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O desejo não para de efetuar o acoplamento de fluxos contínuos e de objetos parciais essencialmente fragmentários e fragmentados. O desejo faz correr, flui e corta”

– D&G, Anti-Édipo, p. 16

Se o desejo produz e existe apenas uma realidade, a nossa, então só pode produzir o real. A síntese conectiva do inconsciente é uma das maneiras, a primeira, pela qual o desejo opera. Fluxos, tudo são fluxos de desejo que se cruzam, atravessam, esbarram, se misturam. Esses fluxos se conectam e desconectam com as máquinas desejantes que operam cortes e conexões. Tudo em constante vai e vem, produção ininterrupta em todas as direções, máquinas operando cortes em outras máquinas, fluxos passando e se desconectando, Fluxo contínuo: cada máquina desejante exige outra para fazer a conexão ou o corte.

E assim tudo começa: com o desejo fluindo. Podemos pensar em um fio de desejo onde são colocadas diversas miçangas que são os objetos parciais. Dizemos isso porque a Síntese Conectiva funciona com a conjunção “e…”. A conexão “E…e…e…e…e…” é a melhor explicar esta Síntese. 

A síntese conectiva se dá através da conjunção “e”: e… e… e… e… e… Em todo lugar há conexões e desconexões, ligações e rompimentos. Séries lineares de conexões, binária, mas ininterrupta, em todas as direções. As crianças, por exemplo, funcionam por síntese conectiva: “e aí eu fui na casa dela… e aí eu tomei sorvete… e aí eu pulei na cama elástica… e aí eu vomitei….”.

As máquinas se conectam: “e… e… e… e… “. Uma atrás da outra. Em séries binárias, Tudo se dá sobre uma produção contínua! Expressividade infinita. As outras sínteses só são possíveis com essa. Seu uso legítimo é uma conexão infinita de máquinas parciais. Aberta ao infinito, operando conexões atrás de conexões. Nunca parando, nunca se cansando, sua sintaxe é a conjunção aditiva: e, nem, também, bem como, como também, não só… mas também, não só… como também, não só… mas ainda não somente… mas também, não somente… como também, não somente… mas ainda. Uma conexão atrás da outra: binário-linear, fluxo e corte num mesmo conceito!

Produção de Produção: processo incessante, incansável de geração do novo como engendramento de diferenças-singularidades. O fluxo de leite é cortado pela boca da criança, o fluxo de fezes é cortado pelo ânus, da mesma forma a salsicha é produzida em uma grande máquina industrial. As mãos se conectam com a guitarra que se conecta com o amplificador que se conecta com o ar e o tímpano do fã de Heavy Metal.

Produção de Produção

A regra de produzir sempre o produzir, de inserir o produzir no produto, é a característica das máquinas desejantes ou da produção primária: produção de produção”

– Deleuze e Guattari, Anti-Édipo, p. 18

Nem causa final, nem causa primeira, tudo está no meio: produção contínua de produção. Se parece uma loucura é porque é realmente louco, esquizofrênico. Tudo está sempre em produção contínua? Sim, tudo está aberto para novas conexões, para se ligar sua ponta da máquina com outras pontas de máquinas.

A síntese conectiva está no começo e no fim do processo, porque insere o produzir no produto. Quando o eletrodoméstico sai da fábrica ele se liga ao caminhão, que se liga à loja de aparelhos eletrônicos, que se liga ao cartão de crédito do cliente, que se liga à tomada da sua casa, para produzir novamente alguma outra coisa. Espinosa ficaria orgulhoso: natureza naturante e natureza naturada em uma coisa só. Verbo ao mesmo tempo transitivo e intransitivo, porque imanente.

Esta síntese nos mostra também como a distinção entre homem e natureza não pode ser clara, porque os dois são produção de produção. O óculos se liga aos olhos míopes para ver melhor a partitura e produzir a música com o instrumento que se acopla à boca. A natureza é consumida pelo homem, mas o homem é consumido pela natureza. A máquina consome a matéria prima, que produz e é posteriormente consumida. Isto porque os dois são um único e mesmo processo.

