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Estamos nós, que vivemos no presente, condenados a nunca experimentar a autonomia, nunca pisarmos, nem que seja por um momento sequer, num pedaço de terra governado apenas pela liberdade? Estamos reduzidos a sentir nostalgia pelo passado, ou pelo futuro?”

– Hakim Bey, Zona Autônoma Temporária

A primeiro constatação, o que justifica a TAZ, é o fechamento completo de nosso mapa mundial, não há mais nenhum espaço da terra que já não pertença a alguém, não há uma terra incógnita, a se descobrir. Ou seja, se as gerações anteriores tinham esta possibilidade, mesmo que como um sonho distante, para nós esta opção não é possível. Fim… o mundo virou uma grande bola dominada por diversos poderes, um globo riscado por fronteiras. Estamos sempre dentro do Império. Não há saída, não há escapatória, não há como fugir. Será?

Quais são as nossas possibilidades de liberdade hoje? Viver à sombra de um monstro enorme chamado capitalismo, chamado sociedade mundial de controle. Chame como quiser, este Leviatã quer estar em todos os lugares, sem exceção. Devemos sentar e esperar as contradições do capitalismo inexoravelmente nos arrastar para uma sociedade mais justa? Não, nós não queremos esperar, não sabemos onde vamos chegar, mas esperança não faz nosso tipo. Venceremos, mas não da maneira que foram descritas pelo marxismo ou pelo anarquismo utópico. Venceremos aqui e agora! Venceremos sem derrotar nosso inimigo. Propomos trocar o tempo da utopia pelo tempo das heterotopias, a criação de espaços novos, subjacentes e secretos. Nossa alternativa? TAZ!

Como toda autonomia se faz em algum tempo e em algum espaço, precisamos começar desta maneira. Não se trata de ser kantiano, mas de ser prático. Do tempo falaremos depois, já o espaço pode ser qualquer um. Não estamos falando de um ponto no mapa, uma região do planeta terra. A Zona pode ser de qualquer tipo: pode ser uma área de terra, claro; mas também uma área mental, existem zonas autônomas temporárias dentro do nosso cérebro, pensamentos que aparecem e se sustentam contra a nossa vontade; pode ser um pedaço de nosso corpo, que cria uma autonomia e difere das outras; pode ser uma espaço na internet, um imóvel abandonado, ou a própria casa.

O desaparecimento parece ser uma opção radical bastante lógica para o nosso tempo, de forma alguma um desastre ou uma declaração de morte do projeto radical”

– Hakim Bey, Zona Autônoma Temporária

A única necessidade é passar despercebido, estar fora do alcance do poder, do Estado, do Capital, das regras estabelecidas. Tornar-se um espaço liso, onde novos fluxos possam circular, onde o atrito das relações seja menor. Se o Estado e o Poder são onipresentes, a Zona será subterrânea, invisível, uma tática que começa nas fendas, nas brechas. Digam: Onde a luz não chega? Onde a câmera não alcança? Sorria, você não está mais sendo vigiado. A TAZ escapa das zonas de definição e catalogação, ela é um devir-imperceptível! Como dissemos, o mapa está fechado, mas não quer dizer que não tenha rachaduras, fissuras, e estes espaços permitem que as TAZ estejam sempre nascendo e se refazendo.

O mapa está fechado, mas a zona autônoma está aberta. Metaforicamente, ela se desdobra por dentro das dimensões fractais invisíveis à cartografia do Controle”

– Hakim Bey, Zona Autônoma Temporária

As revoluções podem ter fracassado, mas as possibilidades de levante estão sempre abertas! Em vez de erigir um falanstério, que teria objetivos escapistas; em vez de criar uma comuna, que será invariavelmente esmagada pelo Estado; a TAZ cria uma possibilidade que tem um fim em si mesmo. O primeiro passo é encontrar ou criar de um espaço! Rasgá-lo no meio do cotidiano ou inventá-lo embaixo do tapete.

