Mindfulness é uma palavra inglesa que podemos traduzir simplesmente como: atenção plena. Entretanto, a tradução não faz jus às diversas definições possíveis para a ideia. Por isso, trouxemos cinco definições possíveis:
- Definição Geral: A prática de mindfulness consiste no esforço de focar a atenção da mente no momento presente sem qualquer forma de julgamento. Ou seja, toda emoção ou sensação que surgir, todo pensamento ou julgamento que se manifestar no campo da consciência será reconhecido e aceito tal como é, e só. A atenção plena consiste em estar consciente destes pensamentos e sentimentos enquanto eles acontecem. Esta técnica foi adaptada para o ocidente, porém suas raízes estão na tradição milenar da meditação oriental. Os textos budistas tratam de práticas que se assemelham ao que hoje é chamado modernamente de mindfulness. Soma-se a isso o beneplácito da ciência neurológica que confirmou os benefícios mentais e físicos da rotina desta prática.
- Definição Terapêutica: As terapias comportamentais e cognitivas se interessaram pelo mindfulness, que hoje é aplicado na clínica com o objetivo de redução de sintomas como, por exemplo, ansiedade, depressão, stress e dor crônica. Para isso, durante e fora da sessão os exercícios de mindfulness dirigem a atenção para a respiração, o corpo e os pensamentos, deixando que eles venham “como folhas trazidas e levadas por um rio fluindo”. O objetivo é que estes pensamentos apareçam e desapareçam, sem julgamento, sem apegar-se a eles. O fluxo de pensamento é compreendido como algo natural e em constante movimento, ao qual somos orientados a voltar nossa atenção e retornar a eles sempre que nos desviarmos. Através da prática constante e guiada, adquire-se um estado maior de presença no aqui e agora, ou seja, voltado ao presente. O mindfulness se tornou cada vez mais popular conforme mostrava ser uma grande ferramenta de bem estar e qualidade de vida, pois serve para a diminuição de muitos problemas modernos: stress, insônia, cansaço, dor crônica, pressão sanguínea, sintomas de depressão e ansiedade. Sua prática constante, justificam as evidências, gera maior sensação de prazer, calma, criatividade, produção e foco.
- Definição Corporativa: Tanto sucesso levou a prática do mindfulness cada vez mais longe. Ela se descolou da meditação dos monges budistas, sentados imóveis embaixo de uma figueira, para os escritórios frenéticos dos empresários da Faria Lima. Assim, hoje ele é amplamente vendido em seminários e retiros como técnica imprescindível dentro e fora das empresas. Seus defensores atestam que ela pode ser utilizada nas mais diversas situações corporativas. O mindfulness é encorajado por gerar um estado de flow durante as exaustivas tarefas da empresa, onde o funcionário precisa trabalhar durante longos períodos sem distrações, completamente absorvido em sua extenuante tarefa. Este é o motivo pelo qual os patrões consideram a prática constante de atenção plena no ambiente empresarial uma ótima aquisição, pois ela aumenta a resiliência do funcionário, reduz o stress, melhora as relações interpessoais, aumenta a concentração e a produtividade.
- Definição Crítica: É muito triste constatar que as técnicas de meditação tenham resultado nestas práticas. Como será que Buda se sentiria? Será que mindfulness é sobre aumentar os lucros anuais e gerar bônus aos funcionários mais produtivos? Estranho. Parece que esta versão simplificada e embrulhada para o consumo precisa ser tratada de um ponto de vista crítico. Quais os usos possíveis da atenção plena? Quais os seus usos, por exemplo, na luta dos operários por melhores salários? Existe um uso possível por exemplo para a Teoria Marxista? Ora, se o mindfulness tem o objetivo de nos arrancar do ciclo de pensamentos automáticos, ele poderia ser efetivo na conscientização das classes operárias, de sua alienação em relação à produção de mais valia? Estas perguntas mostram como a solução individual é colocada em prática desconsiderando um contexto maior, ou pior, pensando não no indivíduo, mas naqueles que se beneficiam dele. Parece extremamente frágil que problemas estruturais, como o aquecimento global e a violência doméstica, possam ser resolvidos apenas com pessoas focadas no presente. A pergunta é, afinal, para quê esta ferramenta está sendo usada? A quietude unidimensional da atenção plena parece desconsiderar uma avaliação criteriosa do que está acontecendo e quais seriam as necessidades de ação. Em outras palavras, existem pensamentos que simplesmente não podem ser considerados como “folhas em um rio”, e percebidos com calma indiferença.
- Definição temporal: A consciência tem a estranha capacidade de não estar sempre no momento presente. É incrível como ela consegue deambular pelo passado e futuro, como uma flâneur vagando sem destino pela cidade. Sempre que necessário, dizem os defensores do mindfulness, trata-se de reorientar a atenção de volta para o presente. Mas será que é mesmo necessário um esforço como este? Afinal, é uma boa ideia viver apenas o agora sabendo que existem tantas outras coisas além dele? O Carpe Diem da atenção plena reflete apenas uma parcela das formas de habitar o tempo. Claro, o momento presente é bem interessante, mas também limitado. E mesmo se pensarmos no “mindfulness original”, nascido nas florestas do Tibet, eles não dão tanta ênfase assim ao tal “momento presente” como nós nos acostumamos a fazer. A atenção plena é melhor descrita como uma capacidade de sustentar um objeto no campo da atenção sem perdê-lo de vista (seja presente, passado ou futuro), enquanto a ênfase no “não julgamento” veio depois. Ou seja, por que não incorporar estas várias dimensões? Por que não fazer uso delas? Em outras palavras, não é um puro agora que nos interessa aqui, é a capacidade de situar-se no presente abarcando estas outras dimensões do tempo, para assim habitá-lo com mais tranquilidade. Esta compreensão clara, ou “disciplina do assentimento”, como diriam os estoicos, só pode ser vivida num estado mental calmo, mas não precisa parar aí, porque esta integração pode nos ajudar a quebrar os nossos hábitos viciados e seguir por novas direções onde passado presente e futuro se complementam melhor. O mundo ganha sentido nos julgamentos que fazemos, não afastando-se deles, o que é necessário é um cuidado contínuo com eles. Em suma, por melhor que seja a prática de atenção plena, o passado e o futuro continuam existindo, não é necessário ignorá-los, um convívio harmonioso é possível. Passado e Futuro possibilitam um presente mais vivo e alargado, onde vemos o rio fluir não apenas em um ponto determinado, mas em toda a sua extensão.
Estas definições não buscam encontrar um consenso, porque seus usos são variados e complexos, a nossa intenção aqui é exatamente o contrário, mostrar como uma ideia pode ser multifacetada e utilizada de formas muito diferentes. Algumas vezes mais interessante, outras vezes menos.
Referências
Meditações – Marco Aurélio
Manifesto do Partido Comunista – Marx
Potências do Tempo – David Lapoujade
Terapias Comportamentais de Terceira Geração: Guia Para Profissionais