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“Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações” – Chico Buarque.

O Instituto Presbiteriano Mackenzie iniciou suas atividades em 1870. Mas a história com o nome e a localização que conhecemos hoje só começou em 1890, após o casal de missionários presbiterianos George e Mary Ann Annesley Chamberlain comprarem uma chácara em higienópolis da dona Maria Antonia da Silva Ramos e receberem uma doação do advogado americano John Theron Mackenzie para a construção de uma escola de engenharia. Deste então, a universidade se localiza e se chama onde e como sabemos hoje. Mas uma história que foi esquecida, talvez até propositalmente por alguns, seja a batalha da Maria Antonia, que ocorreu em 1968. Quando Marilena Chauí realizou uma palestra no Mackenzie, fez questão de lembrar deste conflito e do estudante morto neste dia, José Guimarães.

A batalha na Maria Antonia começou no dia 2 de outubro de 1968, enquanto estudantes da Usp arrecadavam dinheiro (com a conhecida prática do pedágio) para a União Nacional do Estudante, extinta durante o período de regime militar. Tudo ocorria normalmente até que alunos da universidade Mackenzie atiraram ovos contra os alunos da Usp. As duas universidades estavam localizadas uma em frente da outra, separadas pela Rua Maria Antonia. O ovo lançado contra os alunos não foi um evento isolado, desde 1964, estudantes do Mackenzie ligados ao CCC (Comando de Caça aos Comunistas) já vinham invadindo, destruindo e perseguindo os alunos da Usp. Em 1964, 1966 e 1967, invadiram a faculdade de filosofia, quebrando móveis e vidraças e espancando alunos. Ou seja, 1968 foi a gota d’água para os alunos de filosofia que não agüentavam mais a repressão de alunos ligados à extrema direita e se utilizavam de medidas violentas para fazer prevalecer sua opinião.

Após o lançamento do ovo, a tensão se elevou rapidamente, as ruas se esvaziaram e barricadas foram levantadas. Cada qual gritava de dentro de seus muros ofensas para o outro lado da rua. Os mackenzistas diziam “guerrilheiros fajutos”, e os uspianos respondiam “nazistas, gorilas”. O número de estudantes aumentava conforme os alunos do período da tarde chegavam. Por volta das 14hs, a reitora do Mackenzie, Esther Figueiredo Ferraz ligou para a polícia e solicitou a presença da tropa de choque para a proteção do patrimônio do Mackenzie. Quando a polícia chegou o clima arrefeceu. Mas ainda não havia terminado, a noite e o dia seguinte ainda reservavam eventos que entrariam para a história.

Durante o período da noite, assembleias foram realizadas para decidir que atitude tomar. Os dois lados se decidiram por não atacar a não ser que fossem atacados. Entretanto, no dia seguinte a provocação partiu novamente do Mackenzie quando os alunos saíram dos portões para arrancar uma faixa na Usp com os dizeres “CCC, FAC e MAC = Repressão – Filosofia e Mackenzie contra a Ditadura”. Os alunos da Usp não aceitaram tal afronta e iniciou-se a batalha. Paus, pedras, tijolos, coquetéis molotov, barras de metal, rojões, armas, até mesmo vidros cheios de ácido sulfúrico foram jogados. Os alunos se enfrentaram durante um período de aproximadamente 4 horas. Lutavam com o que tinham e como podiam. Nenhum dos dois lados tinha guerrilheiros ou combatentes treinados. Era antes de mais nada uma luta política, várias questões foram se acumulando e explodiram no dia 3 de outubro.

A polícia foi novamente chamada pela reitoria do Mackenzie para proteger a instituição e pôr fim ao tumulto, desta vez com cassetetes, metralhadoras e fuzis. Houve a tentativa vã de dispersar a multidão, mas tiros para o alto eram inúteis. A Rua Maria Antonia já se parecia com uma zona de guerra, ao som constante de rojões sendo atirados de um lado contra o outro podia-se ver estilhaços de vidro e pedras pelo chão, dezenas de janelas quebradas, carros virados e incendiados, até mesmo a fachada do prédio da Usp havia sido queimada, sem contar outros focos de incêndio e vários feridos. Foi então que, no fim da tarde, José Guimarães era carregado com a camisa ensopada de sangue. Ele era aluno do terceiro colegial do colégio Maria Cintra e estava na Maria Antonia ajudando a recolher pedras para os alunos da USP. Ele morreu com um tiro na cabeça vindo de cima para baixo e acertando o lado superior da orelha direita. A autópsia concluiu que a bala era de calibre 38 ou de fuzil; apesar das suspeitas, até hoje não se tem certeza de quem matou o estudante.

