Mil Platôs é o livro das multiplicidades e suas estratificações. Rizoma é o primeiro conceito apresentado como uma introdução às questões mais fundamentais. Neste primeiro platô, Deleuze e Guattari colhem da botânica duas formas diferentes de organização da multiplicidade. É mais do que simples inspiração, é um exercício de pensar com as plantas.
Árvore e rizoma são formas diferentes de organização da vida vegetal a partir das quais podemos extrair modelos de organização da multiplicidade. Descartes já havia feito uma analogia da filosofia com uma árvore :“a raiz a metafísica, o caule a física e a copa e os frutos a ética”; Deleuze e Guattari pretendem subverter esta ideia para pensar a filosofia como rizoma.
O que a árvore sugere para o pensamento? O modelo arbóreo é aquele que possui um fundamento e que depende dele para multiplicar-se: a raiz é a unidade, a gênese, a verdade que antecede a multiplicidade. De maneira geral, essa é a forma de pensar que Deleuze enfrenta em toda sua filosofia. A árvore-raiz resulta no pensamento inflexível, no modo sedentário de viver, na organização hierárquica das relações: “muitas pessoas têm uma árvore plantada na cabeça”
O rizoma sugere outra forma de organização, pois trata-se de um sistema de caules horizontais que tem um crescimento diferenciado, polimorfo, horizontal, sem uma direção definida. A grama é bom exemplo, ela se espalha pelo quintal ocupando todo o território que for capaz. Não há centro, hierarquia, ordem, profundidade. O rizoma é processo de ligação da multiplicidade por ela mesma.
A questão não é opor árvore e rizoma como bem e mal, mas pensar que são modelos epistemológicos diferentes. De um lado, o pensamento orientado e mediado por uma unidade; do outro, a multiplicidade se efetuando como processo. A questão é que o modelo arbóreo é dominante e se coloca com força tal que o rizomático é desqualificado. O que Deleuze e Guattari estão dizendo é que para entender a multiplicidade, o rizoma talvez seja uma maneira mais interessante de pensar.
“Um agenciamento é precisamente este crescimento das dimensões numa multiplicidade que muda necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas conexões. Não existem pontos ou posições num rizoma como se encontra numa estrutura, numa árvore, numa raiz. Existem somente linhas” – Deleuze & Guattari, Mil Platôs I
As estruturas arbóreas quebram o rizoma, o aprisionam. É o que acontece com a maioria das teorias: elas reduzem a multiplicidade a seu objeto. É o pensador que quer organizar o mundo a partir de sua perspectiva, o pesquisador obcecado pela origem, é o moralista com sua verdade arbitrária, é o cientista buscando a equação definitiva. Toda forma de saber centrado acaba impondo limites muito violentos a tudo o que não se enquadra como valor dentro de seus parâmetros radicais.
O pensamento rizomático se move e se abre, explode em todas as direções. Colher conceitos na botânica já é fazer um rizoma entre os saberes. Pesadelo do pensamento linear, o rizoma não se fecha sobre si, é aberto para experimentações, é sempre ultrapassado por outras linhas de intensidade que o atravessam. Como um mapa que se espalha em todas as direções, se abre e se fecha, pulsa, constrói e desconstrói. Cresce onde há espaço, floresce onde encontra possibilidades, cria seu ambiente. Se trata de ciência? Isso importa? São apenas agenciamentos, linhas movendo-se em várias direções, escapando pelos cantos, fazendo e desfazendo alianças.
Deleuze e Guattari trazem alguns princípios do rizoma:
- Conexão e Heterogeneidade: o rizoma cresce se descentrando, conectando-se de forma heterogênea. Exemplo: os links na internet. Uma palavra pode ligar-se a uma imagem, um som, um vídeo, sem respeitar nenhuma regra pré-estabelecida.
- Multiplicidade: o rizoma é a multiplicidade tratada como sujeito que atravessa seus objetos alterando-os. Exemplo: a marionete se move graças às linhas que a ligam à mão do sujeito, mas o próprio sujeito só move o boneco ao preço de mover-se também.
