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Sabedoria de Vida

Ou: A arte de não ser tão triste assim

Schopenhauer nos ensina uma metafísica pessimista, mas também procura uma sabedoria prática de vida. Ou seja, o mundo pode ser miserável, mas isso não significa que nós devemos ser assim também.

A felicidade não é coisa fácil: é muito difícil encontrá-la em nós, e impossível encontrá-la alhures”

– Chamfort

A vida é como o pêndulo de um relógio, ela oscila com regularidade mecânica entre a dor e o tédio. Sendo assim, a vida é um desejo que causa dor, sofrimento, angústia, privação ou, uma vez satisfeito, marasmo, enfado. Ou seja, os mais ricos permanecem mais tempo no tédio, os menos abastados estão condenados a permanecerem mais tempo na dor. Mas todos estão eternamente frustrados. Menos quem? O filósofo! Ele encontrou uma saída! Um modo de se conduzir que foge da condenação que o mundo lhe deu.

Cem néscios empilhados não dão um único homem razoável”

– Schopenhauer, Aforismos para a Sabedoria de Vida

Schopenhauer

Escolhemos as imagens de Zdenka Palkovic para ilustrar nossa série

Um aviso

Primeiramente, para ler Schopenhauer é preciso vestir luvas. O filósofo é perigoso, seu pessimismo é um ácido corrói mesmo os ânimos mais otimistas. Schopenhauer seduz, suas palavras são bem colocadas no papel, e torna-se difícil escapar de sua visão de mundo. Enfim, ele é cativante, atraente. Sua filosofia oferece problemas e soluções. Como escapar deste ciclo de dor e tédio? É possível fugir da sensação de que era melhor não ter nascido? Como fugir desta angústia que nos persegue? O filósofo alemão nos oferece um hedonismo fraco. Sim, exatamente isso. Se não podemos ser felizes no sentido positivo do termo, é possível levar uma vida de qualidade, ou pelo não tão triste assim. Hedonismo tímido.

Schopenhauer se utiliza de seu conhecimento da filosofia antiga (principalmente estoica e epicurista), mas traz também a sua própria experiência de vida. Pessimista? Sim, mas não tanto… a pergunta aqui é: como fazer do viver um sofrer menos? Como evitar, num mar de dor e angústias, mais dores e angústias? Reflexão necessária, afinal, vivendo no inferno, não nos cabe multiplicar as agonias. Existe algum recanto onde podemos escapar desta condenação eterna? Talvez seja melhor perguntar: até onde nos é permitido ser feliz?

Um pouco de otimismo

Dentro de um mundo condenado, um pessimismo metafísico arraigado, o sábio filósofo encontra um pouco de otimismo de ordem prática, ele é capaz de ser feliz até onde é possível. Uma satisfação permitida. Se o prazer é sempre de ordem negativa (uma dor evitada, uma amargura prevenida) então deve-se encarar a sabedoria de vida schopenhaureana sobretudo como um evitar as dores. Não sair por aí em busca de prazeres que no fim das contas nos trazem mais problemas e desilusões.

Para Schopenhauer, o balanço da vida se faz não com os prazeres obtidos, mas com as dores que foram evitadas. Mais vale evitar a dor do que obter prazer. Porque a primeira é positiva e lancinante, a segunda é um alento e transitória. A filosofia nos ajuda a fazer isso, combatendo as tolices e desilusões que nos arrastam cotidianamente para o abismo.

A sabedoria de vida é uma filosofia para tempos difíceis. Schopenhauer é um metafísico do pessimismo, mas um otimista prático. Ensina que as coisas não precisam ser tão ruins assim, podem até ser boas. Trata-se de um hedonismo tímido. Ora, nossos tempos são difíceis, nossos prognósticos também não são dos melhores. Há espaço para a filosofia de Schopenhauer, mas, lembramos, vistam as luvas.

Sabedoria de Vida

Antes de mais nada, é preciso tomar o caminho para a imanência. Se não vamos nos suicidar (nem Schopenhauer nem Camus aconselham esta saída), então precisamos aprender a viver! Se não queremos a felicidade prometida por outros mundos, então precisamos voltar nosso olhar atento para esta realidade. Como conduzir a vida de modo o mais feliz e agradável possível? Para responder a esta pergunta precisamos de uma eudemonologia: palavra antiga que significa estudos para uma arte de ser feliz.

