O internamento não tem nenhuma unidade institucional além daquela que lhe pode conferir o caráter de polícia. Está claro que não tem mais nenhuma coerência médica, psicológica ou psiquiátrica”
– Foucault, História da Loucura
Por que internar? Qual seu objetivo? Ora, muito simples, dirá Foucault: interna-se para corrigir! O internamento é a tática de exclusão que a igreja usou para a lepra. Seu objetivo é segregar aqueles que são uma ameaça de saúde, retirar as “maçãs podres”, rezar por elas e pedir a sua purificação. Ou seja, a terapêutica moral da Grande Internação se confunde com a moral purificadora dos Leprosários.
Excluir para não contaminar os outros, excluir para reintegrar espiritualmente o pecador com deus, com a moral, com o bom caminho, excluir para dar ao doente um espaço propício para a correção. A loucura começa a se ligar a outras percepções: pecado, lepra, preguiça.
Quem precisa ser corrigido?
- Sexualidade desviada: Homossexualidade, promiscuidade, prostituição, doentes venéreos, devassos e libertinos;
- Religião desviada: Adivinhos, feiticeiros, blasfemadores, alquimistas, astrólogos;
- Moral Burguesa desviada: Endividados, esbanjadores, avarentos.
Percebam como a internação tem caráter de polícia (do grego, politia, politeia, aquilo que é da cidade), ou seja, aquilo que está relacionado à conservação do modo de funcionamento da cidade. A internação tem como objetivo purificar a cidade.
Diferentemente do Renascimento, a Razão não tem mais nenhum parentesco com a loucura. Pelo contrário! Ela é perigosa, afastem-se dela! Isolem-na!
Neste momento, perder a Razão significa recuar para um estado de animalidade. Se a Razão some, o que sobra é apenas o corpo. Sem Razão, o homem é tomado pelos impulsos e torna-se perigoso. Não há saída: é preciso isolá-lo.
Mas, ao mesmo tempo, se ele não tem mais a característica central que o distingue (homem = animal racional), então não tem problema tratá-lo como um animal. O louco perdeu aquilo que o tornava humano, recuando para uma espécie de grau zero da natureza. O louco é um animal irracional em forma de homem, e portanto deve ser apenas domesticado, submetendo-se à força à disciplina para evitar inconvenientes.
Em segundo lugar: Se a loucura é a perda da razão, ela será fatalmente o desvio da vontade. Isto porque sem seu norte racional, a vontade inevitavelmente se desviará de seu curso normal. Afinal, é a razão que impõe limites à vontade irracional! A loucura ameaça não só a razão, mas também a vontade, o que leva ao desvio moral.
Internar adquire então a intenção de purificar o espaço de fora. Ora, se não se pode mais expulsar da cidade, mandando para fora (não há mais fora), então há de se criar um espaço interior onde todos os desvios sejam contidos.
A partir do séc. XVII até o fim do séc XVIII, a Europa funcionará isolando e prendendo cada vez mais. E dentre os vários internados estão os loucos, eles são prisioneiros que somem no meio da massa de internados.
O louco se perde na paisagem, a ponto de tornar-se difícil seguir suas pegadas”
– Foucault, História da Loucura
É aqui que a voz da loucura se abafa. O internamento não fala da loucura em sua positividade, o louco sumiu. Mas então aparece o psiquiatra e ele se orgulhará de distinguir o louco no meio da massa de internados. A partir daí, veremos as primeiras observações sobre a loucura.