Não utilizem o pensamento para dar a uma prática política o valor de Verdade; nem a ação política para desacreditar um pensamento, como se ele não passasse de pura especulação. Utilizem a prática política como um intensificador do pensamento, e a análise como um multiplicador das formas dos domínios de intervenção da ação política”
– Foucault, Para uma vida não fascista
De que nos serve o pensamento que está instituído? Ele nos serve? Ele é resistente ou inflexível? Não queremos desacreditá-lo como se fosse pura especulação. Devemos, pelo contrário, multiplicá-lo em seus usos, testá-lo, vesti-lo, ver se serve, se cai bem. Se ele não pode ser usado para nada, se ele fica apenas no campo do abstrato, então a conclusão é óbvia: ele não é útil.
O pensamento não deve ser um juiz que condena, mas uma ferramenta da qual nos utilizamos. Fora com a especulação supérflua! Queremos que o pensamento seja a possibilidade de uma prática que retorne para intensificar o pensamento e assim continuamente num ciclo virtuoso. É preciso que o conhecimento se torne afeto, se torne possibilidade de ação concreta. Essa é a vida que se manifesta como verdade, como a coragem de se viver a própria verdade até o fim. Aqui não há separação entre discurso e prática.
É preciso a cada instante, passo a passo, confrontar o que se pensa e oque se diz com o que se é”
– Foucault, Ditos e Escritos V
Toda filosofia é um ato que deve ser posto à prova, caso contrário não vale de nada! O perigo do pensamento deve ser o perigo de se viver, porque aqui não há mais separação entre um e outro. Por isso afirmamos que Foucault é um valioso aliado! Com seu projeto ético de vida não fascista, ele nos ajuda a quebrar certas correntes, faz o ato de pensar se proliferar e se transformar, brinca com ele para ver seus limites. É no perigo que pulsa a vida e todo pensamento precisa de uma força exterior que o force a rodar, e assim ir além.
Por isso retomamos a pergunta: de que nos serve este pensamento que está aí? Ele nos ajuda a viver? O Fascismo nos ajuda a pensar e a viver melhor? Nós respondemos simplesmente que não. O fascismo é burro. O que queremos é proliferar no conhecimento os sinais da existência alegre, potente, não os julgamentos. Se o modo de vida fascista é basicamente um estupor, um fechamento, um entupimento dos poros, podemos concluir facilmente que seu pensamento segue na mesma via, e não encontra modos potentes de viver.
Como intensificar a reflexão pela prática? Como fazer então para que o prazer de destruir seja também uma vontade criativa? A tentativa é de encontrar novas medidas, novos valores! Como fazê-lo? Sejamos foucaultianos, utilizemos a prática como intensificadora do pensamento! Sim, submetendo um à prova do outro. O filósofo francês procurava por ideias que trouxesse em si a possibilidade de fazer da própria vida um material artístico, sem precisar recorrer a um padrão externo normativo. Afinal, não basta apenas livrar-se do poder! É preciso aprender a voltar a refletir, a questionar-se, a olhar diferentemente para o mundo.
Foucault quer mostrar que esta moeda do fascismo é falsa, sem valor! Ela descola a realidade do pensamento, porque não consegue dar conta dos dois juntos. Nós chamamos de hipocrisia, eles dizem que na prática a teoria é outra. Todo corpo ideológico impotente termina por criar mundos onde um dia chegaremos, cria regras que são impossíveis de serem seguidas, cria valores que não nos trazem qualquer forma de realização. É uma maneira de acusar a tudo e todos. O modo de vida fascista impede o pensamento porque impede que a vida siga adiante, encontre seus caminhos e se torne outra pela própria potência de sua afirmação.
O valor de um pensamento precisa ser experimentado, precisa se tornar afeto, para ser entendido em seu sentido mais íntimo, para sabermos se ele presta ou não. Por isso conceitos são ferramentas e devem ser colecionados e usados sempre que possível! E por isso se combate o fascismo com pensamento, desejo e ação! Quanto mais estes se tornam ativos, mais percebemos que na verdade são uma única e mesma coisa.
Não poderíamos aqui ser mais atuais, explodir em uma proliferação de discursos, assumir a multiplicidade como substantivo, não como adjetivo. Fazer vazar o discurso fechado, retrógrado, conservador. A vida precisa criar estratégias para escapar do fascismo, um deles é simplesmente voltar a questionar-se, ser capaz de crítica. Como disse Kant: é preciso ousar pensar! Sair da menoridade do pensamento e da ação. Não temos tempo para o tacanho e o pequeno. Sejamos estrábicos: um olho no livro e outro na vida.