A Eudemonologia são um conjunto de pensamentos e práticas que fazem da existência algo preferível à não existência, e assim torna a vida algo que gostaríamos de ver durar de modo indefinido. Não nos perderemos em elucubrações e especulações, lembrem-se estamos no dia a dia, na vida que nos chama, em problemas concretos que precisamos resolver. Em síntese, filosofia para hoje! Necessitamos de um conhecimento empírico e prático. Os sábios empoeirados das prateleiras se perdem em filosofias que não nos servem! A cátedras dizem palavras que não entendemos! Schopenhauer não fará o mesmo! Para não nos perdermos, o filósofo traz uma divisão fundamental que nos guiará:

Ser, ter, representar:

Em primeiro lugar, aquilo que somos, pois é o que há de mais próximo de nós: nossa personalidade, saúde, força, beleza, temperamento, caráter, inteligência; aquilo temos, um pouco menos próximo, mas ainda perto: nossas propriedades, objetos, recursos e posses; aquilo que representamos, distante e quase não nos pertence: a maneira como nos olham, o que pensam de nós, o que dizem sobre nossa pessoa. Como um campo gravitacional, as coisas giram mais perto ou mais longe de nós, exercemos grande poder sobre aquilo que somos, um pouco menos sobre aquilo que temos e quase nada sobre aquilo que pensam sobre nós. Schopenhauer parte desta premissa para encontrar a devida importância de cada uma.

Sendo assim, há uma certa hierarquia do mais para o menos importante levando em conta aquilo que está em nosso poder. Ou seja, podemos nos concentrar naquilo que somos, e temos grande capacidade de agir neste campo; aquilo que temos está mais distante de nós, e somos menos capazes de cuidar, por último, aquilo que pensam de nós praticamente não está em nosso campo de atuação, e permanece praticamente todo no reino da fortuna. No fim das contas, dirá o filósofo alemão, cada um possui apenas a si próprio, por isso será tão importante conhecer-se e cultivar-se. A maior parte de nossas alegrias e tristezas depende diretamente de como aprendemos a nos relacionar conosco. Não poderia ser diferente, afinal, estamos sempre em nossa companhia.

O que alguém tem em si mesmo é o que há de mais essencial para a sua felicidade de vida”

– Schopenhauer, Aforismos para a Sabedoria de vida

SER

TER

REPRESENTAR

Arte de ser Feliz

Schopenhauer ensina o básico, não à toa foi chamado de educador por Nietzsche. Sob sua pena encontramos o fundamental para ser feliz, ou um pouco menos triste se possível. A primeira regra: o prudente aspira não o prazer, mas a ausência de dor. Isso porque o prazer é de natureza negativa (existe para suprimir uma necessidade) e a dor é de natureza positiva, uma necessidade que se apresenta. Todo prazer é a supressão de uma carência, de uma falta, que causa incômodo e desconforto. Estamos aqui no campo das forças reativas, o balanço eudemonológico da vida se faz com as dores evitadas, não com os prazeres obtidos.

É leviano acreditar que os prazeres são o caminho certo e seguro para a felicidade, é aqui que todos se enganam. A felicidade é uma quimera, os prazeres são, em sua enorme maioria, armadilhas perigosas. Exigir da vida grandes felicidades é o meio mais seguro para encontrar profundas tristezas. Só os tolos fazem isso. Por isso devemos primeira e prioritariamente buscar a ausência de dor, porque mesmo os maiores prazeres se apagam em face da dor. Depois, quem sabe, seja possível obter algum prazer. Schopenhauer preocupa-se com a primeira parte.

Viver feliz = viver o menos infeliz possível

Por quê? Repare:

  • Ora, na infelicidade, mesmo as melhores coisas nos aparecem apagadas, turvas e assim não podem ser apreciadas devidamente. Dá pra ver um bom filme sentido uma grande dor de dente? Impossível! Já na ausência de dor, mesmo as menores coisas são dignas de serem apreciadas. Recuperar a saúde depois de uma grande doença, sair do hospital e observar um dia de sol no parque, que grande felicidade!
  • As alegrias são efêmeras: não devemos sustentar nossa felicidade em coisas que, pela transitoriedade da vida, não tardam em partir, quebrar, deteriorar-se ou nos decepcionar. “Tristeza não tem fim, felicidade sim”. As alegrias se despedem cedo demais, não devemos lhe prestar tantas honras assim. O conhecimento e a instrução são, portanto, mais úteis e duráveis que qualquer prazer transitório! Eles ensinam a não nos desiludirmos e não nos enganarmos.

Falamos aqui de um hedonismo menor, tímido, sim, mas útil e necessário. Em suma, uma filosofia para tempos difíceis. Um estado de felicidade e serenidade que permite ao menos recobrar as forças e não se perder em momentos de fraqueza. É como um terreno que está sendo preparado para se plantar algo. Este caminho deve ser percorrido por cada um, entre dores e tédios! Schopenhauer pode apenas fornecer algumas máximas ou, como disse Espinosa, alguns conselhos de prudência.

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