Objetos Parciais

Os fluxos estão sempre abertos para novas conexões. Os objetos parciais (desenvolvido por Melanie Klein) são conceitos perfeitos, pois são máquinas que se conectam, não para completar uma forma íntegra e sem falhas. São puros objetos capazes de conexão. A ideia é que sempre há espaço para mais uma conexão: a síntese conectiva opera se expandindo sem causa final, nem causa primeira. O uso imanente das sínteses leva os objetos parciais a realizar acoplamentos cada vez mais complexos. E… e… e… e… tendendo ao infinito, ontologia do ilimitado. Cada vez mais, cada vez além, acima do além. Não existe ainda um eu ativo, existe uma miríade de eus em operação de ligação e conexão: eus larvares.

O inconsciente transcendental de Deleuze e Guattari nos oferece as qualidades de produção: corte e fluxo. Os objetos parciais podem ser vários agora. Não é mais uma questão de categorias, ideias transcendentes. Tudo pode ser conectado e desconectado.

Libido

A energia que move a primeira síntese é a Libido. Podemos imaginá-la como o fio que atravessa todas as miçangas (objetos parciais) que se conectam. É importante lembrar que Libido é o termo latino para desejo.

Aqui, a ideia de libido, reformulada por Freud, se aproxima e ao mesmo tempo se afasta da psicanálise. Ela é causa do desejo, polimorfa, mas não é sublimada. A libido é a energia, a manifestação dinâmica da vida psíquica e da sociedade. Não podemos dizer que a libido seja exclusivamente sexual.

Ela é Eros (pulsão de vida) que reúne as diversas definições socrático-platônica-aristotélica: energia de investimento, organização e conexão. Em Deleuze e Guattari estas conexões são sem telos (objetivo) e sem mudança de natureza, é tudo libido: energia de conexão de heterogêneos. O desejo-libido opera pura e simplesmente por acoplamento de fluxos contínuos de objetos: faz correr, fluir e cortar.

As máquinas desejantes são máquinas binárias, com regra binária ou regime associativo; sempre uma máquina acoplada a outra. A síntese produtiva, a produção de produção, tem uma forma conectiva: “e”, “e depois”… É que há sempre uma máquina produtora de um fluxo, e uma outra que lhe está conectada, operando um corte, uma extração de fluxo (o seio — a boca)”

– D&G, Anti-Édipo, p. 16

Fluxos

Todo objeto é a continuidade de um fluxo, e todo fluxo é um fragmento de objeto. Tudo é um processo esquizofrênico de produção e cortes. Deleuze e Guattari nos falam dos fluxo de cabelo, de baba, esperma, merda, urina… tudo. O próprio livro Anti-Édipo é uma máquina feita de máquinas menores que se acopla a outra máquinas, como os olhos do revolucionário. São todos objetos parciais. Somo todos máquinas e estamos todos inseridos em máquinas maiores. 

Somos uma máquina que se acopla a uma máquina de produção. E quando o relógio bate seis horas nós nos tornamos máquinas de ir embora e nos ligamos ao meio de transporte que nos leva para casa. A máquina porta se fecha e o fluxo continua. E quando chegamos em casa, nos ligamos à máquina sofá, e ligamos a máquina sanduíche à máquina boca. A máquina dentes corta o fluxo de comida. 

Conclusão

Podemos ser macanicistas e pensar no átomo, que se liga a cada momento com outros átomos, formando cadeias enormes, infinitas, para depois se desprender e realizar conexões novas. Podemos ser vitalistas e pensar no DNA produzindo máquinas corpos que se conectam, trocam material genético e leva a vida adiante, nascendo e perecendo, mas formando conexões através de pais e filhos.

Mas a melhor maneira de pensar é a de um vitalismo-mecanicista: máquinas desejantes. O desejo passando pelo meio da máquina. O mais importante aqui é adotar o ponto de vista das conexões, as máquinas parciais são inúmeras, o importante não é classificá-las, mas compreender suas ligações, adotar a perspectiva dos encontros que são feitos. 

Texto da série:

Inconsciente Maquínico

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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emocoesesentimentos
9 anos atrás

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