A ciência nos mostrou que os sentimentos morais e a história são um erro! Um erro do qual talvez seja mais fácil acreditar, mas certamente um erro. Nietzsche nos mostra como o fundamento das ideias está mergulhado em um caldo metafísico. Mas o crentes se agarram com tanta firmeza em suas crenças! E agora? Como desvencilhar-se dos antigos ídolos? Velhas crenças precisam ser ultrapassadas, mas de que maneira podemos fazer isso? Nietzsche responde de maneira calma: com o ceticismo.
Inimigos da Verdade – Convicções são inimigos da verdade mais perigosos que as mentiras”
– Nietzsche, Humano Demasiado Humano, §483
A ciência gosta de questionar tudo e todos, ela põe o dedo na ferida e diz “mas será que é realmente assim?“. Sua brincadeira predileta é quebrar ídolos de barro. Seu risco maior, criar outros ídolos para idolatrar em seu lugar. Por isso o cuidado com o niilismo reativo. Não queremos fazer da ciência um novo ídolo, um novo deus ao qual devemos obediência. Como nos precaver deste grande perigo? Aqui o ceticismo se faz mais necessário do que nunca! Para quebrar com essa triste competição de “minha verdade é mais verdadeira que a sua“, um espírito livre adota uma postura cética, duvidando de ambos os lado!
A pressuposição de todo crente de qualquer tendência era não poder ser refutado; se os contra-argumentos se mostrassem muito fortes, sempre lhe restava ainda a possibilidade de difamar a razão e até mesmo levantar o credo quia absurdum est [creio porque é absurdo] como bandeira do extremado fanatismo. Não foi o conflito de opiniões que tornou a história tão violenta, mas o conflito da fé nas opiniões, ou seja, das convicções”
– Nietzsche, Humano Demasiado Humano, §630
O espírito livre abre o caminho para depurar as crenças antigas, filtrar o que foi contaminado pelo medo, pelo ressentimento e pela religiosidade. Aquilo que está velho e empoeirado precisa ser jogado fora, diz ele, não tem mais utilidade! E precisamos fazer isso o mais rápido possível, antes que estes dogmas contaminem nossas novas crenças, tão leves, tão lépidas! O ceticismo afasta qualquer crença nova do dogmatismo e do peso antigo, para eles toda verdade precisa saber dançar. O ceticismo dança, e por isso sempre se transmuta, enquanto os antigos ídolos são bolas de ferro atadas aos pés! E como dançarinos, não podemos acreditar em nossas verdades por muito tempo.
Convicção é a crença de estar, em algum ponto do conhecimento, de posse da verdade absoluta. Esta crença pressupõe, então, que existam verdades absolutas; e, igualmente, que tenham sido achados os métodos perfeitos para alcançá-las; por fim, que todo aquele que tem convicções se utilize desses métodos perfeitos”
– Nietzsche, Humano Demasiado Humano, §630
Claro que os homens se tornaram cativos de suas verdades, eles as erigiram como pontos fixos no universo, como proposições universalmente válidas, eternas, brilhando serenamente no mundo supralunar.
O espírito livre superar a ilusão da ordenação moral do mundo, por isso seu ceticismo não deixa que nenhuma outra ideia se torne fixa. Afinal, o espírito livre assim o é apenas porque é cético! Nenhuma verdade possui mais a capacidade de prendê-lo! Ele não se torna cativo, não se aferra a nada que o constranja! Suas observações psicológicas argutas lhe mostram que no fundo de todos os dogmas existem apenas motivações humanas, demasiado humanas!
O que são as verdades para o cético? São erros que ainda não foram desmentidos! O Sol girava em torno da Terra até Copérnico dizer: “É mentira!”, mas a Igreja obrigou a tudo permanecer como estava, e assim se manteve. Uma questão de força… mas o modelo geocêntrico continuaria se afirmando até que alguém tivesse a capacidade de desmenti-lo.
Ceticismo derradeiro: Quais são, afinal, as verdades do homem? – São os erros irrefutáveis do homem”
– Nietzsche, Gaia Ciência, § 265
E qual é o prazer do cético? Ora, não poderia ser outro: desmascarar erros e ilusões! E mais: não se deixa seduzir nem mesmo por suas próprias crenças! Eis o que o cético percebe: o terreno sobre o qual se sustentam todos os ideias é movediço; e hoje essas crenças afundam ameaçando levá-lo também! O espírito científico se mantém apenas porque o cético é a representação deste primeiro momento onde o homem aferra-se em seu não conhecimento. Ele não sabe mais o que sabe e está vacinado contra qualquer afirmação desastrada, precipitada!
