Histórico
Nas montanhas de Surlei, em Sils Maria, Nietzsche teve a visão de sua vida: o Eterno Retorno do Mesmo. Deste momento em diante, este pensamento acompanharia toda a sua obra e expressaria uma única vontade, o desejo de retorno à imanência. Esta vontade se concluiria com o amor-fati e a Transvaloração de Todos os Valores. Mas Nietzsche percorreria ainda um longo caminho antes que isso fosse possível.
Para dar cabo de sua tarefa, Nietzsche precisou repensar o conceito de Eternidade, que coloca o ser em detrimento do vir-a-ser. Toda a história do pensamento ocidental, desde Platão, está contaminada pelo pensamento transcendente. É preciso então retornar aos pré-socráticos, junto a Heráclito e relembrar o rio que flui eternamente sem nunca parar, e no qual nunca podemos entrar duas vezes.
O Conceito
Nietzsche trabalha arduamente para trazer a eternidade novamente para este mundo e o Eterno Retorno é uma de suas ferramentas conceituais para isso. Podemos entender mais claramente este embate como duas concepções em conflito: Eternidade Temporal versus Eternidade Atemporal. O maior representante da segunda tese, já sabemos, é Platão que pensa a eternidade fora da existência, no mundo das Ideias, mas existem inúmeros outros que seguiram sua filosofia: Aristóteles, com o Motor Imóvel; Plotino, negando a eternidade para a natureza sensível; Santo Agostinho, trazendo o platonismo para o cristianismo e pensando um Deus eterno e atemporal criador de tudo a partir do nada; São Tomás de Aquino; passando por Descartes entre outros… até chegarmos em Kant e à modernidade.
Naquele dia eu caminhava pelos bosques, ao longo do lago de Silvaplana; detive-me junto a um imponente bloco de pedra que se ergue na forma de pirâmide, pouco distante de Surlei. Então veio-me esse pensamento”
– Nietzsche, Ecce Homo
Nietzsche retorna a Heráclito para pensar o mundo como fogo eterno que se consome e se recria, mas sempre aqui, neste mundo. Sua pergunta inicial é simples: “Você viveria sua vida mais uma vez e outra, e assim eternamente?”. Com este problema se torna possível trabalhar em cima do conceito de Eterno Retorno, um dos mais importantes de sua obra.
A Utilidade
Ele funciona como uma ferramenta (assim como todo conceito), que o filósofo desenvolve para enfrentar o niilismo que se espalha como uma sombra pelo corpo da humanidade, toma de assalto o homem e o leva à decadência. Nietzsche vê todo edifício filosófico europeu pautado na eternidade atemporal ruindo rapidamente e resolve tomar um caminho radicalmente diferente para dar conta de uma vida ética.
Depois da Morte de Deus, seria necessário combater o cansaço e a desvalorização de todos os valores. Nietzsche trabalha o Eterno Retorno como uma arma contra o niilismo, para revertê-lo e dar um outro centro de gravidade para os valores: esta realidade, esta vida. A força do Eterno Retorno está na possibilidade de fundar uma filosofia pautada na imanência pura. Eis a sua importância.
A vida tornou-se-me leve, a mais leve, quando exigiu de mim o mais pesado”
– Nietzsche, Ecce homo