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Vimos como a esquerda tem em uma mão a luta por igualdade e na outra a luta pela singularidade. Mas não conquistará jamais seus objetivos sem a soberania popular. Por isso, uma das primeiras promessas da esquerda precisa ser a possibilidade radical de participação política. Aproximação do poder com o povo e com as demandas populares. A refundação do pensamento de Esquerda passa pela atualização de dois princípios fundamentais: a Democracia Direta e a Gestão Coletiva.

A verdadeira democracia é medida, na verdade, pela possibilidade dada ao poder instituinte popular de manifestar-se e criar novas regras e instituições. Não é somente pelas eleições que tal poder se manifesta”

– Vladimir Safatle, A Esquerda Que Não Teme Dizer Seu Nome, p. 55

Representação

Um grande erro: achar que votar em representantes de Esquerda é fazer política revolucionária. Não é, nunca foi e nunca será! Queremos mais! De um lado temos representantes populistas e tecnocratas, colocando em seus ombros a “difícil tarefa” de liderar o povo e libertá-lo de seu sofrimento. Neste sentido, promessas de líderes autoritários de direita e o empenho de uma vanguarda de esquerda se encontram mais próximos do que imaginamos. Mas do outro lado, quebrando com a divisão povo/poder, está a busca por uma política verdadeiramente democrática, onde a participação e soberania popular é direta e constituinte.

A representação é hoje um arcaísmo político que visa apenas nos afastar de uma democracia real. Na verdade, quem defende a representação, seja direita, seja esquerda, encontra nela um bom álibi para esconder seus desejos de controle”

– Vladimir Safatle, Só Mais Um Esforço, p. 127

Demanda de Amparo

Isso significa simplesmente que a demanda por amparo não pode ser respondida com sua satisfação imediata vinda do exterior. Representantes que satisfazem seus eleitores é a forma mais baixa de política. Sabemos que a impotência nos deixa vulneráveis, mas onde há demanda de cuidado, não há política, há apenas cooptação e tutela. Romper com o ciclo: demanda do povo/obrigação do governante abre a possibilidade de participação popular e resolução horizontal dos problemas. Isso nos leva para a radicalização do que entendemos por democracia: poder do povo, ou seja, soberania popular. Afinal, diz Safatle, quem paga a orquestra, escolhe a música. Queremos chegar, se possível, ao grau zero de representação, eliminando todo poder vertical e burocrata!

Delegamos nossa soberania em troca de um governo que nos escraviza. Mas uma esquerda que não teme dizer seu nome deve buscar urgentemente sair dos espaços internos do governo para encontrar a política onde ela realmente deveria estar: na polis. O Estado, dentro desta ideia, passa a ser apenas um espaço de implementações de deliberações que ocorrem em seu exterior, ele não prescreve, apenas reconhece o que a sociedade decidiu. Parece absurdo, mas deveria ser a coisa mais natural do mundo!

A soberania popular não se representa. Um povo livre nunca delega sua soberania para quem quer que seja. Ele a conserva sempre junto de si. Passar sua soberania para outro é perdê-la […] o povo deve ter as estruturas institucionais que lhe permitam continuamente se defender de quem procura lhe usurpar o poder. Ele deve se expressar através do grau zero de representação”

– Vladimir Safatle, Só Mais Um Esforço, p. 125

– Sr. Garcia

Grau zero de representação

Através da soberania popular queremos chegar no grau mínimo de representação! Onde todos não apenas sintam que participam das decisões políticas, mas que realmente e efetivamente façam partes das deliberações que lhe dizem respeito. Isso vale para todas as áreas, pois é um engano ignorar que o povo tem o seu saber e que pode tomar as decisões que acredita serem as melhores para si. É com participação política, efetivo poder de resolução e transformação que as pautas de esquerda podem se efetivar.

A esquerda luta contra todas as formas de usurpação do poder popular. Por isso ela se coloca contra todos aqueles que tomam o poder de forma alheia, ilegal, golpista, populista. Buscamos o direito fundamental de tomar nossas próprias decisões e resistir à tirania. A esquerda deve admitir, inclusive, que o povo precisa estar acima da lei! Pois não há nada acima dele. A soberania do povo, a qual a esquerda deve incitar e assinar embaixo, é a luta por direitos, por igualdade radical no campo social, político e civil, além de uma completa indiferença às diferenças.

Conclusão

Apenas na democracia o desejo de todos é contemplado, como disse Espinosa: a vontade de governar e não ser governado. Podemos responder simplesmente então que a Esquerda busca incessantemente a Soberania Popular! A verdadeira esquerda é apenas aquela capaz de trazer o povo, a população, a sociedade como um todo para dentro da cena política. Por isso todo pensamento de esquerda deve ser profundamente anti-populista e anti-autoritário! Não delegar tarefas é uma de nossas tarefas, todo o resto é vanguardismo e tutelagem inúteis.

Texto da Série:

O que a Esquerda quer?

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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daniel.c4stagna
daniel.c4stagna
4 anos atrás

Olá, bom dia. Tenho lido muitos artigos do site, são ótimos. Nesse artigo eu consigo traçar um ponto de tangencia entre o pensamento liberal clássico difundido por Hayek e Mises e a proposta do Vladimir. O anti-populismo, anti-autoritarismo, não delegação de tarefas, eliminação do poder vertical e burocrata, etc, podem ser encontrados também no pensamento liberal. Entretanto, acredito que a principal diferença se dê na forma que a sociedade estabeleceria as verdades: no liberalismo, as leis de mercado seriam as grandes balizas da verdade e o *sujeito neoliberal* afirmaria as verdades através do consumo no mercado. Já Vladimir propõe que… Ler mais >