O termo ditadura pode soar exagerado para alguns, mas nossos tempos ainda são marcados por posturas opressivas. Nossa cultura e, portanto, nosso modo de vida é autoritário. Estamos todos num mesmo campo de batalha e vivemos sendo bombardeados por preferências unificadoras, opiniões rígidas e intolerâncias de todo tipo. Em face disso, procurando ser tanto um veículo de informação quanto de reflexão, esta série pretende explicitar alguns dos problemas que encontramos em nossa cultura.
Não vivemos mais nos anos do regime militar, não vivemos um estado de exceção. Mas vivemos uma democracia? Nossa liberdade é real, mas é tanto mais ilusória: nos deram a liberdade de escolha, mas nos mostraram tão pouco do que há para escolher. Muitas vezes nossos comportamentos nos parecem alienados de nossas vontades. Chegamos a desconfiar de nossa própria subjetividade, talvez ela não seja menos fabricada do que a abundância de produtos semelhantes que nos rodeiam.
Qual é nossa ditadura?
Uma ditadura velada, escondida por sob os panos da mesa de jantar, onde aceitamos a miséria que nos oferecem com o nome de refeição. Uma análise crítica pode nos ajudar a encontrar motivos para recusar e afastar de nossos corpos este veneno que é a organização a que nos submetemos todos os dias. Teremos ganhado suficientemente se encontramos linhas de fuga dentro deste turbilhão de informações e modelações que nos permeiam.
Toda tensão tem meio de fuga, a nossa é a criação. Dentre tudo que nos dizem, mandam, sugerem, preferimos nosso caminho; pois só copia quem não sabe criar, só repete quem não sabe fazer o novo, só reproduz quem não inventa. Neste caminho, não batemos de frente com o que está estabelecido, não destruímos pela reatividade, pelo ressentimento, pelo ódio, mas pelo amor por algo maior. Dentre todas as opções, preferimos a nossa. Se vivemos uma ditadura, passamos pela tangente e inventamos novas verdades, novos corpos, novos tempos, novas identidades, novas ideias… é político, mas apenas no nível da micro-política. É mais estético que partidário, é mais ético que moral. Em suma: uma postura inadequada é nossa forma de viver em uma cultura da adequação.