É preciso conhecer tanto a potência de nossa natureza quanto a sua impotência, para que possamos determinar, quanto à regulação dos afetos, o que pode a razão e o que não pode”
- Espinosa, Ética IV, prop 17, esc
Espinosa tem uma grande preocupação ao desenvolver sua filosofia: por que os homens lutam por sua servidão mas pensam lutar por sua liberdade? Isso é um problema de conhecimento. Mas, ainda assim, o homem, como diz Ovídio, muitas vezes vê a coisa certa mas segue fazendo a coisa errada; entramos aqui no problema do controle. Como podemos viver sem estar tão profundamente tomados pela servidão humana? Como poderíamos deixar de ser escravizados pela força do mundo sobre nós? A servidão é mediada pelas coisas, ela é relação direta entre nós e o ambiente.
Analistas do comportamento veem controle como um fato da natureza, a ser investigado e descrito, mas o público vê os analistas do comportamento como defensores do controle e, portanto, da coerção”
- Sidman, Coerção e suas Implicações, p. 45
Quantas condenações injustas já não sofreu o behaviorismo ao trazer o conceito de controle. “Os behavioristas desumanizam o homem ao tratá-lo como um robô que emite respostas”, dizem, “os behavioristas são reacionários e antidemocráticos”. Não é nada disso, e não podemos continuar sem antes esclarecer a natureza do controle. Para Skinner, (e podemos dizer também, com outras palavras, para Espinosa) sempre há controle, a questão é entender e avaliar que tipo de controle queremos. O controle por reforço é diferente do controle por punição, por exemplo. O controle por reforço positivo, por sua vez, é diferente do controle por reforço negativo. Cada um afeta de uma maneira e traz diferentes consequências. Onde e como queremos estar, já que, invariavelmente estamos?
O controle é simplesmente algo da vida, isso porque o mundo é algo muito maior que nós e nos arrasta de um lado para o outro sem que saibamos ou possamos resistir. Precisamos lidar com este fato, o mundo nos supera e nós podemos apenas, o que já é muito, aprender a nos relacionarmos com ele. Mas o controle está aí do mesmo modo que o mundo está aí, ou seja, ele existiria mesmo se Espinosa não tivesse escrito a quarta parte da ética e Skinner não tivesse escrito a ciência do comportamento. Servidão, em Espinosa, é uma força exterior maior que a nossa capacidade de autodeterminação.
Não existe, na natureza das coisas, nenhuma coisa singular relativamente à qual não exista outra mais potente e mais forte. Dada uma coisa qualquer, existe uma outra, mais potente, pela qual a primeira pode ser destruída”
- Espinosa, Ética IV, Axioma
O comportamento muda conforme muda o contexto e conforme nossa força para atuar nele, e aí está a possibilidade de fuga, ligar-se ao que pode. Nos dois autores, o homem não é um ser passivo esperando ser estimulado. “Na transferência do controle do homem autônomo para o ambiente observável, não deixamos atrás de nós um organismo vazio” (Skinner, O Mito da Liberdade). Pena daqueles que pensam assim… mas não deixaremos que estas falsas noções do behaviorismo prevaleçam.
O homem não é um ratinho em uma caixa de Skinner apertando uma barra para receber água, como muitos acusam a visão de homem do behaviorismo. Essa acusação, de ser supersimplista, ignora o que já dissemos no texto sobre o corpo, mas podemos repetir: o homem é um organismo de enorme complexidade, com uma variedade quase infinita de respostas possíveis para seu ambiente. Como diria Espinosa e Skinner, ele é afetado pelo ambiente, claro, mas por sua vez, o afeta também.
Nem todo controle é coercitivo, coerção é uma subcategoria do controle. Ou seja, somos sempre controlados pelo ambiente, porque agimos em relação a ele, a um contexto, a situações, a momentos e acontecimentos. Entre controle e autocontrole está uma mudança sutil. Saímos do ser parte para tomarmos parte. Como tomamos parte? Agindo no mundo, mudando nosso ambiente! Nossa sociedade produz pessoas, precisamos aprender a produzir a nós próprios!
Conduzidos pela razão, apeteceremos um bem maior futuro, de preferência a um bem menor presente; e um mal menor presente, de preferência a um mal maior futuro”
– Espinosa, Ética IV, prop. 66
Voltamos novamente à questão do conhecimento tratada no texto passado. Não conhecer o que nos controla é não poder agir sobre as contingências, aí está a servidão. E onde se encontra a liberdade? Conhecer para poder agir, os dois andam juntos. O autocontrole envolve uma questão importante, ele nasce junto com o autoconhecimento e nos permite agir melhor. Nós agimos no mundo, não apesar da natureza, mas por causa dela, porque sabemos que temos condições de termos uma vida melhor.
