Foucault não possui um pensamento opositivo ou dialético. Sua intenção é outra: qual a genealogia do pensamento e do modo de vida moderno? Se a Biopolítica se torna uma forma de poder, cabe a nós entender por quê. Com o nascimento da Biopolítica, encontramos três racionalidades funcionando juntas: Soberania, Disciplina e Biopolítica. A primeira perdendo espaço, enquanto as duas outras crescem. Nossa questão aqui será então entender qual a dinâmica entre elas:
Soberania
Foucault mostra como o pensamento soberano perdeu espaço ao longo da história. Se antes o rei Luis XIV podia dizer “O Estado sou Eu”, com o passar do tempo isso já não é possível. Se antes, o Rei dispunha de todos os recursos para supliciar qualquer um que quebrasse a lei, vemos que, com o advento da punição, isso deixará de ser o principal papel do estado.
Mas não podemos dizer que o poder soberano deixou de existir: ele se exerce sobre bens, terras e produtos. A soberania ocupa-se com territórios e riquezas. Seu modo de funcionamento é indireto e afastado. Por exemplo com a cobrança de impostos e guardando parte da produção da terra.
A soberania se constitui de modo transcendente, o Rei é escolhido por Deus. Por isso, podemos dizer que o soberano é algo absolutamente diferente do súdito, há uma diferença qualitativa. O Rei é tudo, o súdito, nada. Enquanto o primeiro possui a individualidade absoluta, os súditos são uma massa homogênea (povo).
A lei do rei é divina e inquestionável. Quebrar uma lei era ofender a própria figura do soberano. Tudo está em seu poder! Trata-se de uma assimetria absoluta entre o soberano e seus súditos. Por isso, quando a lei é quebrada, o Rei pune com Violência Espetacular.
Como melhor exemplo temos leis simples que são punidas com a morte através do suplício: não matarás, não roubarás. São passíveis de punições extremas e espetaculares, na frente do Rei e da população.
O pensamento da soberania funcionava bem no feudalismo, servia bem para a instituição de monarquias. Mas a partir do século XVII e XVIII surgem novas formas de exercer o poder.
Disciplina
O campo da disciplina, como já vimos, é o poder que se exerce diretamente no corpo individual. A disciplina quer apropriar-se exaustivamente do espaço e do tempo de trabalho. Ela é a racionalidade da burguesia industrial. Se a soberania sobreviveu, foi apenas para melhor aplicar os dispositivos de disciplina!
A punição é trocada pela vigilância e correção: Desenvolvem-se técnicas para corrigir o infrator: nascimento da criminologia, psiquiatria, psicologia. O objetivo é criar um corpo dócil. Seu oposto não será o indivíduo a ser punido, mas sim o delinquente a ser corrigido.
A disciplina aprende a usar a cela, antigamente reservada à esfera religiosa. O espaço celular, recortado no tempo e no espaço, isolado, é o lugar onde a disciplina se aplica com toda a sua força! O indivíduo disciplinado, treinado, dócil, adquire o máximo de uso econômico e o mínimo de uso político.
Biopolítica
A Biopolítica é a última convidada para a festa, a irmã mais nova das estratégias de poder. Ela se exerce sobre uma população aberta e em circulação.
Ou seja, a Biopolítica não pune (passado) e não disciplina (presente) ela não atinge os indivíduos diretamente, mas os dirige, conduz suas condutas, em seu meio de circulação, no fluxos de pessoas, mercadorias, e assim por diante.
O que se acrescenta à punição soberana e à disciplina vigilante são os dispositivos de segurança policial e pastoral.
Não há a era do legal, a era do disciplinar, a era da segurança. Vocês não têm mecanismos de segurança que tomam o lugar dos mecanismos disciplinadores, os quais teriam tomado o lugar dos mecanismos jurídico-legais. Na verdade, vocês têm uma série de edifícios complexos nos quais o que vai mudar, claro, são as próprias técnicas que vão se aperfeiçoar ou, em todo caso, se complicar, mas o que vai mudar principalmente, é a dominante ou, mais exatamente, o sistema de correlação entre os mecanismos jurídico-legais, os mecanismos disciplinares e os mecanismos de segurança. Em outras palavras, vocês vão ter uma história que vai ser uma história das técnicas propriamente ditas”
– Foucault, Segurança Território e População, p. 11
Não é uma dialética ou uma progressão onde uma deixa de existir com o aparecimento da outra. Trata-se mais de uma evolução múltipla onde todas convivem dentro do espectro humano do poder. São estratégias que o poder desenvolve ao longo do tempo.
A Biopolítica aprende que não se trata de uma questão de punição ou de exclusão, mas sim de apreender a natureza dos movimentos nos espaço. Por exemplo: em vez de excluir ou colocar de quarentena, a Biopolítica usa a estratégia da vacinação para dar conta de sua população.
De certo modo, podemos dizer que todas elas são maneira do poder se espalhar sobre um espaço:
- A Soberania trabalha num espaço recortado do mapa, com fronteiras definidas e claras. Há um sim e um não, um aqui e um lá.
- A Disciplina trabalha num espaço vazio, que ela mesmo preenche artificialmente: a fábrica, com seus sinais, suas ferramentas, sua esteira de produção. Os corpos como peças adjacentes às máquinas, devidamente treinados, dispostos, instalados e disciplinados.
- A Biopolítica trabalhará acima destas duas (com algo já dado). Mas ocupa-se com a gestão de uma multiplicidade populacional aberta, em permanente circulação.
Outra característica importante, todas elas se dão sobre multiplicidades.
- A Soberania envolve o corpo do soberano como ser único e individual e a massa do povo como homogeneidade constitutiva.
- A Disciplina envolve um corpo homogêneo de indivíduos que deve ser organizado através de exercícios individualizantes. A disciplina é uma maneira de recortar a multiplicidade e dar a ela uma forma determinada.
- Já a Biopolítica conduz o movimento das próprias populações. Seus fluxos de nascimentos, mortes, migrações, circulações de matérias-primas, produtos, dinheiro. Através de estatísticas e medições, procurará conduzir estes fluxos na direção que compreende ser a melhor.
Não devemos pensar em termos de substituição, mas de sobreposição e complexificação.
As pessoas acreditarem que há uma justiça na propriedade privada e que ética e moral são a mesma coisa a questão é quanto porcento da pululação esta disposta a questionar essa ideia