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A liberdade não é algo simples! Ela é, na verdade, um grande campo de batalha. Cada um pode defini-la, e o faz, mas sempre a partir de sua própria perspectiva. Isso quer dizer que o conceito de liberdade será dado em determinado contexto histórico, por pessoas específicas.

Ou seja, estamos falando de um conceito que será diferente, dependendo de quem a define, dependendo de sua posição sócio-histórica. Sendo assim, só podemos concluir que a liberdade do liberal será diferente, por exemplo, da definição marxista ou anarquista. Pois bem, como definir este conceito dentro da Biopolítica?

A liberdade é algo que se fabrica a cada instante. O liberalismo não é o que aceita a liberdade. O liberalismo é o que se propõe fabricá-la a cada instante, suscitá-la e produzi-la com, bem entendido, todo o conjunto de injunções, de problemas de custo que essa fabricação levanta”

– Foucault, O Nascimento da Biopolítica, p. 88

Num primeiro momento parece ótimo. Fabricar liberdade? Ora, por que não? Desta maneira, quando os Estados Unidos invadem um país dizendo que precisam levar a liberdade, bem… eles não estão errados. Na sua concepção de liberdade, é isso mesmo que eles estão fazendo. Qual seria esta?

O liberalismo precisa da independência e autonomia na medida em que só funciona se os interesses particulares puderem circular. Liberdade não é uma posse que se mantém em nosso íntimo, é uma maneira de fazer circular: desejos, aspirações, corpos, afetos, dinheiro, produtos, matéria prima, etc. 

Quanto maior a circulação, maior a independência, correto? Liberdade de mercado, liberdade de comprar e vender, de propriedade privada dos meios de produção, liberdade de expressão de ideias de liberdade.

A nova razão governamental necessita portanto de liberdade, a nova arte governamental consome liberdade

– Foucault, O Nascimento da Biopolítica, p. 86

Consumimos uma ideia! Nos comerciais de televisão, nas campanhas publicitárias. “Sejam livres!”. Claro, porque a nova arte de governar se alimenta de liberdade. O sujeito que chega ao mercado passou pela disciplina, pelos dispositivos de segurança pela condução pastoral. Ele agora é impotente o bastante para desejar apenas a liberdade de mercado. O que se deseja já é inofensivo.

Realmente, parece que estamos condenados à liberdade, como disse Sartre. Mas em sua concepção mais frágil, mais ineficaz, mais submissa. O Estado neoliberal a produz, a organiza e depois faz uso dela. O neoliberalismo faz a gestão das liberdades, as organiza ao seu modo, dá seus limites e possibilidades.

É necessário, de um lado, produzir a liberdade, mas esse gesto mesmo implica que, de outro lado, se estabeleçam limitações, controles, coerções, obrigações apoiadas em ameaças, etc”

– Foucault, O Nascimento da Biopolítica, p. 87

Não governa-se contra a liberdade ou a despeito dela, de modo algum! O objetivo é agir ativamente criando um espaço de liberdade controlada, para que os indivíduos se movam dentro de limites determinados. Liberdade, sim, mas até aqui, até este ponto, não além.

Você tem liberdade de comprar e de vender, escolher entre o produto A e o produto B, mas não tem independência para agir a despeito do livre mercado! Você tem liberdade de procurar outro emprego, mas não tem permissão para tomas as decisões na empresa em que trabalha. Você é livre para votar no seu candidato, mas nunca será capaz de realmente tomar decisões politicas em sua cidade.

Essa liberdade, ao mesmo tempo ideológica e técnica de governo, essa liberdade deve ser compreendida no interior das mutações e transformações das tecnologias de poder. E, de uma maneira mais precisa e particular, a liberdade nada mais é que o correlativo da implantação dos dispositivos de segurança

– Foucault, Segurança Território e População, p. 63

Estranho, não é? A liberdade é um correlativo da implantação de dispositivos de controle biopolítico. O liberalismo é antes de mais nada uma tecnologia do poder, de regulação das liberdades. Ela usa essa palavra, mas de maneira distorcida, monstruosa. A prática governamental consome uma concepção de liberdade. Ele precisa de nossa circulação, procurando emprego, comprando produtos parcelados, investindo em nós mesmos. Afinal, como capturar a liberdade se ela não circula?

Ou seja, fomos enganados! Não sabemos o que esta palavra significa. Ela é um recorte de algo muito maior, mas que perdemos de vista. Ela é uma palavra capturada, ela é efeito do poder. Convoca-se a liberdade, necessita-se dela, ela serve como ideia reguladora. Mas o tempo todo ela está gestionada e organizada. 

Não sabemos o que este ideal significa em nossos tempos, mas podemos dizer que a liberdade liberal é um novo tipo de escravidão. Pode-se fazer o que quiser? Sim, claro, desde que dê lucro, desde que esteja de alguma maneira envolvido com ganhar dinheiro. Os dados estão marcados. Nossa liberdade liberal é uma ilusão.

Texto da Série:

Biopolítica

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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Alison Rocha
Alison Rocha
4 anos atrás

ok, talvez eu esteja sonhando demais, mas queria muito um podcast sobre um tema que abordasse Foucault e o Neoliberalismo e como convidado o Raphael do canal Ideias Radicais, que segue uma linha política mais libertária. Será que rola?

daniel.c4stagna
daniel.c4stagna
Reply to  Alison Rocha
4 anos atrás

Seria muito legal mesmo ter um contra ponto. E o Raphael é um cara super de boa

Juliana Vilela Rodrigues
Juliana Vilela Rodrigues
4 anos atrás

Perfeito!!

Davi
Davi
4 anos atrás

Texto perfeito. O modo como Foucault consegue compreender o papel da liberdade no jogo do poder nos permite compreende-lo para além de uma ideia de poder fechada, sem movimento. O poder é eficaz, justamente, quando ele consegue criar e controlar esse campo de liberdade.