Após este evento, os alunos da Usp decidiram sair às ruas para ­­­denunciar a morte de José Guimarães, houve passeatas, mais tumulto e violência. Eles se dirigiram ao Largo São Francisco onde se localiza a faculdade de direito da Usp. Por volta das 20:30, ao voltarem para a Maria Antônia, se depararam com duzentos e quarenta soldados da Força Pública, cem cavalarianos, dois tanques e cinqüenta cães adestrados que estavam lá para terminar com o motim e ocupar as duas universidades. Na mesma noite, enquanto os estudantes da Usp se reuniram e reconheceram que já não havia mais como dividirem a rua com os alunos do Mackenzie. Naquele mesmo ano, a faculdade de filosofia foi transferida para o campus da Cidade Universitária. Enquanto naquela noite, a reitora Esther Figueiredo felicitava os alunos do CCC e estes bebiam e comemoravam sua “vitória” nos bares ao redor.

O Comando de Caça aos Comunistas já existia antes do período militar, mas por razões óbvias ganhou força depois do Golpe; além deles também havia três grupos de direita reconhecidos publicamente, a Associação Anticomunista Brasileira (AAB), a Frente Anticomunista (FAC) e o Movimento Anticomunista (MAC), dois deles também citados na faixa que havia sido arrancada da fachada da Usp. Lutando contra a ideologia de esquerda e claramente apoiando o golpe, o CCC procurava manter a “ordem e progresso” do país caçando estudantes que defendiam os ideais comunistas e muitas vezes se utilizando da violência para conseguir seus objetivos. Dentre algumas de suas atitudes podemos citar a invasão e depredação do teatro Ruth Escobar e o espancamento do elenco da peça “Roda Viva” de Chico Buarque (18/07/68). A bomba atirada no teatro Opinião no Rio de Janeiro (02/12/68). Além do seqüestro e morte do padre Antônio Henrique Pereira Neto, da arquidiocese de Olinda e Recife. Mas a sua maior atuação foi realmente na Batalha da Maria Antonia.

Não estamos dizendo que todos os mackenzistas eram membros do CCC, isto seria absurdo afinal nenhuma das duas universidade possuía uma vertente ideológica homogênea. Mas está claro que os alunos do Mackenzie, de classe mais favorecida, tinham uma visão política (ou a falta dela) que permitia a atuação destes grupos dentro da Universidade. Talvez porque seus alunos se incomodavam menos ou eram menos afetados pelo chamado regime de exceção.

Vemos a conservação desta postura nos tempos atuais. Hoje o Mackenzie se parece com um enorme shopping center: praças de alimentação com preços exorbitantes, câmeras por todo lado, proibições estúpidas (como não sentar no chão ou deitar nos bancos), meninas andando com seus cabelos oxigenados e seus Iphones, e meninos com suas abercrombies e hollisters. A qualidade de ensino ainda é alta (assim como as mensalidades), principalmente para os cursos renomados, e a pesquisa é direcionada para  áreas de interesse próprio. O objetivo do Mackenzie é formar homens à imagem e semelhança de Deus, mas Graças a Deus, ou ao Diabo, eles também estão bem longe disso; grande parte dos alunos só quer o diploma para manter sua posição social, colam em todas as provas, estudam por slides e passam as respostas dos testes uns aos outros por celular. Além disso, ainda vemos alguns alunos que entram pelo PróUni serem discriminados.

A consciência política é quase nula. Contudo, sempre vejo grandes mobilizações para organização de festas. Posso falar mais, os alunos (e infelizmente alguns professores) não têm a menor vertente política durante as aulas, mas isso já daria um outro texto só para falar sobre o assunto. Ainda assim, a conclusão é clara e inequívoca: enquanto estudantes lutavam pelo fim da ditadura, enquanto pessoas se mobilizavam pelo fim da opressão  e do regime militar, outros se aliavam a fascista que na calada da noite roubavam o sono dos honestos, o sonho de liberdade e o futuro democrático de nosso país.

“Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações” – Chico Buarque.

fachada da usp na Maria Antonia em 68 e hoje

fachada da Usp na Maria Antonia em 68 e hoje.


cristiano-mascaro-19

policiais dentro da Usp

P23-1

ESTUDANTES/SP

Rafael Trindade

Autor Rafael Trindade

Quero fazer da vida o ofício de esculpir a mim mesmo, traçando um mapa de afetos possíveis.

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anisioluiz2008
11 anos atrás

Reblogged this on O LADO ESCURO DA LUA.

Verônica
Verônica
11 anos atrás

é lastimável verificar como a consciência política foi se perdendo ao decorrer do tempo. Ela foi comprada pelo Capitalismo, substituída por marcas, imagens, aparências. Pelo superficial, pela valorização exacerbada do “eu ideal”, o ser bem sucedido e reconhecido das capas das revistas.

A capacidade de vivência em comum, de pensar no grupo, está se extinguindo. Contudo, ela ainda existe. E fico feliz de comprovar isso.

