Em 1984, Foucault deu seu último curso no Collège de France, onde vinha ministrando aulas desde 1971. O curso foi planejado como uma continuidade dos estudos realizados sobre a grécia antiga no anos anteriores, em especial, o chamado de O Governo de Si e dos Outros, onde surgiu a questão da parresía como um modo de veridicção deslocado dos demais e, por isso mesmo, merecedor de atenção. Assim, Coragem da Verdade, carrega como subtítulo O Governo de Si e dos outros II, e tenta ampliar os estudos numa análise da escola parresiasta por excelência: os Cínicos.
Esta série foi baseada nas primeiras aulas do curso, onde a parresía é apresentada primeiramente nas características mais gerais, expressa inclusive na etimologia, ou seja, a ideia de uma fala franca e direta. E, depois, colocada em contraste com outros três modos de se dizer a verdade: a profecia, a técnica e a sabedoria como modos distintos em que o sujeito é reconhecido como portador da verdade. Feito esse trajeto, Foucault retoma a parresía, melhor definida pelas aproximações e distanciamentos estabelecidos com os outros modos, e dá a ela um personagem, Sócrates.
Nesse sentido, o curso reavalia os textos concernentes à morte de Sócrates, tentado resgatar uma cisão obscura, convenientemente ignorada nas últimas palavras dirigidas a Críton. Colocadas de outro ponto de vista, a última frase de Sócrates faz dele não alguém que agradecia pela morte, mas alguém que agradecia pela cura. Ao longo do livro, Foucault consegue fundamentar a tese de que a filosofia socrática teria duas vias: a platônica, levando todos os créditos; e a cínica, sublevada como filosofia menor.
Em seu último ano de vida, encontramos Foucault indo além dos limites em um tom bastante testamental, tentando dar ao nascimento da filosofia como a conhecemos uma outra interpretação, um estatuto suprimido por milhares de anos de más interpretações e favorecimentos demasiado platônicos. Enfim, encontramos nos derradeiros pensamentos do filósofo das vozes silenciadas aquilo que ele tem de mais singular, a atualização de conceitos no sentido que se toma como interessante.