“Para corrigir uma indiferença natural, fui colocado a meio caminho entre a miséria e o sol. A miséria impediu-me de acreditar que tudo vai bem sob o sol e na história; o sol ensinou-me que a história não é tudo.”
– Camus, Prefácio ao Avesso e o Direito, 1956
Em 1951, Albert Camus publicava “O Homem Revoltado”, um livro que receberia críticas contundentes e marcaria a ruptura entre ele e Jean-Paul Sartre, talvez o mais influente pensador daquela década. À época, Camus já era reconhecido como grande romancista e filósofo por ter escrito “O Estrangeiro” e “O Mito de Sísifo”. Ainda assim, tudo foi posto em questão com a péssima recepção desse novo livro.
Qual o motivo da polêmica? É simples. A partir de um conceito de revolta, Camus reavalia a história questionando a legitimidade das revoluções. Criticar o marxismo enquanto Josef Stálin ainda vivia, enquanto Mao Tsé-Tung acabava de tomar o poder, foi interpretado como reacionário e inaceitável. O mundo recém dividido entre capitalistas e comunistas não era capaz de compreender uma crítica que não viesse de nenhum dos lados.
Camus certamente não era um reacionário, sua história o comprova. Mais do que isso, a própria definição do conceito de revolta exige a consciência da injustiça e tomada de ação. No entanto, até que ponto essa ação é justificada? Essa é a pergunta que o filósofo faz aos movimentos revolucionários à esquerda e à direita. Se o limite do assassinato é ultrapassado, seja de forma irracional, como no caso do nazismo, seja de forma racional, como no caso do stalinismo, então é preciso denunciá-los.
É preciso ler “O Homem Revoltado” como um tratado de um humanismo às avessas, onde se reclama valores humanos para um tempo que já não se acredita mais no homem. Como fundamentar a revolta sem consentir com o terror? Como acreditar na igualdade, fraternidade e liberdade conhecendo aquilo que o homem se tornou? É preciso pensar a revolta e reavaliar seus valores apontando quais foram os excessos cometidos em seu nome.
Do Absurdo à Revolta
“Proclamo que não creio em nada e que tudo é absurdo, mas não posso duvidar de minha própria proclamação e tenho de, no mínimo, acreditar em meu protesto. A primeira e única evidência que assim me é dada , no âmbito da experiência absurda, é a revolta”
– Camus, O Homem Revoltado, Introdução
Enquanto “O Mito de Sísifo” é um livro de ontologia onde se esboça a primeira das questões, “O Homem Revoltado” é um livro de ética onde se postula o derradeiro problema. Se antes, frente ao absurdo, recusava-se o suicídio; agora, impelido pela revolta, trata-se de recusar o assassinato. É um mesmo problema que se complexifica a partir do momento em que se pensa não apenas a própria vida, mas a condição humana.
A morte é o espectro que atravessa todas as vidas. Assim, da perspectiva do indivíduo, pergunta-se “devo me matar?”; enquanto, da perspectiva do coletivo, pergunta-se “devemos matar?”. Para Camus, a única resposta pertinente a ambas as perguntas é “Não” e é justamente a partir dessa negação que se apresenta a primeira das afirmações: a recusa ao suicídio e ao assassinato se faz pela tímida afirmação do valor de uma vida possível.