis o pensamento: “imagina que esta é a única vida que você tem. Você não vai viver nenhuma outra, nunca mais. Ela faz sentido nela mesma?”

“Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão “Quero viver isso mesmo sabendo que é efêmero? Que nunca mais voltará a acontecer novamente?”, esta questão pesaria sobre os seus atos como o maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela?”.

Veja também a série “Eterno Retorno” para uma compreensão maior deste conceito

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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Alexandre
Alexandre
1 ano atrás

Realmente não entendi qual foi a finalidade aqui. pensar em viver a mesma vida várias vezes eternamente é pior do que viver a vida uma única vez. E Nietzsche ,em seus fragmentos póstumos, deixa claro sua falta de “crença” na repetição cíclica admitindo-a como possibilidade e ideia. O que nos leva a deduzir que ele não tinha certeza sobre um universo eterno.

Last edited 1 ano atrás by Alexandre
VH
VH
1 ano atrás

Absolutamente despropositado e limitado este texto. O eterno retorno em Nietzsche não advém de uma leitura profética que ele faz do universo. O eterno retorno diz da condição humana, imposta pela morte de deus, da perda de um horizonte. É obvio que o filósofo estava ciente e não contestava a finitude (do ser e das coisas), o que ele aponta é para o fato de que, para o ser, não há salvação. Para além de uma existencia pautada em uma fé que desmoraliza a vida, por privilegiar a pós-vida, Nietzsche chama a atenção para a vida. Em o eterno retorno,… Ler mais >

Rafael Lauro
Admin
Reply to  VH
1 ano atrás

Olá,

Acho que você não entendeu que neste texto a crítica é uma espécie de homenagem e também nem percebeu que temos outros 4 textos sobre o Eterno Retorno em Nietzsche (https://razaoinadequada.com/filosofos/nietzsche/eterno-retorno/), além de um curso inteiro sobre o tema e vários podcasts.

Abraço.

Renato
Renato
5 meses atrás

Se o Universo terá um fim, ele nâo pode ser recriado num Eterno Retorno?