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A mente pensa, simples assim. Mas pensar não necessariamente significa pensar bem, alias, pensamos de uma maneira bem confusa. Sabemos disso, e o objetivo da filosofia é tentar melhorar a nossa maneira de pensar. Assim, vimos como a imaginação e a memória ainda são muito limitadas. 

O que Espinosa está dizendo é que a mente não conhece inicialmente as relações necessárias parte/todo, ela não conhece a concatenação dos corpos, apenas seus efeitos mais imediatos. Ela nasce pequena, confusa, limitada.

A imaginação é uma potência, mas apenas o primeiro momento do ser afetado, ela faz o que pode e organiza as ideias parciais que tem. Gravar relações não é um problema, é um começo, mas parar aí é um grande problema. Fazer da imaginação um sistema de pensamento é o problema!

A mente forma ideias de seu corpo, guarda os afetos e começa a concatená-los. Ótimo, mas como pode fazer isso de uma maneira muito limitada, precisamos trabalhar ativamente para que estes pensamentos se tornem cada vez mais potentes.

Temos duas tristes conclusões a serem tiradas aqui:

  1. Uma afecção não envolve um conhecimento adequado do corpo exterior
  2. Nem mesmo do nosso próprio corpo

Conhecer as coisas apenas sentindo-as é muito pouco! Afinal, o sol aparece como algo acima das nossas cabeças, rodando em torno da Terra; a vacina, inicialmente, parece uma coisa ruim; fumar, inicialmente, parece uma coisa boa. Espinosa nos aconselha a trabalhar estas imaginações iniciais.

A falsidade consiste na privação de conhecimento que as ideias inadequadas, ou seja, mutiladas e confusas, envolvem” – Espinosa, Ética II, prop. 35

A falsidade são pequenas verdades, ou melhor, uma parcela muito pequena da verdade. São verdades de quem vive apenas no campo dos efeitos e não das causas. Sendo assim, precisamos refinar estes pensamentos! Precisamos de uma ideia mais clara de nós mesmos e do mundo! Precisamos encontrar algo que faça mais sentido e dar uma forma mais qualificada aos nossos pensamentos.

Mais uma vez, Espinosa trabalhará isto nas relações. É através das relações que as ideias inadequadas da imaginação podem tornar-se adequadas, ou racionais.

As ideias inadequadas criam um mundo de ideias transcendentes e de Universais Abstratos. Ou seja, encontramos causas sem efeitos, parte de um mundo de propriedades universais que funcionam pelas Leis de Semelhança.

Exemplo: O que é a ideia de cavalo? Ora, diz Espinosa, ela não passa de uma limitação da nossa imaginação.

Esses termos surgem porque o corpo humano, por ser limitado, é capaz de formar, em si próprio, distinta e simultaneamente, apenas um número preciso de imagens. Se esse número é ultrapassado, tais imagens começam a se confundir” – Espinosa, Ética II, prop. 40, esc

Através da imaginação, formamos noções gerais abstratas. Ou seja, a mente agrupa certo número de coisas que imaginou em um signo: cavalo, cachorro, ser humano, bem, mal, azul, vermelho, etc.

As ideias abstratas são potências de pensar da mente, mas são sempre profundamente inadequadas, pois expressam apenas efeitos dos afetos em nós, mas não a sua causa.

Este é o problema! A Noção Universal é um pré-conceito da memória. Ela junta tudo, faz uma média, uma imagem modelo, e fica por isso mesmo. A noção universal é apenas um conceito que formamos das coisas e que utilizamos para julgar sua perfeição em relação a outras coisas. Aqui, qualquer mera semelhança com Platão não é mera coincidência.

Este conhecimento é sempre limitado e confuso e consegue falar apenas das propriedades. Para sair dos universais abstratos é preciso sair da descrição das propriedades e entrar na descrição da relação de causa e efeito das coisas.

As Ideias Imanentes são o nascimento de um Sistema Racional, baseado na ideia de Noções Comuns, que são a relação de proporção necessária e determinada entre a parte e o todo.

Aqui o pensamento funciona através de Leis de Determinação Causal, ou seja, uma ideia adequada é uma compreensão das relações de determinação que vão da causa para o efeito, e onde as propriedades são efeitos da causa. Saímos dos efeitos em nós, entramos na compreensão da causa. Saímos da nossa cabeça, entramos na relação!

Para ilustrar o que estamos querendo dizer, temos o exemplo do próprio Espinosa: O que é um círculo? “Ora”, diriam, “muito simples, é uma figura geométrica cujos pontos estão equidistantes do centro”. Perfeito! Estamos descrevendo as propriedades de um Círculo, estamos no campo do círculo afetando nosso corpo.

Mas como ele adquiriu exatamente estas propriedades? Por que um círculo não é uma elipse ou um quadrado? Espinosa quer uma definição que faça o círculo nascer e ser exatamente o que é: um círculo, algo cujos pontos estão equidistantes do centro. Precisamos de uma definição causal, e Espinosa tem uma: “Um fragmento de reta que gira em torno de uma extremidade”. 

Entenderam? Não precisamos descrever um círculo, precisamos entender como fazer um. E com esta definição nós compreendemos uma das maneiras de se fazer um círculo (podem existir outras). Esta é a maneira pela qual o círculo passa para a existência necessariamente com estas propriedades de círculo. Aqui estamos na Razão: as propriedades nascendo de causas.

As ideias adequadas mostram para nós como o universo se constrói, através destas ideias compreendemos as leis que sustentam esta realidade.

Isso nos leva de volta à questão dos afetos! Tudo começa com a mente e o corpo amarrados. Enquanto o corpo se move, a mente pensa coisas, enquanto o corpo experimenta, a mente pensa. Mas tem mais, a mente começa a formar ideias das ideias. Não é lindo isso? Ela começa a sair da imediaticidade dos efeitos sobre seu corpo e passa a compreender a maneira como estes afetos vieram a existir. 

A filosofia de Espinosa acontecerá o tempo todo aí. É uma filosofia que pensa as transições do corpo, e a mente acompanhando estas transições. Em suma, a mente realiza reflexões de como seus afetos são causados necessariamente nos encontros pelo mundo.

Texto da Série:

 

Ética

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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1 Comentário
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Felipe
Felipe
1 ano atrás

“Não precisamos descrever um círculo, precisamos entender como fazer um.” Essa frase explodiu a minha cabeça, muito bom.