O que chamamos de mundo não passa de uma perspectiva, um modo de vida, uma maneira da Vontade de Potência afirmar-se. Qual é a verdade? Ora, só podemos falar da verdade de cada um. Como cristãos se afirmam? É acreditando na Trindade, na transubstanciação? Ótimo, bom para eles. Como um Espírito Livre se afirma? Primeiramente negando tudo isso? Tudo bem, desde que cada um encontre um caminho, desde que cada um ache a sua maneira.
Elogiar o ceticismo é apenas uma outra maneira de dizer “Ora, se ainda não sabemos, experimentemos então!“. Da mesma forma que a serpente precisa mudar de pele, esta figura apresentada por Nietzsche pode mudar de opinião assim que for necessário. Sem nostalgias, sem apegar-se aos antigos valores. O espírito cético entende que precisa passar por uma somatória de vivências, de afetos, de impulsos, acontecimentos, culturas, para quem sabe um dia entender-se. Ele busca os instrumentos necessários com os quais alcançará um conhecimento de si mesmo! Mas, de agora em diante, quer elevar-se sem iludir-se!
Para tranquilizar o cético. — ‘Não sei o que faço! Não sei o que devo fazer!’ — Você está certo, mas não tenha dúvida: você é feito! a cada momento! Em todos os tempos a humanidade confundiu a voz ativa e a passiva, é o seu eterno erro gramatical”
– Nietzsche, Aurora, §120
Sabemos onde Nietzsche quer chegar, tornar o espírito pronto para o grande desprendimento! Como tornar-se leve carregando todo o peso dos valores? O Camelo precisa tornar-se Leão e acabar com o Dragão do “Tu Deves” (veja aqui). O cético ainda é esta luta contra todos os valores humanos, demasiado humanos. Esta luta se dá contra uma cultura que insiste em eternizar seus valores, e enquadrar o homem neles a qualquer custo, mas não podemos esquecer que tudo isso também acontece dentro da alma do homem, que o tempo todo está em busca de uma sentido maior que si mesmo.
O ceticismo exigirá que abandonemos tais erros! Os remédios e bálsamos que prescrevem aos doentes, falsos conhecimentos que aliviam a dor, mas não abolem a causa de nossa angústia. Nos tornamos mais leves porque deixamos tudo isso para trás, mas ainda não aprendemos a criar valores, isso é com a criança, explica Zaratustra. Estamos apenas começando, o ceticismo propicia apenas a diminuição das coisas irreais: ordenação moral do mundo, alma, verdades eternas. Em seu lugar colocamos agora “estados experimentais”, “existências provisórias”. Afinal, talvez o corpo seja apenas o reservatório de muitas almas, que podem brincar e se descobrir depois de enterrar sem honras os velhos ídolos. O cético é o leão que dará lugar à criança!
Morrer pela “verdade”. — Não nos deixaríamos queimar por nossas opiniões: não somos tão seguros delas; mas talvez por podermos ter e alterar nossas opiniões”
– Nietzsche, O andarilho e sua Sombra, §333
Gostei de suas reflexões, porém você faz aquilo que Nietzsche afirma abominar quando coloca a “ciência” sendo uma analogia do ceticismo ou em outros momentos como um ponto de referencia de alguma verdade (idolo de barro). A instituição cienífica é um dos empreendimentos modernos mais claramente dogmático, autoritário, aristocrático e dependente de n´s premissas filosóficas ancoradas nos sentidos e na fenomenologia, categorias que tem sido demolidas mais do que quaisquer outras pelo ceticismo academico.
Não vejo assim, até porque eles tentam disso distanciar ao afirmarem: “Não queremos fazer da ciência um novo ídolo, um novo deus ao qual devemos obediência. Como nos precaver deste grande perigo? Aqui o ceticismo se faz mais necessário do que nunca! Para quebrar com essa triste competição de “minha verdade é mais verdadeira que a sua“, um espírito livre adota uma postura cética, duvidando de ambos os lado!”.
A verdadeira emoção desta vida é a de se cometer erros. Uma existência só de acertos nos deixa sem sabor, sem gosto.
Diga-me, o que poderíamos chamar de “acertos”?
Incrível!!!! adorei os textos!!!!!
Arrogância é querer definir o modelo de mundo que lhe convém, meninice. Nem só de idéias ou de livros é que se forma uma convicção mas também de experiências e a experiência é algo pessoal. Respeite, abra sua mente o benefício da dúvida todos temos assim como o benefício da convicção.
Acredito que as dúvidas podem sim enquadrar-se em um modo mais universal de se lidar com o mundo enquanto que as convicções não o podem fazer. Mas se há experiência significa que há maturidade, e se há maturidade a arrogância não se faz presente.
Porém, se há maturidade tenha certeza que esta será acompanhada da dúvida.
Muito boa a sua colocação.