Zaratustra dormia calmamente embaixo de uma figueira quando foi picado no pescoço por uma víbora. Ele deu um grito e quando a serpente o reconheceu quis ir embora. Mas Zaratustra pediu que ela ficasse e a agradeceu por acordá-lo bem a tempo. “‘Teu caminho é curto’, disse a víbora tristemente; Zaratustra sorriu“:
Alguma vez um dragão morreu do veneno de uma serpente?”
– Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, p. 65
A grandeza do personagem que Nietzsche criou supera o simples veneno de um animal peçonhento. Que é o veneno de um animal que se arrasta para alguém que está além do bem e do mal? Os inimigos de Zaratustra são caminhos estreitos e perigosos que devem ser percorridos a fim dele tornar-se mais forte. Se os amigos são mantidos por perto, Zaratustra faz questão de manter seus inimigos mais próximos ainda, não para observá-los com cuidado, mas como desafio constante.
Se tendes um inimigo, não lhe pagueis o mal com o bem: pois isso o envergonharia. Mostrai, isto sim, que ele vos fez algo de bom”
– Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, p. 66
Não que o anunciador do além-do-homem seja um santo. Não, não… Zaratustra apenas não suporta o peso da justiça humana. Ela lhe parece muito mesquinha, muito pequena, muito pobre. O homem do ressentimento inventou a Lei e a Justiça para condenar a existência e a vida. Perguntar-se pelo valor dos valores é perguntar o que é a justiça que criamos, e mais importante, o que quer aquele que quer a justiça dos homens?
Inventai-me, então, o amor que carregue não apenas todo castigo, mas também toda culpa!”
– Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, p. 66
Sim, na boca de Zaratustra não encontraremos a palavra bem nem mal. A linha que os divide é borrada pela Vontade de Potência. Toda força quer dominar, aumentar, exceder-se. O que quer a Vontade? Ora, a pergunta está errada. A Vontade nada quer, é a Potência que se faz Vontade. Não há uma Deus, para nos julgar, toda força quer apenas a sua própria afirmação. Toda força É uma afirmação, e nada além disso. Matamos Deus, e todo o resto dos idealismo vão junto.
O homem é aquele que deve ser superado, repete Zaratustra tantas vezes, e junto com o homem, sua moral, sua justiça também. Nietzsche anuncia através de seu livro o além-do-homem. Ele é o filósofo da Virtude Dadivosa. Aquilo que não o mata, apenas o fortalece. Os inimigos, as dificuldades são desafios que não impedem que a força se exceda e saia mais forte do processo.
Nesse ponto, inimigos se aproximam dos amigos. A grande dor do homem é não poder mudar o passado, a Vontade sofre por querer para trás, por querer mudar o que foi e não poder. Zaratustra ensina a querer para frente. Como? Mostrando que um mal na verdade é um bem, mesmo o que deu errado pode ser usado como matéria prima de criação. A dor só é dor se não cria nada.
Por isso os inimigos são essenciais na vida de Zaratustra, ele não vira a face uma, nem sete, nem setenta vezes. Não, ele prefere mostrar que sua vida é um constante ato de superação de si. O que é um veneno de víbora para um dragão? Uma alegria, um desafio, a sensação de que a potência aumenta.
Belíssimo texto, motivador posso dizer. Encarar as dificuldades com uma outra perspectiva, como uma alavanca.
Muito bom o texto…como sempre…
me parece que já o li uma série de vezes neste blog…
Texto potente,claro e inspirador.”O que é um veneno de víbora para um dragão? Uma alegria, um desafio, a sensação de que a potência aumenta”Lindo,amor fati é o que ha.
Sempre volto aqui nesse texto! Maravilhoso!
Revigorante!
Excelente!!!
Vi um jogador matar um bola no peito que com certeza faria desmaiar uma senhora de idade.Aquele jogador engoliu a dor da bolada como um raio, dominou a bola e chutou para o gol. Para mim foi exemplo de um homem sem ressentimento.