Leitura por Robson Mattos,
Os afetos são nossa matéria prima da política! Podemos modelá-los, refreá-los, mudar seu curso, recalcá-los, varre-los para debaixo do tapete (não sem sofrer as consequências), produzi-los, criá-los e resistir a eles. Afetos são nosso material de trabalho, são parte de uma micropolítica, são ponto de partida e de chegada, meios e fins. Com os afetos vamos longe, às vezes, sem sair do lugar.
O corpo é um termômetro, uma fornalha, perfeito para estudar os afetos, lugar adequado para medir e misturar elementos. Queremos saber, quais afetos nos libertam? Quais afetos nos colonizam? Quais são os afetos de que somos capazes e como eles podem mudar o mundo à nossa volta? Temos grandes companhias nessa empreitada: Espinosa, Nietzsche, Safatle, Sloterdijk, Foucault, Deleuze, Diógenes, Negri.
O fato é que vivemos um momento particularmente aflitivo, no tocante aos afetos que o contexto social nos inspira”
– Peter Pál Pelbart, Vida Capital, p. 111
Todo afeto é (bio)político
A princípio, pensamos que nosso comportamento é racional, que nossa sociedade é apenas um sistema de normas, leis e regras, e por isso deixamos as paixões de fora. Essa concepção é muito mais arraigada do que percebemos. Mas podemos também considerar a vida social como uma instauração de afetos, sua reprodução e a maneira como eles circulam. Através dos afetos (bio)políticos, algumas coisas podem ser vistas, outras não, algumas podem ser percebidas, outras não, alguns afetos e modos de vida são instaurados, outros são reprimidos, escondidos, nem mesmo percebidos.
Discutir os afetos é fundamental para a filosofia política. As questões psicológicas são sempre negligenciadas como menores, sem importância, não científicas. Mas ainda temos muito a aprender com os afetos, e isso está longe de ser irracionalista! Uma razão precisa considerá-los seriamente, não somos uma cabeça descolada do corpo. Ignorar isso é tornar-se cego para os bloqueios e ampliações do horizonte da experiência comum. Que afetos circulamos, trocamos, produzimos? Como a implicação dos sujeitos na vivência política acontece?
Psicopolítica
O que acontece na política é também o que acontece em nossas vidas psicológicas! Ou seja, agimos como agimos em consequência de uma instauração de afetos, eles circulam e nos moldam, canalizam o corpo, lhe dão um curso. Enquanto formos afetados da mesma maneira, agiremos e repetiremos sempre as mesmas coisas. Só é possível ter outra experiência da vida social se formos afetados de outras formas. Transformações não são questões de novas ideias, são questões de novos afetos.
Buscamos precisamente isto: novas realidades, uma maneira de estar e fazer, produzir e agir sem pedir licença. O acontecimento não precisa de autorização para acontecer, queremos estar no acontecimento! Ele é medido pelas aberturas que produz! É possível agir tendo em vista a abertura destas latências. Não basta ser afetado, é preciso saber também como se implicar nos afetos. Temos todo um sistema de desimplicação. Mas como entrar nesta batalha de modo mais leve? Mais lúdico, talvez. Um sujeito responde por estes processos implicativos e esta implicação é e sempre será pelos afetos.
Circulando Afetos
Talvez precisemos partir da constatação de que sociedades são, em seu nível mais fundamental, circuitos de afetos. […] Nesse sentido, quando sociedades se transformam, abrindo-se à produção de formas singulares de vida, os afetos começam a circular de outra forma, a agenciar-se de maneira a produzir outros objetos e efeitos. Uma sociedade que desaba são também sentimentos que desaparecem e afetos inauditos que nascem. Por isso, quando uma sociedade desaba, leva consigo os sujeitos que ela mesma criou para reproduzir sentimentos e sofrimentos”
– Vladimir Safatle, Circuito dos Afetos, p. 17