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Livrem-se das velhas categorias do Negativo (a lei, o limite, as castrações, a falta, a lacuna) que por tanto tempo o pensamento ocidental considerou sagradas, enquanto forma de poder e modo de acesso à realidade. Prefiram o que é positivo, múltiplo, a diferença à uniformidade, os fluxos às unidades, os agenciamentos móveis aos sistemas. Considerem que o que é produtivo não é sedentário, mas nômade”

– Foucault, Para uma Vida Não Fascista

Nos acostumamos a pensar em torno de hierarquias e dentro do campo do bem e do mal. A tarefa de viver uma vida não fascista passa pelo campo do cuidado de si! Viver é uma questão de Ética, não de moral! Sim, primeiro, e antes de mais nada, é preciso limpar o terreno. Afinal, estamos contaminados pelas pequenas relações de poder que nos atravessam. Se fizéssemos só isso já seria ótimo! Este gesto simples já permitiria que muitas outras coisas acontecessem! Mas é claro que sabemos que a coisa não para por aí. O desejo nunca permanece estagnado, ele quer sempre ir além.

Neste sentido a psicanálise foi muito criticada por Foucault porque este a considerava uma versão disciplinar da filosofia do sujeito, juntamente com a psiquiatria e a psicologia em geral. Estes são nossos inimigos, vocês se lembram? Qualquer teoria que se feche e qualquer desejo que atua por hierarquização são nossos adversários. Sendo assim, podemos dizer que estamos procurando por uma filosofia menor. E é claro que não estamos sozinhos! Muitos outros filósofos já seguiram este caminho antes de nós.

Queremos perturbar o sujeito racional, coerente e unificado! Afinal, procuramos por uma Razão Inadequada! Por isso Foucault sempre se interessou pelo que o sistema chamou de monstruoso, perigoso, anormal, doentio, degenerado, ele queria encontrar o que havia de nômade e insubmisso no pensamento e na vida. O fascismo é a busca pelo UNO, a vida não fascista só pode ser então o desejo de não unificação, o esforço pelo aberto, pelo novo, pela multiplicidade.

O próprio inconsciente precisa se abrir para esta aventura. Não há mais limitação, lei, castração, existe apenas a potência de ir além, que se liga em rizomas e fluxos com outras potências. Nada falta, mesmo sabendo que não se pode tudo. A potência encontra seus limites imanentes. Mas estamos o tempo todo no campo da positividade. E é esta a intenção de Foucault, porque o pensamento é aquilo que se abre para o novo, somete assim pode ir além. Caso se renda à representação, nunca encontrará aquilo que pode devir no seio do acontecimento.

O intelectual, para Foucault, não pode ser ressentido nem infectado de má consciência para filosofar! Ele precisa aprender a variar tanto quanto seu pensamento. Caso contrário condenará o mundo à sua falta de perspectivas e tristeza eterna. O intelectual triste viverá de maneira igual ao seu pensamento, e contaminará a todos com sua impotência. O niilismo passivo se mistura imperceptivelmente na intelectualidade que fecha o mundo para novas possibilidades.O nomadismo não combina com a cátedra, o pensamento produtivo quer circular pelas barricadas, salas de aula, protestos, cursos livres, ele vai da praça à sala de conferências.

Outro cuidado importante a se tomar é não ceder aos falsos movimentos, e isso fazemos muito! Onde um comercial de televisão nos convence de que a diferença já está aí, nós preferimos desligar o aparelho e ver com nossos próprios olhos se isso se confirma no mundo. Onde o marketing afirma que o Novo é a sua marca, nós respondemos que queremos ir para além da representação e encontrar a diferença pura, sem etiquetas. Quando os políticos afirmam que o diferente é igual, e o mesmo é outro, nós precisamos verificar ali, com todo o nosso corpo. A vida está contaminada de falsos movimentos, todo cuidado é pouco, para não ficarmos rodando sempre no mesmo lugar.

A potencialização dos desejos é ação criadora e transformadora de si. Abrir-se para o afirmativo é experienciar processos de devir que nos modificam e criam novas maneiras de nos relacionar. Precisamos estar dispostos a deixar nossa casca para trás. A estética da existência, diz Foucault, procura dar conta de um estilo de vida não conformado, mas que se recria continuamente. O nômade carrega a casa nas costas. Apenas aquilo que se afirma até o fim é capaz de gerar algo novo. Foucault acredita na vida não fascista, por isso se esforçou e militou tanto, era um inconformado com as vidas pequenas. Talvez por isso o filósofo francês irrite tanto: A vida sedentária lhe causa horror, apenas a produção de diferença o interessa.

Texto da Série:

Vida Não-Fascista

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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