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O empresário de si é alguém que pensa sua relação com o mundo através dos valores empresariais. Ele parece um sujeito, mas é na verdade um produto do neoliberalismo. Ele é a subjetividade da Biopolítica.

Como ele é? Bom, ele sempre age tendo em vista uma relação utilitária e de crescimento infinito, acredita na competição, na liberdade de mercado. Se o Sujeito Neoliberal imagina que pode valorizar-se infinitamente, o empresário de si acredita que pode crescer infinitamente. 

A empresa é promovida como modelo de subjetivação: cada indivíduo é uma empresa que deve se gerir e um capital que se deve fazer frutificar”

– Pierre Dardot e Christian Laval, A Nova Razão do Mundo, p. 378

Não somos mais seres humanos, não somos seres políticos, nem sociais, muito menos racionais, somos seres econômicos. Se somos uma empresa, então é preciso defini-la:

  • Missão: Crescer infinitamente, valorizar a si mesmo;
  • Visão: Liberdade para negociar e empreender. O mundo é um mercado aberto e global onde levamos nossos interesses pessoais com o intuito de crescer mais e mais;
  • Valores: liderança, compromisso, dedicação completa, arriscar a si mesmo, obter resultados atrás de resultados, eficiência e desempenho.

O que está em jogo nesses exemplos é a construção de uma subjetividade, o que chamamos de ‘subjetivação contábil e financeira’, que nada mais é do que a forma mais bem-acabada de subjetivação capitalista. Trata-se, na verdade, de produzir uma relação do sujeito individual com ele mesmo que seja homóloga à relação do capital com ele mesmo ou, mais precisamente, uma relação do sujeito com ele mesmo como um ‘capital humano’ que deve crescer indefinidamente, isto é, um valor que deve valorizar-se cada vez mais

– Pierre Dardot e Christian Laval, A Nova Razão do Mundo, p. 31

O empresário acorda cedo, vai à academia, para manter a forma física e a aparência sedutora; ele é um empresário de si mesmo, investe em si mesmo, se dá valor, é fitness, se veste bem. Ele toma suas vitaminas, toma um café e vai para o trabalho. Busca bons resultados, procura ser eficiente. Não se cansa nunca, leva trabalho pra casa; almeja o impossível, é empenhado, não desiste nunca.

O mais estranho é encontrar toda uma literatura capturada sobre o assunto. O Empreendedorismo se faz de autoajuda, se camufla de religião e contamina, inclusive, filosofia. Afinal, o Cuidado de Si do Empreendedor é um contínuo processo de valorização do Eu no mercado de trabalho. Cuidado de si significa aqui intensificação do desempenho.

A assimilação das práticas de gestão às práticas antigas é, evidentemente, um procedimento falacioso, que visa a dar-lhes um forte valor simbólico no mercado da formação dos assalariados”

– Pierre Dardot e Christian Laval, A Nova Razão do Mundo, p. 339

empresário de si foucaultO sujeito de direito vai deixando de existir pouco a pouco, e começa se torna um auto-empreendedor. Troca-se o “um por todos e todos por um” pelo famoso “Cada um por si”. Vivemos este mundo competitivo e perigoso onde temos que ser fortes para ganhar. Se o lema do liberalismo é “viva perigosamente”, isso significa que todos estão constantemente em situação de perigo. Por isso passa a existir toda uma educação para o perigo, para o incerto. 

“Não há liberalismo sem cultura do perigo”

– Foucault, O Nascimento da Biopolítica, p. 91

Se somos empreendedores de nós mesmos então estamos o tempo todo vivendo com o risco de fracassarmos, de falirmos, financeira e emocionalmente. O mercado de trabalho é volátil, as ações na bolsa são inconstantes, o casamento, as amizades, tudo se torna incerto. Então, se tudo tornou-se precário, cabe ao empreendedor não desanimar, ele é o primeiro a dizer que a vida é assim mesmo, “faça mais e reclame menos”.

