De que maneira obter o prazer ‘como convém’?”
– Foucault, Uso dos Prazeres, p. 67
Quando os gregos se fazem esta pergunta, eles estão procurando por um princípio. Claro que não um princípio transcendente, mas um princípio imanente, válido, ao qual o prazer se submeta. Não se trata nunca do prazer em si, mas em seus usos, os tipos de sujeição ao qual a prática desses prazeres deveria submeter-se para ser valorizada.
Se a Aphrodisia era a substância ética, o material bruto sobre o qual os gregos se debruçavam, a Chrésis será a maneira pela qual o indivíduo se dirige, qual sua conduta determinada. Qual a importância dos atos sexuais? Em quais momentos? Com quem? O que ele se permite e o que se impõe? Enfim, ao trazer o conceito de Chrésis, Foucault procura mostrar quais os tipos de sujeição possíveis neste campo do saber.
Há de se considerar uma gama variada de possibilidades para a expressão do sujeito sexual dentro das relações da cidade. Trata-se de encaixar-se numa dinâmica mais do que numa canônica. Os gregos consideravam três elementos:
Necessidade: ora, por que envergonhar-se de seus impulsos sexuais se eles são parte da natureza? Lembramos a anedota de Diógenes, o Cínico, que se masturbou em praça pública para se aliviar, e lamentou que o mesmo não pudesse ser feito para a fome, esfregando a barriga. Ou seja, o ato de Diógenes expressa que o ato sexual faz parte da natureza, e não a contraria, por definição, apenas pelo uso.
Sendo assim, a sexualidade se encaixa dentro da ética de si da mesma maneira que qualquer outra atividade. Que uso fazemos? Como ela convém? É preciso pensar uma sexualidade virtuosa, de modo que potencialize o sujeito. Não podemos esquecer Espinosa quando diz o que é bom é também útil e virtuoso; os gregos atentavam para que o ato sexual não ultrapassasse os limites do útil, nem levasse à ruína.
O prazer excessivo traz o embotamento. Uma espécie de fechamento para outros prazeres que poderiam advir caso fizéssemos bom uso deles. A alimentação exagerada, por exemplo, é prejudicial, por mais prazerosa que possa parecer. Os gregos nunca falam contra os prazeres, diz Foucault, mas sabem que ele tende ao excesso e por isso se precavem.
A temperança não pode tomar a forma de uma obediência a um sistema de leis ou a uma codificação das condutas; ela também não pode valer como um princípio de anulação dos prazeres; ela é uma arte, uma prática dos prazeres que é capaz, ao ‘usar’ daqueles que são baseados na necessidade de se limitar a ela própria”
– Foucault, Uso dos Prazeres, p. 71
O segundo elemento seria o Kairós: o momento oportuno. Sendo este um dos mais importantes, que por isso ocupa um lugar estratégico na delicada arte de obter prazer. Os gregos sempre se perguntaram pelo melhor momento, pelo momento oportuno sabendo que para obter o máximo de um prazer é preciso também procurá-lo no momento certo.
Essa preocupação se encaixa perfeitamente na ordem dos encontros que Espinosa nos traz. O prazer não é um bem em si, ele nasce da ordem dos encontros, um prazer na hora errada pode muito bem não ser um prazer. Ou seja, depende da disposição do nosso corpo e do corpo do outro. Nós mudamos tanto quanto o mundo muda, reconhecer isso e encontrar a melhor relação com os fluxos é uma sabedoria muito valorizada pelos gregos.
Há toda uma “política do momento” em todos os domínios do prazer. Não foi à toda que os gregos pesaram os prazeres dentro de seu momento oportuno, vários aspectos da vida deles era pensada desta forma: o dia, manhã tarde noite; o ano, com suas estações específicas; a vida, infância, idade adulta e velhice. Para os gregos, cada prazer tem seu momento, onde sua intensidade pode ser bem aproveitada.
O último elementos no qual os gregos submetem seus prazeres é o status. Nem todos os prazeres tem o mesmo status, importância, valor e cada forma de submissão aos prazeres dá ao homem um valor diferente. Diz-me quais são seus prazeres e eu te direi quem tu és, diriam os gregos. Claro, diz Foucault, em uma sociedade de homens livres (termo discutível) havia uma preocupação de quem teria ascendência sobre o outro na ágora. Como poderia alguém querer governar se antes não governasse a si mesmo? Como ouvir alguém e segui-lo se ele não seguisse e conduzisse nem a si mesmo?
Um princípio geralmente admitido é o de que quanto mais se for visado, mais se tiver ou se quiser ter autoridade sobre os outros, mais se deve buscar fazer de sua vida uma obra resplandecente, cuja reputação se estenderá longe e por muito tempo, mais será preciso se impor, por escolha e vontade, princípios rigorosos de conduta sexual”
– Foucault, Uso dos Prazeres, p. 75
Ora, por que submeter os prazeres? Para tirar deles o melhor, para ser ativo na escolha dos prazeres em vez de carregado por ele. Não há nada de bom nem de mau nos prazeres em si, tudo é uma questão de ajustamento, circunstância e posição social. Os gregos instauram uma casuística dos prazeres. Há uma grande espaço para o prazer se movimentar e encontrar seu lugar próprio. Os gregos são ativos, há uma prática dos prazeres, uma preocupação com seu uso.
Portanto, não é universalizando a regra de sua ação que, nessa forma de moral, o indivíduo se constitui como sujeito ético; é, ao contrário, por meio de uma atitude e de uma procura que individualizam sua ação, que modulam e que até podem dar uma brilho singular pela estrutura racional e refletida que lhe confere”
– Foucault, Uso dos Prazeres, p. 77