Apresentação
“Congregação, diante destes santos livros, nós excluímos, expulsamos, amaldiçoamos e esconjuramos Baruch de Espinosa […]. Maldito seja de dia e maldito seja de noite, maldito seja em seu deitar, maldito seja em seu levantar, maldito seja em seu sair, e maldito seja ele em seu entrar.”
– Anátema pronunciada contra Espinosa, em 27 de Julho de 1656
Espinosa fez bem de não publicar seus livros em vida, as pessoas ainda não estavam preparadas para aquilo que ele tinha a dizer. Prova disso são as três acusações principais que fizeram a ele depois que suas ideias foram publicadas postumamente. Espinosismo foi por muito tempo tido como um insulto. Outros filósofos, como Leibniz, tiveram que tomar cuidado para não deixar que suas ideias se aproximassem demais das ideias do filósofo holandês.
Como se não bastasse a expulsão da comunidade judaica, Espinosa recebeu acusações terríveis que, em meados de 1650, poderiam custar-lhe a própria vida. A imputação desses preconceitos fez da filosofia espinosista um pensamento menor, pouco lido, quase perdido na história da filosofia moderna, ao menos até ser recuperado, inicialmente pela filosofia alemã e depois pela filosofia francesa já no séc. XX.
Esse redescobrimento, iniciado por professores de filosofia como Victor Delbos, chega até Gilles Deleuze. Em sua interpretação sempre surpreendente, ele escreveu dois livros sobre Espinosa: “Espinosa e o Problema da Expressão” e “Espinosa, Filosofia Prática”. Neste último, ele expõe as três injúrias mais frequentes ao holandês: Ateu, Materialista e Imoralista.
“Nenhum filósofo foi mais digno do que Espinosa, mas também nenhum outro foi tão injuriado e odiado”
– Deleuze, Espinosa, Filosofia Prática
Espinosa, o Herege
A questão é delicada, pois as três acusações só não fazem sentido enquanto acusações. Se lermos atentamente a filosofia de Espinosa, encontraremos tamanha subversão às ideias correntes que compreendemos num instante a má recepção. Em todos os tempos em que o pensamento contesta os fundamentos dos modos de vida dominantes, ele encontra dificuldades de se expressar.
Há, portanto, nessas três acusações algum conteúdo que as justifica enquanto ideias, mas jamais as aceitaremos enquanto acusações. Se Espinosa desqualifica um Deus todo-poderoso, não significa necessariamente que ele é Ateu. Igualmente, há algo que permite identificá-lo como materialista e imoralista, mas que de maneira nenhuma permite acusá-lo disso. Entender o que justifica esses termos pode nos ajudar a entender algumas bases da filosofia espinosista (clique na imagem ao lado de cada tópico para ler o texto completo):