Quanto mais aumentamos nossa potência de agir, mais aprendemos a regular nossos afetos. O autocontrole é essa manipulação de algumas variáveis do ambiente através dos quais o comportamento é função. Manipulando o ambiente, aumentamos a probabilidade futura da emissão de certo comportamentos que já foram reforçadores no passado. Exemplos dos mais banais seriam: colocar um despertador para acordar no dia seguinte, fazer lembretes, tirar a carne do congelador para cozinhá-la no dia seguinte, carregar o celular antes de sair de casa, levar um guarda-chuva.
Se reconhecermos a existência do controle comportamental e o estudarmos, podemos fazê-lo trabalhar em nosso benefício”
- Sidman, Coerção e suas Implicações, p. 47
Esta forma de agir no mundo indica um aumento do conatus, um aumento de potência do indivíduo. Por quê? Quando o homem aumenta a sua capacidade de agir no mundo, ele aumenta a potência de selecionar os encontros que fará, desta forma, a chance de efetuar mais bons-encontros aumenta. E, como já vimos, isto retorna como mais conatus, fazendo a roda de bons encontros girar cada vez mais rápida. Não é necessário pensar em uma alma, uma mente, muito menos em um inconsciente… já está tudo aí…
Conduzidos pela razão, buscaremos, em função de um bem maior, um mal menor, e rejeitaremos um bem menor que seja causa de um mal maior. Pois, neste caso, o mal que se diz menor é, na realidade um bem e, contrariamente, o bem que se diz menor é , na realidade, um mal”
- Espinosa, Ética IV, prop 65. esc
O autocontrole está diretamente relacionado com os reforços positivos e negativos, ou talvez, com os bons e maus encontros que fazemos pela nossa vida. Escolher entre a recompensa maior no presente com possíveis punições no futuro mostra que os afetos nos controlam, somos passivos, controlados de fora pelas paixões (sim, como disse Deleuze, existem paixões tristes).
Exemplo: Eu sei que sou agressivo, eu sei que certas situações me irritam, então, para ter uma vida melhor, para não cair em uma agressividade que só prejudicaria a mim e aos outros, eu evito situações que me irritam, evito pessoas que me irritam, evito lugares que me irritam. Isso em um primeiro momento, porque não se pode viver apenas de esquiva. Ao mesmo tempo, essa seria a intenção da clínica, eu procuro entender em mim, porque certas coisas me irritam tanto, e procuro entender porque certas características externas me irritam tanto, o que na minha história modelou meu comportamento, como foi que me tornei alguém que sente e age assim. Desta forma passo a ter mais controle sobre o ambiente e a maneira pela qual me relaciono com ele. Parece simples, parece até ingênuo, mas pouquíssimas pessoas fazem isso e é desta simplicidade que as coisas podem evoluir e se tornarem gradualmente mais complexas. É claro que a infância foi em parte responsável por isso, o behaviorismo chama de ontogenética.
Escolher entre uma recompensa maior no futuro, resistindo ao reforço imediato, alguns chamam de “força de vontade”, nada mais é do que um homem ativo agindo para modificar seu ambiente. No fim das contas, o que o autocontrole faz é apenas modificar o mundo para obter dele mais reforçadores, ao invés de ser levado por ele, incapaz de agir.
Saímos da moral e entramos na ética. Sem autocontrole e sem autoconhecimento não temos a chance de sermos livres! Ainda assim, precisamos antes experimentar a felicidade, para que ela ganhe força. Mas isso já é assunto para outros textos…
Na concepção vista behaviorista, o homem pode agora controlar seu próprio destino porque sabe o que deve ser feito e como fazê-lo” - Skinner, Sobre o behaviorismo, p. 212
Revisão: Johny Brito (johny.brito@gmail.com)
Quem foram os brisados que fizeram essa ilustração?
Rafael,
Vou ligar para o setor de Ilustrações e perguntar. Retorno assim que tiver a informação. Obrigado!
Poderiam, por gentileza, desenvolver mais esse tema. Muito interessante
Excelente abordagem do tema, parabéns!
Razão Inadequada, Muito Obrigado por vocês existirem