De um lado estão os riscófobos: aqueles que nunca serão nada na vida, pois têm medo, não gostam de arriscar, por isso mesmo são dominados. O riscófobo tem medo de empreender, são temerosos, por isso não são ninguém.

A figura com que o empresário de si se identifica é o riscófilos: aquele que ama o perigo, se arrisca, pula de cabeça, dá tudo de si. Por isso mesmo ele se torna dominante, está acima dos outros, é corajoso como ninguém e, por isso, pode ser o chefe, o líder, o centro das atenções.

Diferentes técnicas, como coaching, programação neurolinguística (PNL), análise transacional (AT) e múltiplos procedimentos ligados a uma ‘escola’ ou um ‘guru’ visam a um melhor ‘domínio de si mesmo’, das emoções, do estresse, das relações com clientes ou colaboradores, chefes ou subordinados. Todos têm como objetivo fortalecer o eu, adaptá-lo melhor à realidade, torná-lo mais operacional em situações difíceis [..] todos se apresentam como saberes psicológicos, com um léxico especial, autores de referência, metodologias particulares, modos de argumentação e de feição empírica e racional”

– Pierre Dardot e Christian Laval, A Nova Razão do Mundo, p. 339

Este personagem conceitual escuta todos os conselhos de seu coach. Ele precisa ser resiliente, dizem. Ele trabalha suas características inatas para crescer na empresa, adquirir novas habilidades, tornar-se melhor, receber aquele bônus de fim de ano. 

Mas tudo isso tem um único objetivo: tornar o indivíduo mais eficaz. Colar a subjetividade no capitalismo. Eficaz, claro, mas apenas para o mercado de trabalho, eficaz para dar lucro, eficaz para ser melhor explorado. Todos estes exercícios de automotivação e aumento do desempenho criam a ilusão de liberdade ou de ser dono de si mesmo, mas apenas retiram o peso e a complexidade da situação, servindo somente para jogar a responsabilidade sobre o indivíduo. Quando não se pode mais mudar o mundo, resta investir em si mesmo.

Falhou? Não conseguiu? Não deu certo? A culpa é sua! Você não desejou realmente, você não se esforçou o bastante! Você não estava suficientemente motivado. Você não fez uma boa programação neurolinguística, não ouviu seu coach, não prestou atenção naquela palestra motivacional. É aqui que a coerção econômica e financeira torna a autocoerção e a autoculpabilização.

O sujeito moderno só encontra a sua verdade no sucesso. Ou superação contínua dos limites (mas não há limites), ou fracasso generalizado. A interiorização do mercado introduz incerteza. A brutalidade da competição introduz medos e fragilidades. Mas nada disso pode ser demonstrado, temos que ser fortes. O empreendedor de si nunca pode revelar seus fracassos, sua vergonha, suas inseguranças.

Seus olhos estão vendados. Tudo que eles conseguem ver passa pelo prisma do investimento. Mergulhados na servidão absoluta, eles procuram a salvação naquilo que mais os escraviza.

Texto da Série:

Biopolítica

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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4 Comentários
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Amilson
Amilson
3 anos atrás

Muito bom! Esse é o tempo em que vivemos e é preciso quebrar essa retina escravizada que o neoliberalismo vem construindo

Suzana
Suzana
2 anos atrás

Bom demaisssss, Rafael!

jack
jack
1 ano atrás

top!! sou empreendedor de mim mesmo e sigo

Ana
Ana
1 ano atrás

Só tenho a agradecer por seus textos: Muito Obrigada!
Eles me instigam tanto ao ponto de escrever sobre, pesquisar, e o mais importante: a questionar.
Não sei se estou sendo rasa demais, mas lembrei muito do filme “Psicopata Americano” enquanto estava lendo. Acho que o personagem apesar de ser um psicopata é mais ou menos uma personificação do Empresário de Si.