Anderson
Anderson
11 anos atrás

Muito bom o seu artigo Rafael. Eu já havia escutado antes sobre conflitos entre estudantes esquerdistas da USP contra esses grupos da Mackenzie, como também da morte desse rapaz, mas não em detalhes. Infelizmente sua visão sobre os alunos do Mackenzie atualmente é verdade, até agora só conheci duas pessoas com um grau de consciência política lá, todos os outros me decepcionaram bastante ao conhece-los melhor. Não questiono a qualidade de ensino, mas capacidade técnica não é tudo, e acho triste que poucas pessoas conheçam esse episódio ou sequer sabem que parte da universidade (assim como a reitoria) apoiou tais… Ler mais >

Marcos Luiz
Marcos Luiz
11 anos atrás

Texto lamentável. Seu posicionamento parcial, a falta de provas e o nível em que generaliza estudantes já o faz cair em completa falta de credibilidade. Uma guerra só se faz se mais de um participar dela e como em toda guerra se ganha o lado mais forte. Eu não estava presente nos dias do conflito e duvido que você também estivesse. A maneira como descreve fatos e propaga suas opniões sem oferecer baseamento, estudos e provas ao leitor o faz parecer um completo ditador. Não tenho duvidas de que seja estudante da USP e de que não gosta compactua com… Ler mais >

Victor
Victor
Reply to  Rafael Trindade
5 anos atrás

Estudei no Mack na época e lhe informo que poucos alunos de ambas as instituições se envolveram. Havia muito mais gente de fora alimentando o conflito, que era capitaneado por José Dirceu (sim, este mesmo que vc está pensando), que era o principal interessado em levantar fundos em seu benefício (apesar de alegar ser para a UNE).

Silvia
Silvia
11 anos atrás

Muito bom o seu artigo Rafael. Admiro demais a sua coragem, como aluno da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em defender o seu posicionamento e relembrar fatos tão tristes como esse que ocorreram na nossa história. Para todos aqueles que lutaram e por todos aqueles que perderam a vida pelo fim da repressão e da ditadura no Brasil, ofereço o meu respeito e profundo agradecimento, incluindo-se aí pelo rapaz secundarista que tragicamente faleceu durante o conflito. É graças a todos eles que hoje você pode publicar sua opinião livremente nesse blog sem receio de desaparecer amanhã sem deixar vestígios.

Terra Amoreira
11 anos atrás

Muito bom o seu artigo.Não só em relação ao contexto histórico, mas no que se refere aos comportamentos atuais dos estudantes universitários. Fui aluna Prouni em outra Universidade particular em SP, e sei do que você está falando. Nos primeiros anos de curso, sofri muito preconceito, inclusive de professores que nos achavam incapazes…, que nos ignoravam em sala de aula, porém, com o decorrer do tempo obtive notas altas, pude comprovar minha habilidade, e deixei de me importar com preconceitos. Enquanto professores me ignoravam, aprendi a fazer meu próprio caminho nos estudos…

Guilherme
Guilherme
11 anos atrás

Sua análise quanto ao contexto histórico está correta, emerge de fatos verídicos e conhecidos, decorrentes de alinhamento ideológico de lado a lado, separados por alguns metros, não suficientes para que o respeito sobrevivesse… Mas isso já é passado, distante eu diria, já que vivemos na plenitude um Estado Democrático de Direito, com as Forças Armadas subordinadas ao Poder Civil… Entretanto, me preocupa o rótulo atribuído aos Mackenzistas (aqui me incluo, já que sou da turma de 1992)! Participei do Movimento conhecido por “Caras Pintadas”, juntamente a muitos colegas, de sorte que não poderia concordar com esse “acomodamento” imputado, não como… Ler mais >

Noedir
Noedir
10 anos atrás

Aí eu lhe pergunto: – e longe de mim apoiar uma ditadura, seja qual for – mas no andar da carroagem daquele tempo, se não tivéssemos tido uma ditadura de direita teríamos tido uma de esquerda, a lá URSS, Cuba, China, Coréia do Norte, etc. Com certeza, teria sido bem pior, com muito mais perseguições, torturas, mortes e, pior, além de ditadura, teríamos (meus avós, pais, eu) passado fome e perdido todos os nossos bens, direitos, liberdades (bem parecido com a ditadura de direita dessas bandas, mas bem pior que tudo isso) e essa ditadura poderia estar prevalecendo até hoje… Ler mais >

carlos baldon
carlos baldon
10 anos atrás

Rafael, a sua exposição é conhecida e razoável mas errou ao generalizar o perfil dos alunos do Mackenzie. Com certeza, vc nunca estudou lá e não deveria fazer publicamente tal afirmativa, criando uma animosidade desnecessária. Evolui, amigão !

thespringdandelion
10 anos atrás

Acho que não se pode generalizar os alunos mackenzistas. Entretanto como aluna posso dizer que sim, a maior parte dos estudantes não possuem uma frente politica estabelecida (desconsiderando os estudantes de direito). Posso afirmar que os professores do Ensino Básico tentam buscar ao maximo o potencial de cada aluno para que estes consigam formar uma opiniao baseada em bons argumentos. Nao acredito que a posiçao tomada pelos universitários tenha sido a correta, mas se fizer uma pesquisa de campo é possivel perceber que há varias pessoas que sao a favor da ditadura. O que pode ser dito é que o… Ler mais >