Durante e depois destes anos, os anarquistas adquiriram a prática do nomadismo revolucionário, perambulando de revolta em revolta, procurando manter viva em si mesmos a intensidade do espírito que eles experimentaram no momento do levante. Na verdade certos anarquistas da estirpe stirneriana/nietzschiana encontraram nessa atividade um fim em si mesmo, um modo de sempre ocupar uma zona autônoma, a zona intermediária que se abre no meio ou no despertar de uma guerra ou revolução”

– Hakim Bey, Zona Autônoma Temporária

A TAZ é um plano em movimento perpétuo, um platô onde as forças se encontram de maneira horizontal, uma ilha, que emerge no meio do oceano, uma planta que cresce no meio do concreto. Por ser de todos os tipos, é difícil seguir seus passos. Uma TAZ pode ser uma área do pensamento, que a academia não consegue capturar; pode ser uma rima, que a indústria musical não consegue gravar; uma roupa, que a indústria da moda não consegue produzir. A TAZ é nômade! Ela é uma zona que se move, desliza, que está sempre em movimento! Ela se desenrola em um plano maior, mas não se confunde com ele, pelo contrário, passa despercebida, camuflada. Não precisa de senha, porque não se consegue nem mesmo achar a porta.

– Afro Basaldella

É absolutamente necessário desutopianizar a anarquia e a política. Este é nosso objetivo com a criação de Zonas Autônomas Temporárias. Se temos um desencanto pela revolução, se estamos decepcionados, por outro lado nos encontramos absolutamente empolgados com esta possibilidade. Heterotopias no lugar das Utopias. Se nos parece estranho sonhar, percebemos que ‘viver é melhor que sonhar’. Uma Zona, mesmo que suma, fracasse, afunde, não é mais vista como uma revolução que falhou, muito pelo contrário, passa a ser um acontecimento, semeador de muitos outros. Pessoas se revoltaram, criaram uma insurreição, fizeram alguma coisa, que bom! Como foi?

Se hoje exitem muitos territórios que nos escravizam, existem outros tantos capazes de nos libertar! Todo mapeamento terá brechas! Sempre haverá um espaço onde o olhar não chega, onde o poder não vê. Acreditem, sempre haverá! Pode ser uma festa, uma rede de distribuição de alimentos, as ideias na cabeça de alguém, a internet, um grupo de estudos, um sussuro, um site de filosofia.

As linhas de fuga não são o que foge, mas a possibilidade de fazer um mundo fugir! Faz um certo modo de vida fugir! Uma linha de fuga se encontra com outros e cria territórios, maneiras de viver, maneiras de se relacionar. Uma linha de fuga é a chance de fazer um mundo fugir, não de fugir desta para outra existência. Ao fazer um mundo fugir, abre-se um deserto, um mar, um caminho a desbravar. Nasce uma Zona, um plano, um platô, um território, um ponto no meio do caos! É necessário um agenciamento para que se criem estas novas velocidades. A TAZ é um espaço liso, um espaço guiado por regras diferentes das que estamos acostumados, onde trajetos e direções seguem caminhos diferentes dos impostos a nós.

Esses nômades orientam seu percurso por estrelas estranhas, que podem ser núcleos luminosos de dados no ciberespaço ou, talvez, alucinações. Abra um mapa do território; sobre ele, coloque um mapa de mudanças políticas; sobre ele ponha um mapa da internet, especialmente da contra-net, com sua ênfase no fluxo clandestino de informações e logística; e, por último, sobre tudo isso, o mapa 1:1 da imaginação criativa, estética, valores. A malha resultante ganha vida, animada por inesperados redemoinhos e explosões de energia, coagulações de luz, túneis secretos, surpresas”

– Hakim Bey, Zona Autônoma Temporária

Texto da Série:

TAZ – Zona Autônoma Temporária

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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Alvaro Datnas
Alvaro Datnas
3 anos atrás

Adorei o texto, um alento, um sinal!

Hugo Cesar Bueno Nunes
3 anos atrás

Texto muito bom! Ele me afeta como “um pouco de possível” no mar sufocante que vivemos….