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Foucault é o filósofo da luta e da resistência. Mas também é o grande pensador do Poder. E nossa triste constatação com a Biopolítica é que o poder tornou-se ainda mais incisivo, mais ardiloso, mais imperceptível, e por isso muito mais perigoso. Esperávamos crises capitalistas que mudassem o sistema e a disposição das coisas? Ledo engano! Suas contradições não são autodestrutivas. As crises parecem tornar ainda mais forte as políticas neoliberais, ao contrário do que sonhavam os ingênuos de esquerda.

Mas Foucault não prega o desespero nem a desistência. É preciso compreender para melhor resistir. Se vivemos o tempo da condução das condutas, então a resistência está nas próprias condutas que resistem, que se recusam a ser tão dominadas e conduzidas assim.

Foucault cria a ideia de contraconduta como uma maneira de lutar contra os procedimentos e estratégias colocados em ação para conduzir nossas vidas em uma determinada direção. Não é um ficar parado, não é um resistir passivo, mas um deliberado conhecimento e cuidado de si para se proteger e poder seguir em outra direção.

Através da contraconduta é possível tanto escapar da conduta dos outros como definir para si mesmo a maneira nova de se conduzir com relação aos outros. Aí está a beleza do conceito: fugir, mas criar alguma coisa no caminho. Fazer fugir, mas se ocupando de abrir espaço para novas possibilidades de existência. 

A resistência está exatamente aí! O neoliberalismo possui uma racionalidade: comportar-se como uma empresa, que compete e se valoriza infinitamente, ter a postura de um empreendedor que possui desempenho e motivação infinitos. A contraconduta, ou crise de conduta, está na recusa e na criação de outras maneiras de se relacionar.

Por isso a questão é tão complexa, não são lutas lineares e bem definidas, onde houver subjugação e opressão, deverá haver resistência, seja no campo econômico, subjetivo, cultural ou político. Onde quer que seja, são fenômenos difusos e descentrados

A consequência disso é que a contraconduta como forma de resistência a essa governamentalidade deve corresponder a uma conduta que seja indissociavelmente uma conduta para consigo mesmo e uma conduta para com os outros”

– Pierre Dardot e Christian Laval, A Nova Razão do Mundo, p. 400

É aqui que Foucault começa a se aproximar da última fase de sua obra: o Cuidado de Si. Para conduzir os outros, devemos primeiro aprender a nos conduzir. Nós e os outros, conjuntamente. Este é o ponto onde política e ética se tornam absolutamente unidos.

À ultrassubjetivação capitalista, mercadológica, empresarial, devemos opor uma subjetivação pelas contracondutas! Seguir em outra direção, tomar o caminho oposto, surpreender. Exemplo? Contra a governamentalidade neoliberal como maneira específica de concorrência generalizada, podemos colocar a busca por relações de cooperação e ajuda mútua.

Onde estão os caminhos alternativos? Se eles existem, não estão na ideia de progresso que contamina a visão geral de todos nós. Por isso mesmo Foucault se volta para os antigos, para encontrar respostas que não sejam colocadas em uma esperança no futuro.

Foucault procura uma subjetividade antes da construção do homem moderno medíocre (como bem diagnosticou Nietzsche). Foucault procura ilhas de subjetividade perdidas na história da colonização de nosso pensamento e nossa maneira de viver. É possível se relacionar sem explorarmos uns aos outros? Sem sermos parasitas do próximo? Onde está a política fundada em novas subjetividades e portanto novos caminhos?

A invenção de novas formas de vida somente pode ser uma invenção coletiva, devida à multiplicação e à intensificação das contracondutas de cooperação

– Pierre Dardot e Christian Laval, A Nova Razão do Mundo, p. 401

Este era o objetivo final de Foucault. Seguir em outra direção, encontrar microcondutas que não cedessem ao modo de vida moderno. Foucault faz como o Andarilho de Nietzsche, que sai da cidade para olhá-la numa perspectiva nova, e percebe como suas torres são pequenas e frágeis. Se o homem deve morrer, segundo o pensador francês, então é toda uma conduta que deve perecer. Foucault encontra alternativas na história da filosofia, mas qualquer passo em qualquer direção nova exige coragem.

Texto da Série:

Biopolítica

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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Viviane Matos soares
Viviane Matos soares
4 anos atrás

Muito bons seus textos me fazem refletir mais

Ana Paula
Ana Paula
4 anos atrás

Parabéns pela maneira que explica os textos de Foulcault.

Ana Silva
Ana Silva
3 anos atrás

Parabéns pelo texto!
Fiquei interessada em ler a própria referência bibliográfica, textos de Foucault onde ele aborda a arte como contraconduta, por exemplo! Saberia informar?

Obrigada!!

Miette Maria Campos Borges
Miette Maria Campos Borges
3 anos atrás

Gostei e entendi… tenho que ler todos.. Obrigada.