Querido diário, minhas férias de verão foram incríveis. Fizemos os preparativos para uma grande viagem até a lua. Foi bastante trabalhoso, mas o governo dos Estados Unidos ajudou bastante, principalmente na construção do foguete e das roupas espaciais. Confesso que a viagem não foi das mais agradáveis, senti muito enjoo na ida e a volta foi particularmente turbulenta. A comida também não era das melhores, uma combinação insossa de alimentos pré-embalados e desidratados. Mas eu e meus amigos Buzz Aldrin e Michael Collins nos divertimos à beça quando chegamos lá. A Lua era toda cinza e cheia de poeira, foi muito legal pular por aí com o traje espacial, depois te mando um vídeo. Infelizmente não pudemos levar muita coisa, e não dava para ficar muito tempo, porque a estadia lá era extremamente cara, mas confesso que naqueles poucos dias, apreciei a vista mais espetacular de toda a minha vida. Ah, só mais uma coisa, eu trouxe uma lembrancinha para guardar de recordação, um pedaço da lua. Enfim, foram férias muito boas” – Neil Armstrong, 25 de julho de 1969.
Neil Armstrong não foi um menino sonhador escrevendo uma redação de férias para a escola. A missão Apollo 11 realmente aconteceu e era extremamente perigosa, quase suicida, com riscos que levariam a maioria de nós a desistir rapidamente da viagem. Além disso, o objetivo da missão não era se divertir saltando pelas dunas do mar da tranquilidade. Muito pelo contrário, havia uma grande tensão no ar, a guerra fria estava em seu auge e a corrida espacial decidiria qual seria a grande potência mundial. O desafio foi conquistado quando a bandeira americana foi fincada em solo lunar, e o ato transmitido em todos os televisores do mundo.
Esta história é apenas a introdução para as reflexões deste texto. Conhecemos os motivos que levaram os astronautas da Apollo 11 tão longe, mas para nós, que somos eternos terráqueos, por que viajar? As respostas mais comuns são “para descansar, mudar de ares, ter novas experiências”, mas podemos ir além. Se viajar é ter a oportunidade de entrar em contato com outro clima, outra cultura, outra comida, outros hábitos e outras músicas, então este ato consiste em ver o diferente mais de perto, é provar a diferença com os sentidos, é mover-se deliberadamente em sua direção, até que ela nos toque.
Aqui está uma boa questão, o que instiga o viajante é a sua sede pelo desconhecido, pela novidade, pelos encontros. Viajar é estender-se numa nova direção, permitindo que o insólito se aproxime, e nos surpreenda. É deslocar-se até a fronteira, para ser afetado pelo exterior. Pode ser um prato apimentado, uma praia paradisíaca ou um animal deslumbrante. É dirigir-se na direção do incomum, para subjugar a mesmice, transformando e abalando a monotonia que nos entorpece. Para dizer mais uma vez, viajamos para experimentar de perto a diferença.
E o que levar numa viagem como esta? No caso da Apollo 11, os astronautas dispunham de um espaço extremamente limitado para itens pessoais, sendo assim, escolheram cuidadosamente o que levar. Neil Armstrong levou a medalha de uma Expedição que fez à Antártica; Buzz Aldrin, mais religioso, levou uma cruz e uma Bíblia; enquanto Michael Collins levou apenas uma foto da sua família. Ao sair, leva-se uma parte de si consigo, como um lastro que nos conecta ao mundo do qual viemos. É perigoso se perder ao viajar, e os objetos pessoais nos ajudam a nos lembrar de quem somos.
Também é importante saber por quanto tempo viajar. No caso da missão à Lua foram apenas 8 dias, 3 horas, 18 minutos e 35 segundos. Até que foi rápido chegar à lua, afinal, a nave se movia a incríveis 40.000 km/h. Mas o tempo ideal de viagem deve ser subjetivo e não objetivo. Quanto tempo é necessário para se tornar um pouco diferente daquilo que se era? Às vezes, alguns segundos bastam, outras vezes são anos e anos de disciplina. O prazo de viagem é então o prazo para que algo se modifique em nós. E ao conseguir isso, o que trazer quando voltar? No caso da Apollo 11, os astronautas trouxeram 21,6 quilogramas de material lunar para pesquisa. Ora, os souvenirs são quase universais, porque são uma lembrança daquilo que fomos em outro lugar, um marco, uma recordação do momento que nos transformou em algo que não éramos.
A pergunta final talvez seja: e quando devemos viajar? O amor ao movimento é contrabalançado pela paixão do sedentarismo. Alguns querem asas, enquanto outros querem raízes. Muitas vezes queremos as duas coisas ao mesmo tempo. Mas não é esta a questão, não há problema algum em fincar raízes, pois mesmo elas, quanto mais fundo vão, mais têm acesso ao desconhecido. Então, deve-se viajar quando as raízes já não encontram os mesmos nutrientes que encontravam antes. A questão é sempre a do momento oportuno, qual a hora de empacotar as coisas e dizer até logo, ou até nunca mais? Infelizmente, há muitas outras perguntas que não podem ser respondidas aqui: em que momento começa uma viagem? Ou em que momento ela termina? Afinal, talvez a vida, em seu movimento contínuo, seja uma grande viagem. Se for o caso, estaríamos o tempo todo viajando.
Infelizmente, hoje é muito mais comum um outro tipo de viagem: o turismo. Ele acontece porque é preciso sair, e depois voltar, para o mesmo e sufocante local de trabalho. Na verdade, a maioria das pessoas viaja apenas para poder descansar, recobrar as forças. A folga a serviço do sedentarismo, do capital que necessita do empregado revigorado para as metas do semestre, é praticamente a única forma de viagem feita hoje. Trata-se de um repouso que precede o retorno à pesada rotina de exploração. Quem viaja em função de onde estava, provavelmente nunca saiu do lugar.
Talvez viajar tenha menos a ver com o fora do que com o dentro. Ou melhor, tenha mais a ver com as fronteiras, com as relações. Pois são elas que nos fazem entender o que podemos conhecer de nós mesmos. A pergunta torna-se intimista: quem somos nós e quem podemos ser? Infelizmente nunca teremos a chance de ir para a Lua, mas todos temos a chance de, depois de uma boa viagem, não voltar para o mesmo lugar.
Referências
- Michel Onfray, Teoria da Viagem. Ed. LP&M
- Caminhar, Frederic Gros. Ed. Ubu
- Carl Sagan, Pálido ponto azul. Ed. Companhia das Letras
- Sêneca, Sobre a Tranquilidade da Alma. Ed. Companhia das Letras
- Deleuze e Guattari, Mil Platôs, vol.4. Ed. 34
- Fernando Pessoa “Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir”