A máquina de Guerra é um dos conceitos mais importantes criados por Deleuze e Guattari, e está desenvolvido no 12º platô “Tratado de Nomadologia”.
Antes de mais nada, podemos dizer: Máquina de Guerra se aproxima da ideia de Máquinas Desejantes, ou talvez, pura e simplesmente, afirmação de multiplicidades. A Máquina de Guerra é uma produção contínua de afirmações e intensidades.
Como este conceito é um dos últimos a ser tratado no livro, ficam subentendidos muitos entrelaçamentos aqui: o nômade, sua exterioridade como máquina de Guerra, e o aparelho de Captura do Estado que procura dominá-lo.
O Platô se faz através de proposições e axiomas (a la Espinosa?) e vamos expor alguns deles:
Axioma I: “A máquina de Guerra é exterior ao Aparelho de Estado”
Se o estado possui um Rei-Déspota, isso significa que ele age agarrando as multiplicidades e distribuindo-as segundo o seu próprio fundamento (o estado rostifica). Ou seja, há multiplicidades capturadas e multiplicidades soltas.
A máquina de guerra são as multiplicidades em estado de livre associação, livre afirmação, é o Esquizo do Anti-Édipo. Isso é demonstrado pelo etnólogo Pierre Clastres: as sociedades ameríndias trabalha(va)m ativamente, através de múltiplos dispositivos, para não instituírem um centro organizador.
Ou seja, a multiplicidade é anterior ao fundamento e as Sociedades são anteriores ao Estado. Uma sociedade pode se organizar sem precisar de um arquiteto. Isso significa que o dentro (capturado) e o fora (nômade) estão em constante convivência, numa luta tensa e contínua.
Não é em termos de independências, mas de coexistências e de concorrência, num campo perpétuo de interação, que é preciso pensar a exterioridade e a interioridade, as máquinas de guerra de metamorfose e os aparelhos identitários de Estado, os bandos e os reinos, as megamáquinas e os impérios. Um mesmo campo circunscreve sua interioridade em Estados, mas descreve sua exterioridade naquilo que escapa aos Estados ou se ergue contra os estados” – Deleuze e Guattari, Mil Platôs Vol. 5, p. 25
O estado paranoico funciona através das concepções de estabilidade, eternidade, constância e identidade. Já a máquina de guerra esquizo se manifesta através de fluxos, desvios, transformações e metamorfoses. Se o estado age através de uma força centrípeta, tragando tudo, o nômade pensa através de uma força centrífuga, se dispersando e se desviando como o clinâmen epicurista.
Já sabemos bem, um é o pensamento comportado, que faz uso do bom senso e da identidade, o outro é o pensamento da diferença. Um é o pensador do fundamento, o outro é o pensador do afundamento. Um é o professor universitário (Platão, Kant, Hegel), o outro é o pensador intempestivo (Espinosa, Nietzsche).
Axioma II: “A máquina de guerra é uma invenção nômade”
Como já vimos, o nômade é aquele que se faz na relação. Ou seja, máquina de guerra e nomadismo são sinônimos. O nômade é aquele que efetua as condições da máquina de guerra, ele é nosso Personagem Conceitual que se move pelo espaço de um jeito diferente.
Para o nômade, ao contrário, é a desterritorialização que constitui sua relação com a terra, por isso ele se reterritorializa na sua própria desterritorialização. […] Ele é o vetor de desterritorialização” – Deleuze e Guattari, Mil Platôs Vol. 5, p. 56
Se o Nômade é aquele que se territorializa na desterritorialização, isso significa que ele encontra seu modo de viver não em um fundamento incondicional, mas no próprio devir. Ele não espera chegar a nenhum lugar, ele está sempre de passagem, está sempre em percurso, está sempre ao mesmo tempo chegando e partindo.
O nômade se espalha, como a grama se espalha, como o rio flui, como o universo se expande. O nômade caminha, corre, salta, voa. Seu modo de manifestação é se abrindo. Ele está constantemente cruzando platôs, atravessando as heterogeneidades! Toda barreira para o nômade é móvel, é um desafio. Todas as linhas existem para serem cruzadas.
Axioma III: “A máquina de guerra se expressa como a metalurgia”
Isso pode parecer complicado: o nômade é como um metalúrgico. Ele habita ao mesmo tempo a civilização e os fluxos da natureza, ele está com um pé em cada lado, aprendendo a trabalhar com as variações do metal nos seus estados múltiplos, ele pode fazer ferramentas para a cidade ou armas para desbravar novos lugares. A metalurgia nos faz ver um estado vital da matéria, uma matéria em fluxo. Estamos falando que o nômade é como um metalúrgico porque aprende uma maneira de criar a matéria!
O ferreiro, explicam Deleuze e Guattari, é uma espécie de filósofo! Ele pode criar ferramentas pro estado, mas pode criar armas de desterritorialização!
O Nômade/Filósofo/Metalúrgico se expressam na fronteira do império, eles estão frente a frente com a multiplicidade pura, por isso são aqueles capazes de traçar linhas de fuga! Criar armas para isso! A máquina de guerra quer percorrer os espaços lisos, povoar desertos e estepes, se espalhar! Mas ao fazer isso, ela encontra a força unificadora do estado. É aí que a guerra pode acontecer.
A Máquina de Guerra não tem a guerra por objetivo, mas a guerra pode decorrer da sua relação com o Estado. Quando a guerra acontece? No mau-encontro entre as duas. Quando a Máquina de Guerra é capturada pelo Aparelho de Estado. Ou seja, o Estado é o responsável pela apropriação das multiplicidades e redisposição delas de acordo com o seu fundamento.
Máquinas de guerra têm horror à captura! Horror à unificação! Elas procuram suas próprias conexões. Mas nem sempre isso é possível. O Estado quer fazer uso da sua potência (filosófica, científica, artística), discipliná-la (codificá-la) e controlá-la (axiomatizá-la). Livre, ela seguiria sua própria linha de fuga criadora. Capturada, ela perde suas linhas de fuga.
Obrigada Rafael pelo retorno que não é eterno rs
Obrigada pela contribuição desse texto muito bem escrito.