Em todas as coisas e ocasiões, o indivíduo frui, em primeiro lugar, apenas a si mesmo. Isso já vale para os deleites físicos e muito mais para os intelectuais”
– Schopenhauer, Aforismos para a Sabedoria de Vida, p. 15
Schopenhauer começa pelo óbvio: nenhum prazer, por maior que seja, vale um risco para nossa saúde. Sigamos por este caminho, de que vale um prazer que nos levará ao infortúnio e dores maiores no futuro? Nada… nada vale mais que a nossa saúde! Nenhuma troca é boa o bastante neste mundo se prejudicar aquilo que mais necessitamos: nós mesmos.
Pois realmente a saúde é, de longe, o elemento principal para a felicidade humana. Por conta disso, resulta que a maior de todas as tolices é sacrificá-la, seja pelo que for: ganho, promoção, erudição, fama, sem falar da volúpia e dos gozos fugazes”
– Schopenhauer, Aforismos para a Sabedoria de Vida, p. 20
A separação parece acontecer da seguinte maneira: o lado de dentro é mais valioso que o lado de fora, pois aquele está sempre conosco. Por isso é tão importante repetir: aquilo que somos é muito mais importante do que aquilo que temos ou aparentamos. Óbvio, não é? Mas é comum deixarmos de lado esta premissa básica. Talvez porque somos o tempo todo requeridos por demandas do exterior, e a urgência não nos deixa pensar naquilo que somos. Talvez porque não achamos que somos grande coisa, e mais vale esquecer de si do que se cultivar.
A dor e o tédio são nossos inimigos principais nesta questão. O pêndulo não possui misericórdia, ele oscila de um lado para o outro, apenas o sábio consegue escapar. A felicidade se conquista escapando desta roda de Ixion. Se de um lado temos a necessidade e a privação, que geram dor, do outro temos a abundância e a segurança, que geram tédio. É mais comum as classes menos abastadas lutarem contra a dor e as classes mais altas, contra o tédio. Mas todos estão sujeitos a um e outro.
Cada um escapa como pode! Os ricos buscam diversões e distrações, jogam cartas, assistem séries, filmes cult, tudo para se livrar do tédio que nos revela o vazio de sua existência, planejam viagens porque não têm o que fazer, arranjam sarna para se coçar, pois não conseguem ficar em sua própria presença. Já os pobres vendem o almoço para comprar o jantar, sempre correndo atrás do prejuízo, sem tempo para pensar em outra coisa. Deitam a cabeça e adormecem prontamente, preparando o corpo para a labuta do dia seguinte. Neste jogo vazio, os dois são escravos.
Escolher entre um e outro? Não, muito obrigado, diz o sábio! Como escapar desta dupla maldição? O sábio buscará uma vida tranquila, modesta, com o mínimo possível de conflitos. Depois de encarar a tragédia do mundo, buscará o melhor possível a ausência de dor (regra capital do hedonismo menor) construindo uma vida serena, sossegada, com espaço para o ócio e a solidão. O sábio não quer nada além de si mesmo e ninguém pode lhe ser mais útil nesta empreitada.
Em qualquer parte do mundo, não há muito a buscar: a miséria e a dor o preenchem, e aqueles que lhes escaparam são espreitados em todos os cantos pelo tédio. Além do mais, via de regra, impera no mundo a malvadez, e a insensatez fala mais alto. O destino é cruel e os homens são deploráveis”
– Schopenhauer, Aforismos para a Sabedoria de Vida, p. 31
Se a miséria e a dor preenchem os quatro cantos do mundo, além da maldade que espreita em cada canto, juntamente com a mesquinhez e a estupidez, claro, então não há muito o que se buscar além de si mesmo. Fora encontramos a dor, o desconforto, traições, pobreza, egoísmo, estupidez; dentro, placidez, serenidade, riqueza de espírito. É tão difícil assim escolher?
Sim, o mundo pode ser bem cruel, sabemos. Por isso o recolhimento. Na solidão, o homem que basta a si mesmo pode se entregar às suas reflexões sem ser incomodado por ninguém. Aliados? Por que não? Mas é necessário antes de mais nada confiar em si mesmo! Tornar-se seu principal aliado! O homem mais sociável então, só pode ser o mais pobre de espírito, o mais vulgar, que procurar atividades em grupo porque não logrou encontrar a si mesmo. As pessoas que não têm pensamentos para trocar, trocam cartas de baralhos (ou fotos e likes).
Nada melhor, neste caso, do que bastar-se a si mesmo. O homem de inteligência predominante dificilmente se entedia, pois sua vida é preenchida dos mais diversos pensamentos. Ele leva duas vidas: a pessoal, insossa e sem grandes acontecimentos, e a intelectual, repleta de emoções e eventos! A primeira torna-se uma meio para a segunda. Por isso a fuga dos problemas do mundo, eles só atrapalhariam.
Tal vida intelectual protege não só contra o tédio, mas também contra suas consequências perniciosas. Ela é um escudo contra a má companhia e contra os muitos perigos, infortúnios, perdas e dissipações em que se tropeça quando se procura a própria felicidade apenas no mundo real”
– Schopenhauer, Aforismos para a Sabedoria de Vida, p. 40
A felicidade do sábio é mais consistente que a do tolo! O primeiro sabe quem é, o segundo está perdido de si mesmo. O homem que gosta de sua própria companhia adquire emoções indolores e, no entanto, vivazes. Sua felicidade é contentamento intelectual que não prejudica ninguém. Esta é a melhor atividade pois protege mas ao mesmo tempo traz prazeres de outra ordem. Já o homem comum se restringe aos deleites exteriores, se perde nos caprichos da vida. Um procura a felicidade fora o outro, dentro.
Para o sábio, a solidão é sempre bem vinda, ansiada e recebida com festas. Quem bom estar em sua própria companhia! O ócio é o bem supremo, todo o resto é dispensável (menos a boa saúde)! O gênio possui a si mesmo, isso basta; o parvo não, poderíamos dizer que ele quase não existe. O sábio quer ser ele mesmo, orgulha-se, contenta-se; o tolo está sempre fora de si, perdido, alienado. Quem é rico interiormente só precisa que o mundo lhe deixe em paz; o néscio, o estulto, implora para que o mundo o lhe sirva, e cai facilmente no ressentimento.
Os gênios podem se consolar com tudo, desde que possuam a si mesmos”
– Schopenhauer, Aforismos para a Sabedoria de Vida, p. 41
Procurar a felicidade fora é buscar naquilo que é efêmero um porto seguro. Nossa felicidade depende de quem somos e como nos cultivamos interiormente. Não há nada mais garantido para a felicidade que querer ser aquilo que se é! O sábio tornou-se aquilo que é, ele é o centro de si mesmo. Enquanto os outros têm ou aparentam ter, ele é.
Schopenhauer salva rs
Como ser um sábio? Ser rico interiormente? Conhecer-se e cultivar-se?
Pensamentos de valia.
Fica o desafio, aplicar no dia a dia.
Boa sorte, para nós.