- Ruptura: o rizoma pode ser rompido em qualquer ponto sem ser eliminado, ao contrário, ele abre múltiplos caminhos a partir de suas interrupções. Exemplo: um contraponto entre duas melodias, duas linhas que são obrigadas a modificar-se conforme se interrompem e constituem a música em sua trama.
- Cartografia e Decalcomania: o rizoma é o princípio da cartografia porque não pode ser decalcado, imitado por uma representação. Exemplo: um mapa de metrô tem múltiplas entradas e saídas, permanecendo aberto a diversos usos segundo a necessidade de cada um.
Talvez o método cartesiano e arbóreo responda bem a alguns problemas, mas basta sair do quarto para perceber as diversas linhas de vida se cruzando incessantemente, desrespeitando todos os métodos. Não podemos mais apostar todos os nossos recursos em pensamentos compartimentalizados. A filosofia nunca foi uma caixinha de saberes determinados, ao contrário, ela é a mistura de todos eles. As conexões se multiplicam, logo, a intensidade também.
“Deixarão que vocês vivam e falem, com a condição de impedir qualquer saída. Quando um rizoma é fechado, arborificado, acabou, do desejo nada mais passa; porque é sempre por rizoma que o desejo se move e produz” – Deleuze & Guattari, Mil Platôs I
Como o rizoma, a filosofia é feita entre as coisas mais diversas e tem a potência de desenraizar o ser. É o esforço de pensar a multiplicidade sem partir da unidade nem encerrá-la em uma totalidade (n-1). É a destituição do fundamento, descentramento completo do pensamento sobre o plano de imanência. Se o desejo é uma linha intensiva, então a vida está bem melhor representada no rizoma: tecido feito de múltiplos encontros heterogêneos e disruptivos.
Quando mais leio mais me apaixono pela esquizoanalise. A leitura por si so nos movimenta em varias direçoes de modo que sinto um vulçao em erupçao.
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Olá, gostaria de saber quem é o autor deste texto sobre Rizoma. São de vocês mesmo?
Pois utilizarei como referência em meu trabalho de pesquisa.
Se puder, por gentileza, me enviar por e-mail agradeço.
Desde já agradeço.
Abraços.
Olá, Djeovani, no próprio texto tem a referência bibliográfica. O livro que trata o conceito de rizoma é dos filósofos Deleuze e Gattari, e o título é “Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia”.
Olá Ruthe, Muito Obrigado.
Mas estava me referindo exatamente ao texto acima mesmo, publicado no blog, que descreve sobre “rizoma” a partir da leitura de Deleuze e Guattari. Pois é dessa releitura sobre o conceito que potencializou a minha interpretação sobre rizoma, por isso pedi a referência. Mas já identifiquei que o texto é de autoria de Rafael Trindade.
De qualquer forma agradeço pela atenção.
Abraços.
Republicou isso em Estética e Arquitetura.
Republicou isso em Conciliaçãoe comentado:
Do blog Razão Inadequada, que é dedicado à filosofia, extraímos este post sobre o conceito de “rizoma”, do qual nos serviremos mais adiante para tratar de assuntos da Teologia.
Olá pessoal da Revista Inadequada, solicito das Vossas Senhorias pdf das Revistas O que é filosofia e Regime Ditatorial de Valores. Grato.
Por favor, gostaria de saber o(a) autor(a) da ilustração desse texto e qual o seu título.
“Empirical Constrution, Istanbul” de Julie Mehretu.
Enquanto texto de divulgação ficou bem mal escrito. Compensa mais o leitor ir diretamente pro texto (Introdução: Rizoma, o primeiro platô) que lá dá pra ter contato direto com o que está sendo tratado, não com uma pequena exposição que nem em sentido “explicativo” e nem em inventivo seja lá muito interessante; como agenciamento mesmo, bem tosco.
Olá, gostaria de saber qual é a página daquela citação sobre o rio {..}, o qual seria, pelo que eu entendi, o desejo rizomático.
Perfeito, o texto! Muito esclarecedor, esse material me salvou. Muito obrigada!
Parabéns pelo conteúdo. Incrível!