A meteorologia é bem antiga. Esta palavra vem do grego e significa o estudo dos corpos celestes, ou seja, qualquer coisa acima de nossas cabeças: do vento soprando do mar até as estrelas fixas mais distantes. Este era o vasto campo de estudo da meteorologia, e muitos filósofos se dedicaram a ela. Hoje a palavra meteoro¹ existe para falar de um corpo celeste que se atinge nossa atmosfera, enquanto a meteorologia se dedica a estudar cientificamente o clima.
Os meteoros sempre causaram assombro – além de inúmeras superstições – quando rasgavam a atmosfera iluminando o céu porque a sua contingência quebrava com a ordem aparentemente tranquila e regrada do cosmos. Gostamos de regularidades e quando um algo estranho acontece de repente, isso nos relembra da contingência do mundo. Uma luz simplesmente aparece, chega sem ser anunciada, e às vezes causa grandes estragos. Como prever o incerto? Como não temer o inesperado? Os antigos se debatiam com estas ideias sem chegar a nenhuma conclusão definitiva.
Os cometas também eram um grande assunto de discussão, o que são eles? Alguns padres disseram que se tratava de exalações dos pecados que subiam para a atmosfera e depois eram incendiados pela ira divina! Elucidativo… um jeito criativo de juntar um fenômeno celeste com um fenômeno humano, demasiado humano. Mas não, não são exalação de pecado, são muito simplesmente corpos celestes feitos de gelo e poeira que começam a queimar quando se aproximam do Sol durantes suas órbitas elípticas. Os estudiosos antigos não aceitavam o fato de que a perfeição do céu pudesse conter algo tão banal como pedras imensas e defendiam que estes fenômenos naturais precisariam estar muito próximos de nós, abaixo da órbita da Lua, porque era impossível algo tão estranho compartilhar seu espaço com as estrelas fixas, perenes e plácidas.
Fundamos nossa vida no equilíbrio e na estabilidade, gostamos de traduzir o movimento do mundo na regularidade do hábito. Nos tornamos muito bons nisso! Afinal, desde o surgimento da espécie humana, nos mantivemos vivos graças a esta capacidade. A natureza fez sua parte, trocando sempre o dia pela noite, e sucedendo as fases da lua com constância e pontualidade. Nos acostumamos com o hoje ser parecido com ontem e concluímos que o amanhã será similar. Outros ciclos são ainda maiores, toda cultura humana possui alguma maneira de dizer: primavera-verão-outono-inverno. Na Índia é comum dividir as estações em quente, fria e chuvosa, já o povo Guarani define apenas duas duas grandes estações: Ara Ymã, que é o nosso outono e inverno, e o Ara Pyau, que corresponde à primavera e ao verão. Dentre estas ciclos maiores, Maias, chineses, egípcios e babilônios deixaram registros detalhados do ciclo da lua, das estrelas e dos planetas, com os quais formavam calendários elaborados. A precisão desta contagem ajudava a marcar o transcorrer das estações e dos anos, que eram sinalizadas com ritos de passagem, o solstício de versão e inverno sendo um dos momentos mais importantes³.
Compreender a periodicidade do tempo é uma das nossas maneiras de relacionar-se com os Deuses. E a imprevisibilidade dos fenômenos meteorológicos era a prova definitiva da sua liberdade e superioridade. Mesmo os astros, precisos como os ponteiros do relógio, às vezes começavam a retroceder em seu movimento habitual e pareciam possuir vida própria. Tudo isso parecia ser algum tipo de sinal, uma ameaça de que mesmo a ordem natural podia ser quebrada por eles. Aliás, é provavelmente esta insegurança que fizeram os deuses serem cultuados. Eles não eram apenas admirados ou temidos, eram também manipulados. O deuses existem para o nosso interesse. A religião desde sempre agiu como uma maneira de obter o favorecimento dos deuses. E se Thor, Zeus, Javé, Baal – entre outros – são divindades responsáveis pela chuva, então inúmeros ritos procuravam instigar a sua benevolência.
Toda cultura humana procura obter o favorecimento dos deuses através de rituais que mantêm a ordem do mundo. Mas e quando a chuva não vem, o que fazer? E quando os deuses não aceitam mesmo o nosso sacrifício mais precioso? Em nosso desespero, sentimos que fizemos algo de errado. A colheita foi pequena demais? Deve ser algum tipo de punição! O rio encheu demais? Então os deuses devem estar bravos. Antes do desenvolvimento de instrumentos de medição, a meteorologia era assunto divino. Faz sentido, afinal, quem mais teria força o bastante para influenciar na ordem do cosmos senão os deuses?
O problema é que esta ordem em certos momentos se desequilibra e ameaça desmoronar. É fácil imaginar o horror de uma enorme tempestade, um maremoto, uma enchente. Foi sempre com muito esforço que os seres humanos se empenharam para encontrar uma regularidade, e é com grande desejo que anseiam pelo retorno à calmaria e previsibilidade. Mas os planetas parecem ter humores que são difíceis de decifrar. A vontade dos deuses é muitas vezes insondável. Em outras palavras, tudo está no lugar até não estar mais. A chegada de um Asteroide não vem apenas para nos assustar, ele pode mudar profundamente a ordem estabelecida do mundo. Esta quebra da ordem natural implicaria em toda uma reorganização da vida.
Quantas vezes queremos voltar e o lugar não está mais lá? A palavra desastre vem disso, a ordem do cosmos foi quebrada. E de certo modo, vivemos num eterno desastre. Quem nunca ouviu a expressão de conversa de elevador: “nossa, como o tempo está maluco”? Às vezes a chuva vem, às vezes não, às vezes um asteroide cai, muitas vezes não. No limite, nos resta o mistério, o que os deuses querem? Não sabemos. E exatamente por isso vamos mais longe, porque não sabemos exatamente de onde viemos e nem para onde vamos.
Glossário
- Asteroide, aster-eidos, semelhante às estrelas, corpos rochosos, com mais de 1km de tamanho, a maior parte deles está entre Marte e Júpiter
- Meteoroide são pequenos fragmentos de grandes rochas espaciais que se aproximam da atmosfera terrestre. Podem ser cometas ou asteroides.
- Ao atingirem a atmosfera são chamados de Meteoro. O atrito faz eles queimarem, então apresentam a luminosidade os faz se transformarem em estrelas cadentes
- Se algum fragmento atinge a terra, é chamado de meteorito
- Cometa: kométes, que significa astro cabeludo. Possuem gases e gelos solidificados pelas baixas temperatura
Referências:
- Nova Aliança – Stengers e Prigogine
- História das Religiões – Hume
- Breve História do Mito – Karen Armstrong
TRINDADE, Rafael. Meteorologia. Razão Inadequada, 2024. Disponível em: <https://razaoinadequada.com/2024/06/10/meteorologia/>. Acesso em: [inserir dia, mês e ano].
muito massa, vim pelo Piter professor